segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Meus padrinhos

Meu padrinho de batismo foi o médico que fez o parto de Mamãe.
Papai sempre me contava como foi e dizia que depois que terminou, parecia uma tourada. Nunca perguntei a quantas touradas ele foi na vida, acho que nenhuma pois não conhecia a Espanha, mas dava a entender que a coiseira toda fora muito difícil. Eu estava atravessado e com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Cesariana na época, nem pensar, pois nem existia maternidade em Corumbá. Papai conta que pelo exame clínico meu padrinho viu que eu estava atravessado e pelo batimento cardíaco, com o cordão enrolado. Na hora do parto ele, para acalmar papai, falou que tinha estágio na "pro mater paulista", que era o melhor centro médico para parturientes da America do Sul. Coincidentemente, foi onde nasceram todos os meus filhos e todos os meus netos com exceção do apressadinho do Antonio Pedro, que resolveu sair para o mundo antes da hora. Nasci roxo, não só o saco que nem o Collor, mas inteirinho, empelicado, e de toba para a lua. A primeira parte que veio foi a bunda. Para me fazer chorar, ele me colocava numa bacia de água quente e outra de fria, dando choques térmicos, e muita porrada. Tapa na bunda, levei um monte. Quando ele viu que a coisa não estava funcionando e eu ficando cada vez mais roxo, com a boca, ele me deu uma chupada pegando minha boca e nariz ao mesmo tempo, desobstruindo as minhas vias respiratórias. Então comecei a chorar. Foi uma maneira desagradável de vir ao mundo: Porrada, água fria e beijo na boca de homem. Mas papai ficou por demais contente de sair dessas com os dois, Mamãe e eu, uma vez que se chegou a falar em priorizar a saúde dela.
Dr Éneas, esse era o nome da fera que me trouxe ao mundo, me batizou junto com a Tia Dirce. "Meu nome é Éneas" só não aconteceu, pois mamãe já tinha feito promessa para São Judas Tadeu. Ela, sem ultra-som, já sabia que esperava um gurizinho. Isso tudo em 1950. Depois de adulto, só me lembro de tê-lo visto uma única vez em São Paulo, quando ele operou mamãe. Notícias dele, muito pouco através de papai, e uma vez tentei visitá-lo em São Paulo, sem sucesso. Última lembrança foi de papai, triste, me avisando que ele tinha falecido.
Em 1965, eu estava interno no arquidiocesano de São Paulo, e não era crismado, eu e mais um lote, coisa inadmissível num colégio Mariano que nem aquele. Resolveram crismar os semi pagões e me mandaram escolher um padrinho. A crisma, que é uma confirmação do batismo, é necessária, pois esse último foi feito sem a sua permissão. Na crisma, em toda sua consciência, você que escolhe o padrinho. A única exigência é que ele tenha sido crismado anteriormente.
Olavo de Oliveira Lima, era um dos meus melhores amigos no colégio e cumpria todas as exigências necessárias para um bom padrinho de crisma, que é servir de exemplo em todas as ocasiões. Foi o escolhido. Era daqueles amigos verdadeiramente sinceros, para todos os momentos. No internato, estudávamos juntos diariamente, nos fins de semana saíamos juntos e nas ferias de Corumbá, encontrávamos em todas as festas e os programas eram feitos juntos. Ele era um cara muito boa praça e todos gostavam de sua companhia. Era daqueles que não tinha perigo de não dar risadas de uma piada sua, por mais sem graça que ela pudesse ser. Quando a hora era inoportuna, como por exemplo nas salas de aula, era daqueles risos presos, que ia escapando lentamente, lembrando o freio a ar de um trem. Não brigava com ninguém, por mais provocado que fosse. Tinha aquelas teorias de paz e só entrava em confusão para retirar algum amigo dela.
Lembro-me de umas férias de julho, era julho pois estava muito frio, ele ganhou um fusca, azul, zero bala, de seu pai. Tinha o maior ciúme do carrinho e não deixava ninguém encostar. Estávamos todos no La Barranca, vendo as meninas passarem, eu com meu cônsul velho e o Chico Xavier com um jeep toyota de seu pai. O Olavo foi o último a chegar e estacionou o carrão dele sob um daqueles postes de luz fria, recém inaugurados. O Chico olhou a lâmpada e verificou que a proteção da mesma, que era um vidro que ficava por baixo do refletor, estava aberta e falou para o Olavo tirar o carro dali que aquela proteção ia cair sobre seu carro. Como todos viram que ele ficou preocupado, começaram a tirar sarro dele, quando o Chico resolve chutar o poste de luz que estava com a coisa pendurada. No primeiro chute, ela deu uma pequena balançada e todos deram risadas da cara de apavorado do Olavo. O segundo chute era o que faltava pra merda cair mesmo e se espatifar, por sorte no pára-choque do fusquinha do homem. Tivemos que segurar o Olavo, pela primeira vez na vida, para não bater no Chico e argumentávamos que ele só queria fazer uma brincadeira que não deu certo e o que valia era intenção etc... Saímos de lá e fomos para uma "brincadeira", assim que chamávamos os bailinhos de antigamente, na casa do Carlos Alberto Garcia. Ele morava ali na rua D. Aquino, entre as ruas Antônio Maria e João, onde o greide é super exagerado. Paramos em diagonal e o Chico, ainda de sacanagem, estaciona seu Jeep a 5 cm do pára-choque, agora o traseiro, do fuscão do Olavo, naquela descida. Este ficou muito injuriado e quis ir embora, mas para isso o Chico tinha que tirar seu jipão. A tensão estava no ar. Conseguiria o Chico dar a ré sem tocar no carro novo do Olavo? Todos foram para a porta acompanhar a operação. Todos davam idéia de como ele teria que usar o freio de mão e só soltá-lo depois de perceber que o carro estava indo para trás. Veio a primeira surpresa: o freio de mão não funcionava. Teria que fazer o tripé. Esquerda na embreagem, ponta do pé direito no freio e calcanhar no acelerador. Calçar a parte da frente da roda também era conveniente. Soltava embreagem e depois o freio. Percebemos um certo nervosismo no Chico. O Olavo já estava espumando. O Chico sentou na Toyota, deu a partida, engatou a ré, fez o tripé e arrancou. Tudo teria dado certo se não tivesse entrado a primeira ao invés da ré. O carro deu um pulo por sobre o calço e subiu no fusca novo do Olavo. Ninguém acreditava no que estava vendo. Não sabíamos se acudíamos o Olavo ou o Chico. Foi algo totalmente inusitado e ficou mais ainda quando o próprio Olavo acalmou o Chico. Ta certo que não usou palavras muito delicadas, mas não quis matá-lo, como todos pensávamos que iria acontecer.
Já se passaram quase 50 anos, meu amigo Chico já faleceu e o padrinho Olavo mora em Campo Grande.Vejo-o muito pouco, mas nas poucas vezes que nos reencontramos eu tomo a sua benção com todas as formalidades de um bom afilhado, inclusive com beija mão.

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