segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Meus padrinhos

Meu padrinho de batismo foi o médico que fez o parto de Mamãe.
Papai sempre me contava como foi e dizia que depois que terminou, parecia uma tourada. Nunca perguntei a quantas touradas ele foi na vida, acho que nenhuma pois não conhecia a Espanha, mas dava a entender que a coiseira toda fora muito difícil. Eu estava atravessado e com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Cesariana na época, nem pensar, pois nem existia maternidade em Corumbá. Papai conta que pelo exame clínico meu padrinho viu que eu estava atravessado e pelo batimento cardíaco, com o cordão enrolado. Na hora do parto ele, para acalmar papai, falou que tinha estágio na "pro mater paulista", que era o melhor centro médico para parturientes da America do Sul. Coincidentemente, foi onde nasceram todos os meus filhos e todos os meus netos com exceção do apressadinho do Antonio Pedro, que resolveu sair para o mundo antes da hora. Nasci roxo, não só o saco que nem o Collor, mas inteirinho, empelicado, e de toba para a lua. A primeira parte que veio foi a bunda. Para me fazer chorar, ele me colocava numa bacia de água quente e outra de fria, dando choques térmicos, e muita porrada. Tapa na bunda, levei um monte. Quando ele viu que a coisa não estava funcionando e eu ficando cada vez mais roxo, com a boca, ele me deu uma chupada pegando minha boca e nariz ao mesmo tempo, desobstruindo as minhas vias respiratórias. Então comecei a chorar. Foi uma maneira desagradável de vir ao mundo: Porrada, água fria e beijo na boca de homem. Mas papai ficou por demais contente de sair dessas com os dois, Mamãe e eu, uma vez que se chegou a falar em priorizar a saúde dela.
Dr Éneas, esse era o nome da fera que me trouxe ao mundo, me batizou junto com a Tia Dirce. "Meu nome é Éneas" só não aconteceu, pois mamãe já tinha feito promessa para São Judas Tadeu. Ela, sem ultra-som, já sabia que esperava um gurizinho. Isso tudo em 1950. Depois de adulto, só me lembro de tê-lo visto uma única vez em São Paulo, quando ele operou mamãe. Notícias dele, muito pouco através de papai, e uma vez tentei visitá-lo em São Paulo, sem sucesso. Última lembrança foi de papai, triste, me avisando que ele tinha falecido.
Em 1965, eu estava interno no arquidiocesano de São Paulo, e não era crismado, eu e mais um lote, coisa inadmissível num colégio Mariano que nem aquele. Resolveram crismar os semi pagões e me mandaram escolher um padrinho. A crisma, que é uma confirmação do batismo, é necessária, pois esse último foi feito sem a sua permissão. Na crisma, em toda sua consciência, você que escolhe o padrinho. A única exigência é que ele tenha sido crismado anteriormente.
Olavo de Oliveira Lima, era um dos meus melhores amigos no colégio e cumpria todas as exigências necessárias para um bom padrinho de crisma, que é servir de exemplo em todas as ocasiões. Foi o escolhido. Era daqueles amigos verdadeiramente sinceros, para todos os momentos. No internato, estudávamos juntos diariamente, nos fins de semana saíamos juntos e nas ferias de Corumbá, encontrávamos em todas as festas e os programas eram feitos juntos. Ele era um cara muito boa praça e todos gostavam de sua companhia. Era daqueles que não tinha perigo de não dar risadas de uma piada sua, por mais sem graça que ela pudesse ser. Quando a hora era inoportuna, como por exemplo nas salas de aula, era daqueles risos presos, que ia escapando lentamente, lembrando o freio a ar de um trem. Não brigava com ninguém, por mais provocado que fosse. Tinha aquelas teorias de paz e só entrava em confusão para retirar algum amigo dela.
Lembro-me de umas férias de julho, era julho pois estava muito frio, ele ganhou um fusca, azul, zero bala, de seu pai. Tinha o maior ciúme do carrinho e não deixava ninguém encostar. Estávamos todos no La Barranca, vendo as meninas passarem, eu com meu cônsul velho e o Chico Xavier com um jeep toyota de seu pai. O Olavo foi o último a chegar e estacionou o carrão dele sob um daqueles postes de luz fria, recém inaugurados. O Chico olhou a lâmpada e verificou que a proteção da mesma, que era um vidro que ficava por baixo do refletor, estava aberta e falou para o Olavo tirar o carro dali que aquela proteção ia cair sobre seu carro. Como todos viram que ele ficou preocupado, começaram a tirar sarro dele, quando o Chico resolve chutar o poste de luz que estava com a coisa pendurada. No primeiro chute, ela deu uma pequena balançada e todos deram risadas da cara de apavorado do Olavo. O segundo chute era o que faltava pra merda cair mesmo e se espatifar, por sorte no pára-choque do fusquinha do homem. Tivemos que segurar o Olavo, pela primeira vez na vida, para não bater no Chico e argumentávamos que ele só queria fazer uma brincadeira que não deu certo e o que valia era intenção etc... Saímos de lá e fomos para uma "brincadeira", assim que chamávamos os bailinhos de antigamente, na casa do Carlos Alberto Garcia. Ele morava ali na rua D. Aquino, entre as ruas Antônio Maria e João, onde o greide é super exagerado. Paramos em diagonal e o Chico, ainda de sacanagem, estaciona seu Jeep a 5 cm do pára-choque, agora o traseiro, do fuscão do Olavo, naquela descida. Este ficou muito injuriado e quis ir embora, mas para isso o Chico tinha que tirar seu jipão. A tensão estava no ar. Conseguiria o Chico dar a ré sem tocar no carro novo do Olavo? Todos foram para a porta acompanhar a operação. Todos davam idéia de como ele teria que usar o freio de mão e só soltá-lo depois de perceber que o carro estava indo para trás. Veio a primeira surpresa: o freio de mão não funcionava. Teria que fazer o tripé. Esquerda na embreagem, ponta do pé direito no freio e calcanhar no acelerador. Calçar a parte da frente da roda também era conveniente. Soltava embreagem e depois o freio. Percebemos um certo nervosismo no Chico. O Olavo já estava espumando. O Chico sentou na Toyota, deu a partida, engatou a ré, fez o tripé e arrancou. Tudo teria dado certo se não tivesse entrado a primeira ao invés da ré. O carro deu um pulo por sobre o calço e subiu no fusca novo do Olavo. Ninguém acreditava no que estava vendo. Não sabíamos se acudíamos o Olavo ou o Chico. Foi algo totalmente inusitado e ficou mais ainda quando o próprio Olavo acalmou o Chico. Ta certo que não usou palavras muito delicadas, mas não quis matá-lo, como todos pensávamos que iria acontecer.
Já se passaram quase 50 anos, meu amigo Chico já faleceu e o padrinho Olavo mora em Campo Grande.Vejo-o muito pouco, mas nas poucas vezes que nos reencontramos eu tomo a sua benção com todas as formalidades de um bom afilhado, inclusive com beija mão.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A escola da vida

