Era julho de 1974 e estávamos em Corumbá de férias. Éramos só Bea, Laura e eu. Lembro-me da viagem de São Paulo para Corumbá, o carro era um Maverick azul, com Tontonio e Lenir juntos. Fralda descartável era artigo de luxo e só utilizado nessas ocasiões. Não tínhamos essa consciência de hoje, de não poluir o meio ambiente, e Laura com 5 meses era trocada a cada duas horas e as fraldas usadas, lançadas ao vento. Nas férias aconteceu algo fora do nosso controle e que mudou totalmente a nossa vida. Apareceu uma epidemia de meningite em São Paulo. Por telefone, consultamos Jamal sobre a possibilidade de voltar com a Laura para lá quando ele nos aconselhou que esperássemos mais 30 dias. Foi a gota d'água. Juntou com meu descontentamento com a Bardella e a vontade de fazer engenharia civil para um dia voltar a Corumbá, para resolvermos mudar para o interior de São Paulo onde tivesse uma escola com curso noturno. Pensamos em São Jose dos Campos primeiro, mas a Mecânica Pesada, concorrente da Bardella era em Taubaté, e lá tinha a UNITAU, uma universidade com as características que estava procurando. Uma semana antes de terminar as férias, voltamos para São Paulo com objetivo de mudar de lá e de emprego. Sem ter visto anúncio procurando por engenheiro e sem conhecer ninguém, na cara e coragem, fui ao escritório comercial da empresa em São Paulo. Aí que minha estrela brilhou. Estava na recepção, conversando com a secretária e explicando a minha situação, quando o Diretor comercial, Artur Teixeira, ouviu tudo e me pediu que fosse a Taubaté para uma entrevista com o gerente do Depto de engenharia, o eng. Ivan Chu. Ele mesmo ligou para lá e escutei-o falando do fato de eu ser da Bardella. Conseguiu marcar a entrevista para o dia seguinte.
Um mês depois, cumprido o aviso prévio de 30 dias na Bardella, estava mudando para Taubaté. A cidade estava passando por um boom de progresso. Não conseguia arrumar uma casa para alugar, compatível com o meu salário e as nossas necessidades. Fomos nos afastando do centro e acabei saindo da cidade e chegando em Tremembé, a 7 km de Taubaté. A cidade devia ter uns 5.000 habitantes e as quadras eram muito pequenas, deviam ter uns 30 por 30 m. A primeira casa que alugamos, tinha uma barbearia no meu jardim. O proprietário fez a casa recuada e posteriormente se arrependeu do espaço perdido com esse recuo e resolveu aproveitá-lo construindo mais um cômodo que alugou para um barbeiro. A segunda, na mesma rua, era um sobrado sem garagens, que quando parava meu Ford corcel, duas portas, na frente dele, os para lamas dianteiro e traseiro invadiam os vizinhos.
A cidade era muito católica e tinha uma festa de comemoração de sua padroeira. Era uma coisa muito chique e ia gente do vale do Paraíba todo. Dois dias antes da festa as ruas eram interditadas para eles revestirem toda a pista com palhas de arroz coloridas e com desenhos de Nossa Senhora. Foi nessa ocasião que tudo aconteceu. Cheguei em casa e não pude estacionar o carro. Não entendi o que estava fazendo aquela montanha de terra em cima da calçada, esqueci de falar que ela devia ter uns 80 centímetros de largura, e ocupava meia rua, que era mais larga, devia ter uns 5 metros. Era mão única, pois dois carros não passavam por ela. Os que colocavam carro para dormir na rua tinham que defasar um do outro para não interromper o tráfego.
Cheguei perguntando a Bea o que aquela coisa estava fazendo na frente de casa e como ela deixou descarregarem aquela merda toda ali, quando a vi toda nervosa e vieram as explicações. A terra era nossa. No jardim de frente da casa, ele devia ter uns três metros de comprimento por uns 80 centímetros de largura, apareceu um buraco. Ela fez um prospecção do solo, enfiou ali um cabo de vassoura, e concluiu que era uma cratera e poderia colocar em risco a estrutura da casa. Fez uma cotação no mercado e concluiu que se comprasse de uma vez um caminhão de terra ficaria mais barato que em saquinhos, isso há três dias da festa e já com as guias das ruas todas pintadas de branco.
Já tinha recebido a visita do prefeito em pessoa, avisando que se não removêssemos aquela terra antes da chuva que estava se formando e que ia espalhar aquela merda pela cidade toda, ele enlouqueceria. Quando perguntei o quanto daquilo ela achava que entraria na cratera que ela tinha descoberto no jardim, ela me falou que aquilo já era a sobra. Dois carrinhos de mão encheram o buraco. Tive que pagar o dobro para removerem a terra ainda naquela noite. A festa foi um sucesso, já o susto, principalmente o de Bea, não foi fácil. Lembro-me dessa época com muitas saudades.
A festa era Corpus Christi , a decoração era linda e até hoje essa data lá é a mais importante manifestação religiosa da cidade
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