segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Manga Larga Marchador

Em fazenda, o melhor meio de transporte é o cavalo. Vai a qualquer lugar, não assusta o gado, não estraga o pasto por onde passa, não polui o ambiente, e o mais importante, é gostoso. Mas o cavalo tem que ser bom, daqueles andadores, de passo largo e não os de trote duro. Esses também são importantes, como diz Zé Mauro, bom para encilhar para genro ou cunhado que está de namoro. Chega a noite o nego tá tão quebrado que dorme sem nem recolher os pés na rede. Mas deixemos isso de lado, estou na época de guardar os de trote duro para os namorados das netas.
Logo que o Beto chegou aqui em Corumbá, recém formado em agronomia, dividimos os trabalhos. O Marcio ficava responsável pelo pantanal, eu pelo Angico e Beto pelo Campo Novo. O Inacio Vasconcelos, proprietário do Frigorifico Urucum, e comprador de gado gordo nosso, o presenteou com um cavalo manga larga. Não existe melhor andador, cavalo de patrão como os peões dizem por aqui. Para retribuir a homenagem o potro foi batizado de Urucum e levado para ser domado pelo cara que mais entende disso na região. O cavalo só faltava falar, ou como dizia meu neto Rafael de seu irmão menor, o Thiago, ele falava, nós é que não o entendíamos. Beto andava a fazenda toda montado no Urucum e não cansava. O problema maior era não deixar os peões encilharem ele direto, pois era um carro de luxo no meio daqueles tratores. Um ano depois chegou Guilherme, agrônomo como Beto e no ano seguinte, o Daniel, veterinário. O time estava completo, trabalhávamos juntos e a coisa indo de vento em popa. O manga larga do Beto continuava sendo sua sela específica e muito bom até o dia do acidente.
Para dar de beber ao gado nas fazendas de pasto plantado das áreas altas, temos que fazer poços semi- artesianos que vão de 50 a 250 m de profundidade. Tem 6 polegadas ou 20 cm de diâmetro. Por esse buraco, desce uma bomba, já presa ao cano de recalque e fica submersa naquela água subterrânea. Essa bomba recalca a água para umas pilhetas de 8 m de diâmetro e 60 cm de altura, onde além de reservatório é o bebedouro do gado. Todas as nossas pilhetas são de alvenaria e com proteção para o gado não entrar dentro dela. Somente uma, que fica perto da casa e é mais antiga, que além de ser de chapa de aço ondulada, não tem a proteção interna. Foi um descuido nosso, pois ela só atendia a tropa e o gado leiteiro, que é muito manso.
Estávamos todos no escritório quando veio a noticia. Uma vaca leiteira, bebendo água junto com o Urucum, deu uma cabeçada nele e o empurrou para dentro da pilheta. Na tentativa de não cair dentro, ele enfiou a mão para dentro da pilheta e cortou a artéria femural. Estava sangrando muito e se não fosse socorrido muito rapidamente não iria agüentar. Para a sorte do cavalo, os dois veterinários, tanto o Daniel como o Marcio, estavam no escritório e em dois minutos já tinham reunidos todos os instrumentos cirúrgicos necessários para estancar a hemorragia e foram correndo para a fazenda. Ficamos no aguardo de notícias e isso devia ser umas duas horas da tarde e tinha acabado de acontecer.
Por volta das 19h, estava na porta do Samec, Serviço Assistência Medica de Corumbá, não me lembro mais fazendo o que, quando chega a caminhonete com os dois veterinários. O Daniel estava no volante e estacionou o carro e ao invés de se dirigir direto para mim, para me dar as notícias, deu a volta e foi na outra porta pegar o Marcio. Vieram os dois e o Marcio que nem saci, não apoiando uma das pernas no chão. Fiquei preocupado ao vê-lo machucado e quando perguntei o que foi, com eles já bem pertinho, que percebi que o Daniel estava com galo na testa que não me lembro de ter visto algum outro maior na vida. Não conseguia entender como os dois se acidentaram e o carro estava em perfeito estado. Já meio nervoso perguntei que merda eles tinham feito e quem respondeu foi o Marcio:
- Foi o Urucum. Chegamos lá e ele estava muito ensangüentado e vimos que não daria tempo de aplicar anestesia. Ele deitado e fui do lado contrário das patas para tentar achar a artéria femural dele e poder amarrá-la. Como não conseguia alcançá-la, tive que trocar de lado e foi nessa hora que ele esperneou e seu pé acertou meu tornozelo. Na hora achei que tinha quebrado, tanto era a dor. Mas não tinha jeito, eu tinha que agüentar, pois o cavalo iria morrer em menos de 5 minutos. Passei as instruções para o Daniel e alertei que ele se afastasse das pernas. Ele chegou a estancar o sangue, quando o bicho deu nova esperneada, na realidade uma esbraceada e deu com a mão na testa dele, que caiu meio desacordado do meu lado. Então as prioridades mudaram. Eu, achando que estava de perna quebrada, com Daniel caído do lado e nem sei em que estado. Com o tempo ele foi recuperando e vi que não tinha quebrado nada. Você não pode imaginar os momentos horríveis que passamos. Coisa de filme de terror. Aquela sangueira toda, aquele desespero com o cavalo até eu levar a primeira porrada. A coragem do Daniel de tentar estancar a hemorragia. Cara foi horrível!
Eu fiquei escutando tudo aquilo e não conseguia ficar sem rir, não sei se de nervoso ou pela maneira mineira do Marcio de contar as coisas. Que piseiro um cavalo fez com dois veterinários. Quando ele parou, eu perguntei:
- Mas é o cavalo?
- Não..., o cavalo fez tudo isso com a gente, mas... morreu.
Não sabia se era para rir ou para chorar. Só consegui falar:
- Porra meu, morreu?. Ainda bem que foi sozinho.
Nunca mais teve outro igual ao Urucum na fazenda, mas porrada de animal eles continuam levando e cada um já tomou um monte. Mas eles aprendem, são jovens, e graças a Deus, tem corpos fechados

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