Isso foi há uns 10 anos atrás. Estava num papo cabeça com o Zé Mauro sobre "O Velho", com eu, ainda fazendo 50 anos, já dizendo como era duro ficar velho. Ele me falou uma coisa que não dei muita importância na hora, mas à medida que o tempo vai passando cada vez mais se confirma como verdade absoluta. Quando eu falei que não sei como agüentaria as limitações da idade, dificuldade em comer quando começasse a me faltar os dentes, em andar quando as pernas já não agüentassem mais, a cabeça começasse a esquecer coisas importantes, o "companheiro" não atendesse as chamadas para brincar e outras mazelas mais, ele me respondeu:
- Você falando assim é foda, mas as coisas vão acontecendo aos poucos, de modo que você vai se acostumando com uma de cada vez. Realmente, se chegasse tudo junto e de repente, o cara ficava louco. Mas ainda bem que cai fio por fio. Você não dorme cabeludo e acorda careca.
Uns dias depois, fiquei sabendo de uma história e sua teoria de confirmou. Uma sobrinha querida estava meio gordinha e resolveu tomar "xenical". Acho que é assim que escreve, mas é um remédio que não deixa você absorver as gorduras. Elas saem integralmente nas fezes, mas tem um inconveniente, te frouxa o esterco, como diz Guilherme, meu filho. Contam, que no dia que ela começou a tomar isso, estavam todos prontos para sair, ela começou a chorar. Foi dar um peidinho, daqueles irresistíveis e aconteceu: se borrou toda. Foi um drama. Na segunda vez, ela falou com os olhos marejados:
- Bom, tenho que ir. Infelizmente aconteceu.
Na terceira vez, ela já levantou e falou:
- Vamos?
Normalmente ela é a última que sai. Conta-se que, comprovando as sábias palavras do Zé Mauro, depois de um certo tempo, ela só começava a rir e quando olhavam para ela, curiosos para saber o motivo, ela só falava:
- Escapou!
Acostumou com o problema.
Um outro caso foi papai. Ia subir uma escada e se um estranho fosse ajudar e pegava em seu braço ele ficava puto e falava:
- Está com medo de cair, segure aqui - e enchia a mão.
Mas as coisas foram ficando difíceis e ele foi se acostumando a aceitar ajuda de terceiros, até que fomos para o Porto da Manga acompanhar a travessia de um gado que vinha de Piratininga. Eu ia passar o dia todo lá e não consegui convencê-lo de não ir. Falava que ia ser cansativo e ele contra argumentava que eu não queria era levá-lo. Acabei por alugar um apartamento com ar condicionado no hotel do Tirso, que era para pescadores. Os apartamentos eram construídos elevados e tinha uma escada de uns 5 degraus na porta de cada quarto. Depois do almoço, no acampamento da comitiva, que ele adorou, levei-o para o quarto, ajudei a subir as escadas e dormimos um pouco. Quando acordei, com o barulho ele acordou também, mas não quis sair do quarto. Estava muito quente e o ar condicionado a toda. Fiquei preocupado com a escada e pedi que ele me esperasse, que daria uma olhada rápida para ver se já tinham recomeçado o embarque e voltaria para ajudá-lo a descer. Assim o fiz e fui para o bar do hotel comprar uma água para levar a ele. Estava no balcão quando apareceu o Araquém, um vizinho da Nhecolandia. Quando me viu, falou;
- Então era Seu Alberto mesmo. Estava descendo as escadas com um mancebo, aqueles cabideiros que se usa para pendurar roupas e chapéu e parece um espantalho.
Quase enfartei. Velho do cacete. Descendo escadas com um mancebo. Na hora fiquei puto até com o Araquém e falei:
- Porra e você não ajudou ele?
- Lógico. Quem você acha que levou o mancebo de volta para o quarto.
Ele estava começando a pedir ajuda.
Sábio Zé Mauro.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Till Schuluter

