segunda-feira, 16 de maio de 2011

Hyster

Era 1970, ano do tri. Estava indo para o terceiro ano de engenharia mecânica e tinha um monte de colegas já trabalhando. Sai atrás de um estágio e papai conseguiu, com tio Pires, arrumar uma entrevista na Hyster do Brasil. É uma multinacional que fabrica equipamentos de transporte e levantamentos sobre pneus e os principais são os guindastes e as empilhadeiras. Mais devido à amizade de tio Pires com o pessoal da revendedora desses equipamentos, a Leon, do que a minha capacidade, consegui o estágio na indústria. A fábrica ficava em Santo Amaro e o traje de trabalho era o paletó e gravata. Sentia-me muito importante com esses trajes de executivo. Meu estágio foi dividido em três partes de igual período e de três meses de duração cada. O primeiro foi na área de produção onde trabalhei com um italiano muito engraçado, o Felipo Zupponi. Aprendi muito com ele, mas a maior parte do tempo era brincando e falando de mulheres. Não me esqueci que ele vivia contando seus sonhos de ganhar na loteria, contratar três loiras peitudas para fazer massagens em suas costas usando os próprios e, em seguida, ia comprar um monte de gatinhos recém nascidos, daqueles sem unhas ainda, sentar pelado em uma cadeira sem fundos, colocar suas bolas no buraco e deixar os gatinhos brincando com elas. Lembrando disso agora, tantos anos depois, chego a conclusão de que o italiano era tarado mesmo.
A segunda fase foi com o Ariovaldo Batista, na engenharia. Então trabalhei já como gente grande. Fiz meu primeiro cálculo e me lembro que era um acessório para a empilhadeira poder carregar tapetes. A empilhadeira é um trator de rodas pequenas e maciças e que em sua frente tem um elevador acionado ou por correntes ou por um cilindro hidráulico. Normalmente tem um garfo de dois dentes que entram por baixo dos palets, elevam e transportam as mercadorias que estão sobre os mesmos. Nesse caso o tapete estava enrolado formando um tubo de até 8 metros de comprimento e esses garfos não tinham como pega-lo diretamente. Fiquei uns dois dias pensando quando tive a idéia. Substituiria o garfo por um tubo de 8 metros de comprimento que entraria pelo furo do tapete enrolado e daria apoio para ele todo. Transportados até o local de armazenagem e colocado na posição final, daria ré no veiculo deixando a peça já na posição certa. Feito os cálculos e o desenho esquemático, passei para o projetista detalhar o mesmo para aprovação do Ariovaldo. Quando ele me chamou para que eu certificasse que estava feito conforme o projeto e vi aquele negócio cumprido, resolvi brincar e falei que estava parecendo meu pixito. Ele não conhecia o termo, mas pelo formato imaginou o que seria. Como achou o nome muito engraçado, resolveu batizar a peça de Pixito do Tadeu e assim ficou. Achavam o nome engraçado e a coisa foi pegando, até que pixito para eles virou aquele sistema de carregar tapetes. Eu não me agüentava quando alguém falava que o Pixito estava bonito, que tinha ficado muito ajeitada. Só eu e o Davi que sabiamos o real significado daquele nome. Acho que até hoje tem muito pixito carregando tapetes por esse Brasil.
A terceira fase foi na área de controle de qualidade com o Fred Winkler. Queria continuar na engenharia, mas não deixaram. Eu tinha que cumprir o roteiro. No começo o Fred não me deu muita atenção, pois estava envolvido com um problema que tomava todo seu tempo. Passava-me serviços que eu percebia ser para que eu não o atrapalhasse. O primeiro foi calcular o comprimento do cabo do acelerador de um guindaste. Estava com aquele monte de desenho e tendo que achar o comprimento de um negócio em três dimensões. Já estava para ficar louco quando fui acompanhar as montagem de uma dessas máquinas e comentei com o chefe da montagem, um tal de Durval, do meu problema. Ele deu risadas, pegou um arame maleável e colocou o mesmo, do acelerador até a borboleta do carburador, que acelerava o motor. Cortou o arame no tamanho certinho e depois o endireitou. Entregou-me aquilo e falou para eu passar a trena e ali estava a resposta do meu problema. Quando passei o resultado para o chefe ele ficou todo contente