quinta-feira, 5 de maio de 2011

Minha vesícula

10 de marco de 2011.

Vão tirar minha visícula. Não tem coisa mais simples..., nos outros. Em mim vão tirar um pedaço e que está comigo há mais de sessenta anos. Já arrancaram a ponta de meu dedo e agora, minha visícula. A vida está me depenando, e me sinto como esses carros velhos que você vai tirando as peças, mas ele continua andando. Os cabelos brancos são como a pintura queimada, as rugas são como riscos na lataria. Não vou mentir... Estou com o cú na mão. O Rafael, meu neto mais velho, vai fazer 11 anos no dia 24 de março, e vou fazer a cirurgia no dia 18 para poder comparecer a sua festa, só eu, a minha visícula já não irá. Ontem à tarde ele me telefonou. Queria saber do que eu iria operar e quando eu falei, ele perguntou de lá:

- Mas onde fica essa "testícula"?

Tive que soletrar três vezes, pois não poderia correr o risco de se espalhar em sua escola, que o avô era capão. Beá esta me gozando direto. Olha para mim e quando faço sinal que estou "cortando agulha" de fiofó tão trancado de medo, ela dá risadas. É a minha visícula e não a dela que está na mira, além do que eu nunca vi mulher mais corajosa para ser operada do que a minha. Já teve cirurgia que ela marcava pensando que ia ser bom, pois aproveitaria para fazer umas comprinhas no Iguatemi. Não sei se era a coragem ou a vontade de comprar que falava mais alto. Eu já sou cagão e detesto shopping. A única motivação é o aniversario do Rafa, mas já fui aos outros 10 sem precisar tirar nada.

19 de março

Estou sem vesícula, operei ontem às 17 h. Tudo correu bem, inclusive aprendi que se escreve com "e". Sai da sala cirúrgica com o vídeo da minha laparoscopia. Parece um desenho animado de uma luta entre a bolha assassina e um super herói de mãos de aço. É impressionante como o cara aperta aquele saquinho e não estoura tudo. O super herói foi o Dr. Milton Scalabrini e o seu fiel escudeiro, o Dr Luis Carlos Ishikawa, que me colocou para dormir. O difícil está sendo o pós cirúrgico. Tudo tranqüilo inicialmente, urinei nas primeiras horas, mas o número 2 que não vai de jeito nenhum. Primeiro que não tem matéria prima. Já fiquei 12 horas em jejum para operar e mais doze de pós cirúrgico. Tem 24 horas que não entra nada, vai sair o que? A coisa só piora quando vejo que não me darão alta enquanto o intestino não funcionar. É algo como "Só você sai, o coco fica", mas a merda é que a própria quer ir comigo para casa. Não tem jeito, não sai nem com reza braba e eu estou com medo de estourar os pontos de tanto espremer a barriga. A hemorróida velha, já nem ligo pra ela, o objetivo é expulsar esse bolinho que esta se formando, mas sem nenhum sucesso até agora, a não ser a tóba que esta ficando uma flor. Vida cruel.

20 de março - 1h da madrugada.

Primeiro achei que era sonho, pois escutava o alarme de incêndio do hospital e sabia que era para evacuar o mesmo. Era perseguição comigo. Se não consigo evacuar nem meu intestino, imagine o Albert Einstein inteiro. Quando acordei por inteiro, vi que o alarme de incêndio estava gritando duro, e a minha acompanhante não acordava de jeito nenhum. Resolvi ir para o corredor ver o que estava acontecendo e encontro a acompanhante do quarto ao lado. O marido tinha feito uma cirurgia de quadril. Ficamos conversando até que ela quis saber quem eu estava acompanhando, preocupada com o caso de se precisar sair correndo. Disse que eu era o operado e a minha esposa não tinha acordado com o alarme. Para ela não achar que estava com uma acompanhante incompetente, expliquei que ela é seletiva para acordar. Ao meu menor gemido ela levanta, agora alarme de incêndio... Acho que ela não acreditou muito. Mas era alarme falso. Aproveitei que estava acordado e fui para o vaso dar mais uma espremida e... nada. Nem gases. Estou ficando nervoso, pois sinto que o troço vai virar um trôço e vai ser um parto... Pelo rabo. Quando mais você se preocupa pior fica. Voltei a dormir com a esperança de um novo dia e de conseguir expulsar tudo numa boa.

20 de março - 5:45 hs.

Isso que é o ruim desses hospitais. Acordam você no meio da noite e não te deixam dormir de madrugada. Exame de glicemia, medição de pressão e vão mexendo com você até perder o sono. Não podem esperar o cristão acordar para fazer isso tudo. Então veio a pergunta trágica:

-Evacuou?

-Não, foi alarme falso, tanto o do incêndio como da minha barriga. Nadinha de nada até agora. A impressão que tenho é que quando vir vou continuar aqui para restaurar a tóba. O enfermeiro deu risadas.

9h

O cirurgião passou às 9 h e me deu alta, mas só posso sair com a alta do clínico, o Dr. Antonio Carlos ou sua assistente, a Dra. Lindalva. Minha dúvida é se ela vai deixar eu ir embora com essa merda toda. Já vai para três dias. Tenho a impressão que o estômago está funcionando bem, pois vivo com fome, agora o problema é de intestino preguiçoso. Isso para mim é o supra sumo da preguiça, não querer fazer merda nenhuma.

21 de março - 0h

Mas a Lindalva experiente me liberou. Falou que ali eu não conseguiria fazer nada. Receitou um tal de Nujol e me mandou para casa. Descobri o porquê do nome assim que tomei a primeira dose. O negocio é um nojo. Um óleo grosso tipo SAE W 40 para motor velho. Era um lubrificante pro negócio escorregar. Duas colheres de sopa às 18h e mais duas ao deitar às 22h. Errei na dose, era uma e uma. A meia noite entrei em trabalho de parto e começaram as dilatações. Agora sei como é dar a luz. Teve uma amiga de meu filho Beto, que, ela grávida, ele brincou com ela dizendo que era fácil parir um filho. Ela respondeu que sim, que era mais ou menos como cagar um coco. Comprovei a teoria e me arrependi de não ter tomado o vidro todo do nujol. Mas passei por essa. Agora é esperar o retorno ao médico, retirar os pontos, e bola para frente. A cirurgia foi tranqüila, já o côco, não foi fácil.

3 comentários:

  1. Obrigada .... obrigada pelas risadas! Estou prestes a fazer essa cirurgia e estava procurando na internet "relatos" de quem já passou por isso e ainda bem que encontrei esse post! Parabéns pelo bom humor e disposição em compartilhar sua experiências. (eu tinha outros medos, mas agora só estou com medo de não receber alta!) ... rsrsrsrs

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  2. hehehe, me diverti com a história.
    vou precisar fazer a cirurgia e todo mundo sem entender o meu "não querer". me sinto na mesma..tantos anos comigo, e agora me despedir dela?

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  3. Caramba, ri muito!Bacana essa experiência de médico"enquanto" paciente. E põe paciência nisso, né? Parabéns pelo texto!
    Paulo Cavalheiro

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