Logo que cheguei em definitivo em Corumbá e comecei a trabalhar na Marinho Trading, empresa da família, minha primeira missão foi acompanhar o presidente da Osram numa visita a Bolívia. O homem era um alemão legítimo e queria conhecer o mercado. Queríamos ser representantes de sua empresa e precisava mostrar a ele que tínhamos influencia na Bolívia.
Ele tinha uma semana para conhecer o mercado de Santa Cruz, nossa empresa, nosso modus operandi, os costumes bolivianos, etc, etc, etc. De cara, estabeleceu que queria fazer de trem o percurso Corumbá-Santa Cruz. Quando me falaram isso, comecei a entender o porquê de me escolherem para tão importante missão. Tontonio não era besta. Para completar ele vinha com a esposa. Nossa comitiva foi formada pelo casal de alemães, Till e Erika, meu primo e sócio Ivan e a esposa Miriam, Bea e eu.
Tinham dois trens que faziam a linha Corumbá - Sta. Cruz. A litorina, que era uma máquina puxando dois vagões, cada um com uns 80 passageiros e um único banheiro e o trem da morte, que era uma locomotiva puxando uns 20 vagões com 1600 pessoas dentro e outro tanto por cima, no teto. A litorina demorava 18 horas e o trem da morte não tinha tempo definido. Optamos pela litorina. Os trilhos tinham umas emendas entre eles que cada roda que passava era um risco de descarrilhar. Numa conta simples, cada trilho tinha 12 m, o percurso, 600 km ou seja 600.000m o que dava 50.000 trilhos..., de cada lado. Cada vagão tinha umas 16 rodas, 2 vagões, 32, mais oito da máquina, 40 rodas passando em 100.000 emendas, dava 4.000.000 possibilidade de descarrilhamento. Era a quase certeza absoluta que nos estávamos fudidos. E para completar a teoria, os trens viviam descarrilhando, e maquinista era uma das profissões mais bem pagas pois a velocidade, nas curvas, tinha que ser diminuída, pois caso contrário o acidente era certo.
O alemão não sabia disso, nem tampouco do único banheiro para todo aquele pessoal. Com uma hora de viagem já era impossível entrar nele, tanto pelos obstáculos naturais, como pelo cheiro. Assim que acabava a água e enchia o vaso, o mesmo era interditado. Como o trem parava de meia em meia hora, a solução era o mato. Para os homens e mulheres como Bea e Miriam, acostumadas a viajar nesse pantanal de toyota ou caminhão, fazer xixi na moita não era problema. Já a alemã... depois de 10 horas de viagem e ela não acompanhar as mulheres em nenhuma das incursões ao mato, começamos a ficar preocupados. Ela já não tomava água para não aumentar o volume. Além do risco de paralisar os rins tinha o da desidratação. Mijar nas calças era o de menos. Rir, nem pensar. Apesar de ser super divertida, nos proibiu de falar qualquer coisa engraçada. Com 15 horas de viagem, tentou ir no mato mas quando viu a quantidade de gente descendo, mulheres de um lado e homens de outro, desistiu. Após 16 horas, queria pedir para desinterditarem o banheiro..., sem sucesso. Quando chegamos a Santa Cruz, podia jurar que via o nível da urina no branco de seus olhos. Ela não falava, não ria, respirar, só o mínimo necessário. Foi ao banheiro da estação, achando que podia ser diferente, e nada. "Já aguentei até aqui, chego no hotel". Tinha que ser uma alemã, nunca vi um controle maior do que aquele. Na chegada do hotel Las Palmas, de brincadeira, a convidamos para tomar uma paçenha, uma cerveja boliviana deliciosa, não recebida com a devida esportividade, mas sua educação impecável a impediu de nos mandar a merda. Conseguiu chegar ao banheiro, fato comemorado por todos.
A estadia foi super proveitosa e conseguimos convencer o alemão de que éramos competentes para representar a sua empresa na Bolívia. Fizemos uma festa no hotel onde convidamos todos os comerciantes de material elétrico da Santa Cruz e os apresentamos ao Till. Tinha até Mariachos, aquelas bandas mexicanas e típicas da região. Teve até discurso, e o Ivan, que não pode ver um microfone, já o usou para dar as boas vindas a todos, enaltecendo os comerciantes bolivianos e dizendo que trouxe o presidente da Osram alemã para eles conhecerem. Grande sacada. Deixou todos se sentindo super importantes. O Till já totalmente enturmado, depois de uma dúzia de paçenha, até cantou em alemão para todos. Na visita ao mercado, a GE dominava totalmente. Era 90% Ge, 8% Philips e 2% o resto. Tínhamos uma empreitada muito difícil pela frente. Pegamos a representação e um ano depois a Osram já era a líder de mercado. Papai com Tontonio eram incríveis, e entendiam muito do mercado boliviano. Comprávamos Ge também e no começo, as bonificações para qualquer produto eram lâmpadas Osram, inclusive para quem comprava GE. Os preços iniciais eram muito mais baixos e, à medida que os bolivianos foram se acostumando, foram subindo até deixar quase equilibrados. Além de se tornar um dos nossos principais fornecedores, os alemães ficaram nossos amigos e mantemos contato até hoje. O Till já se aposentou, voltou para Alemanha, mas não teve nenhuma vez que veio ao Brasil e não nos visitou. Pelo menos que eu saiba.
Bons tempos.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O chato