e me passou o problema que o preocupava. Não deu tempo, ou não tive coragem, de dizer que a idéia foi do Durval, pelo menos naquele momento. As empilhadeiras usavam um motor chevrolet 4 cilindros, 2500 cilindradas, igualzinho a do meu opala, um vermelho Saturno, 4 portas, e que se chamava Tontonio. Depois de testada e vendidas um número razoável de unidades, receberam uma reclamação que o cárter tinha estourado. Não deram muita bola, trocaram o cárter e colocaram como possível causa mal uso do equipamento. Essas empilhadeiras andam dentro dos depósitos e devia ter batido em alguma trava de porta, daquelas que ficam chumbadas no concreto do piso. Quando chegou a segunda reclamação e muito em seguida a terceira, acenderam todos os alarmes e foi junto com a minha entrada na área do controle para o estágio. A engenharia alegava que o problema não era dela, pois o motor equipava um número de carros muito superior a de empilhadeiras e a GM não tinha nenhum relato sobre cárter estourado. Estávamos pesquisando o que tinha de diferente entre a operação da empilhadeira e do opala e tudo era a favor da empilhadeira. Foi então que aconteceu a feliz coincidência. Fui dar partida cedo no meu carro e ele demorou a pegar e quando o fez deu um POW, um só no motor e ele funcionou. Na hora do almoço já tive mais dificuldades de dar a partida e resolvi levá-lo para a oficina. Era um mecânico que já tinha trabalhado na GM, numa linha de montagem e numa autorizada e agora tinha sua própria pequena oficina na Lins de Vasconcelos. Falei do problema e ele falou que era regulagem do carburador e que se eu esperasse, ele faria na hora. Tirou o filtro de ar que ficava sobre o mesmo e começou a mexer no giclet do carro. O filtro tinha um cano que ia para o cárter para permitir que o mesmo respirasse e na entrada desse caninho de mais ou menos uma polegada tinha uma telinha, na realidade eram duas telas espaçadas de uns 3 milímetros, curvas e fixadas no mesmo suporte. Como ele retirou aquilo, eu a peguei e fiquei olhando aquela peça achando por demais esquisita e falei:
- Que porra é essa Ronaldo (esse era o nome dele)?
Sua resposta foi surpreendente e para mim veio do além:
- É chamada de anel corta chama. Isso serve para quando der uma explosão que nem aconteceu no seu carburador a chama não passar por esse cano e ir para o cárter que esta cheio de vapor de óleo e é altamente inflamável. E o interessante que ele tem que ser montado com a parte côncava para o lado do cárter, se não ele explode.
Quase dei um beijo nele. No dia seguinte cedo, fui direto para a linha de montagem e encontrei com o Durval. Fomos até a empilhadeira que ele estava montando e pedi que ele abrisse o filtro do carburador. Fui direto para o respiradouro do cárter e lá estava a telinha com a parte côncava virada para o lado errado. Contei da oficina do meu carro para o Durval e ele branqueou na hora. Era o responsável por aquele erro monumental. Pediu-me que o deixasse falar com o Fred, pois senão poderia de se ferrar. Apesar da vontade que eu estava de aparecer para meu chefe, aquele era um pai de família e a menos de dois dias tinha me ajudado e sem eu pedir. Concordei que não falaria nada a ninguém e ele ficou com a culpa de ter feito a merda e os méritos de tê-la descoberto.

No final do estágio, fui agradecer aos que me ajudaram e fiquei feliz de ver que todos me convidaram para voltar como engenheiro, mas a despedida do Durval foi a mais emocionante. Ele devia ser um senhor de uns 50 anos já e quando fui a sua sala dizendo que era meu último dia, ele me abraçou e disse que quando tivesse o meu próprio negócio era para chamá-lo, pois queria trabalhar para mim. Aquele reconhecimento me deixou mais feliz que qualquer mérito que poderia ter pela solução do cárter estourado. A Hyster foi meu primeiro emprego e como a primeira namorada, tem um lugar especial em minhas recordações. Já se foram 41 anos e ainda me lembro das feições de todos eles, principalmente do Durval. Foi uma das vezes que a razão venceu a emoção, como gosta de dizer o filósofo Alaer Garcia. Mas não foi fácil.

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