Tem pessoas que são inesquecíveis e pelos mais diferentes motivos. Os muito engraçados, os muito legais, os muito amigos e os muito chatos. Dessa última categoria teve um que superou a todos e, principalmente, as minhas próprias expectativas. Foi o cara mais chato que já conheci na vida. Trabalhávamos na mesma empresa e ele era o assistente do diretor. Sua função era de olheiro. Vivia sondando todo mundo para contar ao chefe quem fazia o que. Era temido pelos enroladores, que viravam bajuladores, e ignorado por quem trabalhava sério e achava aquela função ridícula. Minha equipe toda fazia parte do último grupo. Para ter a possibilidade de entrar em todas as salas oficialmente, ele era o responsável pelo cumprimento das normas da empresa. Logo na contratação, o empregado recebia o manual das rotinas internas da empresa, onde constavam todos os procedimentos. Ele tinha que fiscalizar quem não estava cumprindo os mesmos, descobrir o porquê, e então, ou denunciar o caboclo ou corrigir as rotinas. Numa dessas correrias, normais em um departamento de engenharia, onde os prazos estavam estourando, pulei uma série de etapas dos procedimentos de compra: Ao invés de fazer um pedido ao setor responsável para marcar uma reunião com o setor técnico do fornecedor, comecei a fazer isso direto e por telefone. Era algo assim, e estava completamente fora das regras. Recebi a sua visita e a conversa foi sobre as rotinas de compra, que tinham que ser alteradas, para permitir, em casos de urgência, que a engenharia fizesse os contatos com os fornecedores e resolvesse as pendências técnicas. Ele não concordou e argumentou que aquilo poderia facilitar possíveis fraudes. Contra argumentei que não via a coisa dessa maneira uma vez que a autorização seria dada para o contato ser feito por uma pessoa de nível hierárquico maior que o do comprador, e conseqüentemente, mais confiável. A discussão parou ali e a coisa ficou mal resolvida.
Tem um detalhe que estava me esquecendo, o assessor tinha um trejeito que, se não era gay, servia numa emergência, na falta de um.
Passado uns dias, estava em uma reunião com todos os meus responsáveis pelos projetos em andamento, quando esse cara me entra na sala interrompendo tudo e me atira seu capacete. O mesmo quica sobre a mesa e quase me atinge e aos berros, me fala:
- Quem o senhor esta pensando que é?
Na hora eu fiquei completamente sem ação, pois não podia imaginar o que despertou tal ira na bichinha. Ele se aproximou de mim e continuou:
- Que parte você não entendeu? Você não esta autorizado a entrar em contato com fornecedor nenhum.
Aí caiu a minha ficha do motivo da raiva dela. Não ia me justificar na frente de meus subordinados. Gentilmente pedi que ele se retirasse da minha sala e que quando eu terminasse a reunião o chamaria para conversarmos. Ele se aproximou mais de mim ainda e falou que não tinha mais conversa nenhuma comigo. A raiva contida começou a me dominar e me levantei. Queria falar, mas o queixo já estava travado e não conseguia emitir nenhum som. O meu pessoal me contou depois, que fiquei pálido como uma cera e acharam que ia enfartar. Lembro que a última frase dele foi perguntando se eu ia ficar ali quieto. A emoção dominou a razão. Coloquei a mão direita no cós de sua calça e fui levando-o de arrasto até a porta. Ele era muito magrinho e cada vez que ele procurava parar eu dava um tranco nele. Abri a porta e o empurrei para fora. Voltei ao meu lugar e quando me sentei vi o seu capacete em cima da mesa. Na hora que o peguei ele abriu a porta novamente e, ainda no puro instinto, o atirei nele. Por incrível que possa parecer, ele o pegou no ar, agradeceu e fechou a porta. O silêncio na sala era tal que poderia escutar o peido de uma mosca. Passado uns 10 segundos alguém começou a rir, discretamente no inicio e depois as gargalhadas. Um deles comentou que ele gostou da coisa, pois saiu com a calça enfiada no rabo.
Não me lembro de, na minha vida, ter saído do sério tanto quanto esse dia. Tem um automático animal no ser humano que assume o controle de suas emoções e isso devia ser estudado pelos psicólogos e servir para diminuir a pena em caso de assassinatos. Se tivesse uma janela antes da porta, eu acho que poderia tê-lo retirado por ela, tal era meu estado de nervo.
Mas passado a raiva, não vou negar que veio uma certa preocupação com o acontecido. Tinha a meu favor que ele me desrespeitou e me agrediu fisicamente atirando o seu capacete. A enfiada de calça no rabo foi uma defesa natural. E o capacete, pelo fato de ele tê-lo pego no ar, foi só uma maneira indelicada de devolvê-lo. Antes de ser chamado na diretoria, fui ao meu gerente e contei o ocorrido.
Para minha surpresa, a bichinha voltou a minha sala, bateu na porta, pediu licença para entrar, pediu desculpas e me convidou para jantar em sua casa. Só me tranqüilizei quando ele falou que podia levar a esposa. Não se tornou meu amigo, pois não era meu tipo de jeito nenhum, mas nunca mais levantou a voz comigo e consertou a norma permitindo que a engenharia pudesse ter contatos preliminares para definir questões técnicas. Precisava mesmo de uma enfiada de calça no rabo.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Manga Larga Marchador

Em fazenda, o melhor meio de transporte é o cavalo. Vai a qualquer lugar, não assusta o gado, não estraga o pasto por onde passa, não polui o ambiente, e o mais importante, é gostoso. Mas o cavalo tem que ser bom, daqueles andadores, de passo largo e não os de trote duro. Esses também são importantes, como diz Zé Mauro, bom para encilhar para genro ou cunhado que está de namoro. Chega a noite o nego tá tão quebrado que dorme sem nem recolher os pés na rede. Mas deixemos isso de lado, estou na época de guardar os de trote duro para os namorados das netas.
Logo que o Beto chegou aqui em Corumbá, recém formado em agronomia, dividimos os trabalhos. O Marcio ficava responsável pelo pantanal, eu pelo Angico e Beto pelo Campo Novo. O Inacio Vasconcelos, proprietário do Frigorifico Urucum, e comprador de gado gordo nosso, o presenteou com um cavalo manga larga. Não existe melhor andador, cavalo de patrão como os peões dizem por aqui. Para retribuir a homenagem o potro foi batizado de Urucum e levado para ser domado pelo cara que mais entende disso na região. O cavalo só faltava falar, ou como dizia meu neto Rafael de seu irmão menor, o Thiago, ele falava, nós é que não o entendíamos. Beto andava a fazenda toda montado no Urucum e não cansava. O problema maior era não deixar os peões encilharem ele direto, pois era um carro de luxo no meio daqueles tratores. Um ano depois chegou Guilherme, agrônomo como Beto e no ano seguinte, o Daniel, veterinário. O time estava completo, trabalhávamos juntos e a coisa indo de vento em popa. O manga larga do Beto continuava sendo sua sela específica e muito bom até o dia do acidente.
Para dar de beber ao gado nas fazendas de pasto plantado das áreas altas, temos que fazer poços semi- artesianos que vão de 50 a 250 m de profundidade. Tem 6 polegadas ou 20 cm de diâmetro. Por esse buraco, desce uma bomba, já presa ao cano de recalque e fica submersa naquela água subterrânea. Essa bomba recalca a água para umas pilhetas de 8 m de diâmetro e 60 cm de altura, onde além de reservatório é o bebedouro do gado. Todas as nossas pilhetas são de alvenaria e com proteção para o gado não entrar dentro dela. Somente uma, que fica perto da casa e é mais antiga, que além de ser de chapa de aço ondulada, não tem a proteção interna. Foi um descuido nosso, pois ela só atendia a tropa e o gado leiteiro, que é muito manso.
Estávamos todos no escritório quando veio a noticia. Uma vaca leiteira, bebendo água junto com o Urucum, deu uma cabeçada nele e o empurrou para dentro da pilheta. Na tentativa de não cair dentro, ele enfiou a mão para dentro da pilheta e cortou a artéria femural. Estava sangrando muito e se não fosse socorrido muito rapidamente não iria agüentar. Para a sorte do cavalo, os dois veterinários, tanto o Daniel como o Marcio, estavam no escritório e em dois minutos já tinham reunidos todos os instrumentos cirúrgicos necessários para estancar a hemorragia e foram correndo para a fazenda. Ficamos no aguardo de notícias e isso devia ser umas duas horas da tarde e tinha acabado de acontecer.
Por volta das 19h, estava na porta do Samec, Serviço Assistência Medica de Corumbá, não me lembro mais fazendo o que, quando chega a caminhonete com os dois veterinários. O Daniel estava no volante e estacionou o carro e ao invés de se dirigir direto para mim, para me dar as notícias, deu a volta e foi na outra porta pegar o Marcio. Vieram os dois e o Marcio que nem saci, não apoiando uma das pernas no chão. Fiquei preocupado ao vê-lo machucado e quando perguntei o que foi, com eles já bem pertinho, que percebi que o Daniel estava com galo na testa que não me lembro de ter visto algum outro maior na vida. Não conseguia entender como os dois se acidentaram e o carro estava em perfeito estado. Já meio nervoso perguntei que merda eles tinham feito e quem respondeu foi o Marcio:
- Foi o Urucum. Chegamos lá e ele estava muito ensangüentado e vimos que não daria tempo de aplicar anestesia. Ele deitado e fui do lado contrário das patas para tentar achar a artéria femural dele e poder amarrá-la. Como não conseguia alcançá-la, tive que trocar de lado e foi nessa hora que ele esperneou e seu pé acertou meu tornozelo. Na hora achei que tinha quebrado, tanto era a dor. Mas não tinha jeito, eu tinha que agüentar, pois o cavalo iria morrer em menos de 5 minutos. Passei as instruções para o Daniel e alertei que ele se afastasse das pernas. Ele chegou a estancar o sangue, quando o bicho deu nova esperneada, na realidade uma esbraceada e deu com a mão na testa dele, que caiu meio desacordado do meu lado. Então as prioridades mudaram. Eu, achando que estava de perna quebrada, com Daniel caído do lado e nem sei em que estado. Com o tempo ele foi recuperando e vi que não tinha quebrado nada. Você não pode imaginar os momentos horríveis que passamos. Coisa de filme de terror. Aquela sangueira toda, aquele desespero com o cavalo até eu levar a primeira porrada. A coragem do Daniel de tentar estancar a hemorragia. Cara foi horrível!
Eu fiquei escutando tudo aquilo e não conseguia ficar sem rir, não sei se de nervoso ou pela maneira mineira do Marcio de contar as coisas. Que piseiro um cavalo fez com dois veterinários. Quando ele parou, eu perguntei:
- Mas é o cavalo?
- Não..., o cavalo fez tudo isso com a gente, mas... morreu.
Não sabia se era para rir ou para chorar. Só consegui falar:
- Porra meu, morreu?. Ainda bem que foi sozinho.
Nunca mais teve outro igual ao Urucum na fazenda, mas porrada de animal eles continuam levando e cada um já tomou um monte. Mas eles aprendem, são jovens, e graças a Deus, tem corpos fechados

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Dia a dia


1.Tenho duas casas de carne onde passo semanalmente para ver se está tudo em ordem. É o meu trabalho de campo nessa área.
Cheguei hoje cedo na da Delamare e lá estava ela, dona Constancinha, minha primeira professora. A cumprimentei efusivamente e falei à Sandra, nossa gerente, para tratá-la bem, pois tinha sido a minha primeira professora. Estava toda animado quando ela me disse:

- Não sei se você é uma boa propaganda para mim. 

Fiquei sem entender e já esperando por “alguma” pois ela é muito espirituosa. 

- Mas por que, professora?- perguntei.

- Então..., passei ali na rua 7 de setembro, onde você reformou as casas que eram de sua tia Dirce e que ficaram muito bonitas, por sinal, e colocou aquela faixa de aluguel. Não acreditei quando vi escrito "5 sala". Ou você muda o 5 para 1, que acho difícil pois vai baixar muito o aluguel, ou ponha o "s" na sala.

O "mardito" que fez a faixa assassinou a língua e eu não tinha visto o erro, mas não passou despercebido pela minha professora. Ainda não mandei arrumar a porcaria da faixa e se encontrá-la de novo é capaz de tomar outra e escutar que o "s" e na sala, que o cozinha esta certo.


2. Nossa vida social aqui se resume a filhos e netos. Saímos muito pouco, e esta semana fomos ao aniversario do Antonio Pedro, o neto de número 7. Como sempre a coisa é bastante segregada, tendo a roda de homens, a de mulheres e a criançada correndo no meio de todo mundo e fazendo bagunça. Foi quando o Armando Lacerda começou a contar seus "causos", um mais engraçado que o outro. Um dos bons foi quando um empregado seu foi ao médico para ver umas dores no "figo"(fígado). Após o exame clinico, o doutor perguntou:

- Seu Sebastião, pode ser sincero comigo. O senhor faz uso de álcool?

O peão olhou para ele e respondeu:

- Arco!! Olha dotô, num vô fala pro senhô que nunca fiz uso dele não, mas é só quando farta a pinga. 
O "figo" dele já tinha ido pro saco.


3. Na semana passada, saí para dar voltas de carro com o Tontonio. Normalmente sou eu quem vai no volante, mas dessa última vez ele foi visitar Mamãe que mora comigo e me convidou para a volta. Na entrada do carro me descuidei e fui para o lado do passageiro. Normalmente sou o motorista até quando o carro é o dele. Ele parou na Farmácia e descemos para as compras. Velho é assim, entra em Farmácia e fica vendo as novidades. Na saída, ele começou a conversar e não sei porque eu duvidei de alguma coisa. Ele parou o carro com a ré engatada, e seu outlander tem câmera de ré. Ele falando como se estivesse muito bem estacionado, isso na Frei Mariano e no meio da rua. Eu não conseguia tirar os olhos da tela e vendo o pessoal tirando fina fui ficando nervoso. Ele achava que era com o assunto e não me deixava falar para ele andar e tirar o carro da meio da rua. Só saiu depois que um cara deu uma freada atrás dele e ainda tive que escutar que em Corumbá só tinha barbeiro.
Continuamos passeando quando na rotatória da Major Gama com a Dom Aquino ele ficou em dúvida se tinha comprado um de seus remédios na Farmácia. Não teve duvidas, parou o carro no meio da rotatória, virou para trás, pegou o saco da Farmácia e começou a conferir os remédios todos, como se estivesse numa das estradas da fazenda. Foi fazendo aquela puta fila e ele não se tocava que era por causa dele. O bicho tá barberinho, barberinho.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Segundo matrimônio

Tem coisas engraçadas que escutamos nessa vida que são iguais em sua essência mas ditas de maneiras tão diferentes e muitas, muito engraçadas. Ficou muito muito aí, mas não achei nenhum sinônimo que não mudasse muito (opa) a frase. 
Meu sogro era filho de um segundo matrimônio de seu pai que contava para quem quisesse ouvir que casamento era o primeiro, os outros são remendos. Todo mundo achava engraçado e ele explicava a profundidade da frase dizendo que no juramento do “até que a morte os separe”, no primeiro é proforma, já no segundo, quando a primeira morreu, o cara leva a sério o que perde um pouco a beleza da coisa. Não é fácil você fazer um contrato e concordar que ele acaba só com o fim da vida, ou da sua ou do sócio. 
Nosso piloto, Zé Mauro, esse recém separado arrumou uma namorada. Fiquei batendo papo com os dois por um bom tempo e achei ela muito simpática. No dia seguinte, ao encontrá-lo na Ema, o cumprimentei pela simpatia da namorada e brinquei perguntando quando iam ajuntar os trapos, meio que falando igual a ele.
A resposta entrou para sua história. Virou para mim e disse:


- Nem encabelou a pisadura e você já quer me encilhar de novo.


Para os não pantaneiros a resposta tem que ser traduzida. Encilhar é colocar a sela no cavalo e tem algumas que machucam o animal nos pontos de contato, formando feridas que são conhecidas por pisaduras, oriundas do fato da sela ter pisado o cavalo. Essas feridas demoram a cicatrizar e você percebe que ficaram boas quando nascem pelos, encabelam, novamente naquela área, que estava em carne viva. Só ele para fazer uma associação desse tipo. 
Tem um parente de Bea que depois de 6 meses que enviuvou já estava se casando de novo. Quando perguntaram para ele se não era muito cedo, ele respondeu:

- Para ela que não tem experiência é.


Tontonio já fala, na frente da Lenir, que se ficar viúvo não casa mais de jeito nenhum, e quando ela vira as costas completa:

- Errar é humano, já persistir no erro é burrice.

Mas tudo da boca para fora. São uns apaixonados pelas suas velhas, tanto que mandam reformar a lataria com plásticas, ginásticas, Pilates e por aí vai.
Falam só para fazer graça. 
Agora a melhor mesmo é de um amigo, vou omitir o nome para não aumentar a confusão que já esta grande, que estava casado há muito tempo e tinha uma amante já de longa data. Lá pelas tantas a número 2 resolveu assumir a liderança e começou a apoquentar o coitado. Ficava com uma, e tinha que ser ela, ou sem nenhuma. Quando ele falou que não entendeu as alternativas, ela esclareceu:


- Te largo e conto para a número 1.


Não teve jeito e ele abandonou a mulher velha para ficar com a velha amante, que ficou toda contente até que um dia... descobriu. Ele tinha uma amante. Foi com tudo para cobrar uma explicação e teve, e muito simples:


- Você sabe que preciso de duas. A número 1 e a número 2. Agora você pode ficar tranqüila que ela nunca vai fazer comigo a mesma chantagem que você fez e o melhor, ela sabe de você. Não adianta querer contar para ela. 
Vingança maligna.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Tomates & Bananas

Tomates & Bananas.

Éramos convidados do Levon, pai do Zé Carlos, sogro da Laura. Nunca vi ninguém com tamanha capacidade de descobrir lugares deliciosos para se comer em São Paulo. Era um restaurante em Moema, de nome "Tomates & Bananas". Muito pequeno, umas 5 mesas no máximo, onde a cozinheira, descendente de japonês, é a esposa, o garçom é o marido e o caixa é o filho. Não tem mais ninguém. Isso é uma empresa familiar ao extremo da palavra. Você tem que reservar dia e hora pois fica lotado o tempo todo. Tem outra característica importante, só se serve camarão, de vários tipos, mas só camarão. Agora pensem em um camarão gostoso! 
Já fui umas três vezes lá e indiquei pro meu irmão Tontonio, que não vai mais a São Paulo sem ir no Tomates. Todos que foram lá pela nossa recomendação, não só adoraram como até mandaram fotografia dos pratos diferentes que comeram.
Eu já sou como o Levon, e apesar de pegar o cardápio, sempre escolho o “A provençal”. Só não recomendo para quem vai namorar depois, pois como diz o Levon, você fica exalando alho por uns 3 dias. Agora, para quem gosta do alho, acho que vale a pena até adiar o namoro para se deliciar com o provençal. E olhe que o adiamento tem que ser por 3 dias. No primeiro dia que fomos até lá, depois do provençal, o meu genro que é o cara mais enjoado para comer que eu conheço, ele não come frutas nem verduras, vive a base de arroz, feijão, bife e pizza, nos recomendou um sorvete de manjericão. Como era sugestão dele, e só por isso, aceitamos experimentar. O que parecia meio esquisito se mostrou completamente esquisito. Tinha banana e tomate junto. Eu já meio assustado com aquela mistura, veio o garçom, o dono, pegou o azeite e derramou meia lata por sobre o sorvete.
Não acreditei que aquilo pudesse ser bom, sorvete de manjericão, azeite, banana e tomate, dúvida dirimida na primeira colherada. Uma delícia tão grande, que desse prato, eu tirei a foto. 
Recomendo a todos e quem não gostar pode me mandar a conta. Não que eu vá pagar, pois tem muita gente sem paladar neste mundo, mas os que gostarem não precisam agradecer, só avisar aos proprietários que nós que mandamos. Vamos pleitear que depositem 10% na nossa conta: 5% na do Levon e 5% na minha.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Filhos!

Devia ser 3hs da madrugada quando escutei aquele conversa sussurrada de Bea com Daniel na porta de meu quarto. Como era época de férias, levei aquele puta susto, pois sabia que devia ser alguma coisa relacionada com filhos e para ele acordar a mãe naquela hora, não devia ser coisa simples. Pulei da cama, já com o coração a 200 bpm e perguntei:

- Quem, quando e qual foi a merda?

A resposta veio na ordem trocada:

- Beto caiu num buraco com seu monza... agora.

Já pensei o pior, e só consegui perguntar de tinha alguém machucado. A resposta foi ininteligível:

- Não machucou ninguém, buraco pequeno.

- E nos acordou porque?

- Estão te chamando lá.

Já estava ficando tranqüilo com o tamanho do buraco quando fiquei nervoso novamente. Me chamando porque? Vesti uma calça por cima do pijama e saí de qualquer jeito. Informado que estavam no posto Faroeste, na saída da cidade e perto do melhor motel da época, o Gaturama, deitei cabelo e fui para o local. Quando estava chegando perto já vi o Beto, nervoso, passando as duas mãos pela cabeça, jogando os cabelos para trás. É o tique nervoso dele até hoje. Não via o carro e estava com um colega do lado. Quando cheguei ele começou a falar coisas ininteligíveis, do tipo "o solo desabou", e já fiquei me perguntando se ele tinha fumado maconha estragada, mas nem cigarro normal ele fumava. Foi então que o colega falou:

- Tio, deixa eu explicar desde o começo.

Só aí vi que o amigo era o Lulu, filho do Zé Mauro nosso piloto, com minha prima Emilinha, guri super ajuizado e que estava mais calmo.

- Não foi nada que o senhor não resolva, por isso que tivemos que chamá-lo. 

Quase que perguntei se o pai dele não servia, tinham que acordar a mim, mas já estava ficando por demais preocupado e curioso com aquela enrolação para encompridar ainda mais aquela conversa. 

- Fala logo Lulu, cadê meu carro?

Esqueci de mencionar que o Beto devia ter uns 16 para 17 anos e não tinha carteira. Já dirigia e bem, desde os treze, e era super cuidadoso. 

- Então, tá ali naquele mato.

Falou e apontou para um terreno vazio onde o capim devia ter uns dois metros de altura.

- Como foi parar ai, que merda aconteceu? Vamos lá ver o carro.

- Não tio, pera aí, deixa eu explicar primeiro, tá tudo bem com o carro. Depois nós vamos lá. Tem umas meninas lá dentro que não querem que o senhor as veja.

- Explica logo, porra!!

- Então, nós estávamos indo para o motel com as meninas, devagarzinho, quando apareceu a polícia.

- Polícia?

- Calma tio. Cruzou com a gente e mandou o Beto encostar. Ele ia fazer isso mas vi que a gente ia se ferrar. Sem carteira, de menor, as meninas também, os pais não sabiam que estavam com a gente, aqui perto desse motel. Não pensei duas vezes e falei " Soca o pé nesse 2.0. Os caras estão de chevette e não vão alcançar a gente. Aí com medo de eles atirarem, ficamos dando voltas na quadra com o chevetinho atrás. Quando assustamos, o monzão que estava atrás do chevette. Aí mandei o Beto diminuir e quando eles viraram a esquina, vimos esse terreno vazio e mandei ele enfiar o carro nesse capinzal alto e apagar as luzes. A estratégia foi perfeita e despistamos a policia.

Percebi até um certo orgulho dele no “sucesso da estratégia”. Pensei “puta que o pariu” meu filho fugindo da policia, mas só consegui dizer:

- Mas e daí, o que deu errado, que estamos aqui às 4 da manha, escutando essa conversa toda.
- Pois é tio, paramos em cima de uma fossa e ela desabou. 

- Caralho! Meu carro está com duas meninas de menor, mortas afogadas na merda?

- Não tio, porra - ele ficou nervoso- só caiu a roda dianteira. Se o carro fosse tração traseira, nós conseguiríamos sair antes dele chegar.

Falou e apontou para um senhor que estava ao lado, com um mundo de porrete na mão, daqueles de amansar louco, e escutando a conversa. Achei que era um curioso e não personagem integrante daquela história mirabolante. 

- E quem é o artista? – perguntei.
- O dono da fossa. Queria quebrar o carro, quando falei que era do senhor. Ele não acreditou e disse que só tiraríamos o carro de lá depois que o senhor chegasse. Por isso que tivemos que telefonar para sua casa, dar sorte do Daniel estar chegando, e atender o telefone. É isso aí tio, tudo se resume em consertar a fossa do homem que ele deixa a gente ir embora. O resto é com o senhor.

Virei para o homem do porrete, me desculpei e perguntei como poderíamos compensá-lo por aquele transtorno todo. Por sorte ele conhecia papai e se lembrava de mim, pois não tinha um documento para provar a ele que eu era o dono do carro. Ele aceitou a minha palavra de que no clarear do dia enviaria um pedreiro para refazer a sua fossa. Fomos para tirar o carro do buraco e usamos do porrete dele para fazer um calço. As duas meninas atrás, bonitinhas por sinal, estavam dormindo e nem de importaram com a minha presença. Escoltei o Beto até a casa de todos e recolutei ele para casa. O máximo que escutei dele foi um:

- Mandei mal, pai, desculpe.

Ele nem podia imaginar a felicidade que eu estava de não ser nenhuma das coisas que me passaram pela cabeça, naquele trajeto de umas 20 quadras, da minha casa até o posto Faroeste. Ser mãe é “padecer no paraíso”, mas ser pai é foda também.