quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Perito

Não devia ter mais que alguns meses de Mecânica Pesada, quando veio a notícia. O Pórtico que operava sobre a barragem da eclusa de Bom Retiro, no Rio Grande do Sul, tinha caído. Era um equipamento de mais de 20 toneladas de peso e caíra de 30 metros de altura sobre o vertedouro. Quando peguei o projeto do pórtico para analisar o que tinha acontecido e vi que a carga poderia operar em balanço, achei que a queda tinha sido por esse motivo. Depois informaram que ele caíra devido a um temporal. Como as informações eram desencontradas e a Portobrás, proprietária do equipamento, já estava querendo responsabilizar a Mecânica Pesada pelo acontecido, falando em erro de projeto, me mandaram à Bom Retiro, para analisar o acontecido e apurar tecnicamente as responsabilidades. Como era ainda muito novo, o Gerente da fabrica de Taubaté, Jose Carlos Teixeira, foi comigo para poder fazer uma segunda opinião, eu como projetos e ele como fabricação e dando peso a comissão, pois era o Gerente geral da fabrica.
Tínhamos que ir de avião até Porto Alegre e lá alugaríamos um carro para chegar até a obra. Me lembro que era época de chuva, e nos recomendaram que fossemos em um veiculo traçado pois a estrada era de terra e muito escorregadia. A Hertz, acho que era essa a locadora, tinha escritório dentro do próprio hotel, o Plaza San Rafael. Era um hotel muito chique e só parei nele por causa do nível do Teixeira que era quase um diretor. Era um 5 estrelas e o meu nível na época era de 3, no máximo. O único 4x4 que tinham era a toyota Bandeirantes e como tinha uns 100 km de asfalto e 40 de terra, o Teixeira não quis saber de camionete cabine simples e queria uma Veraneio, que era uma jamanta da chevrolet, de tração traseira e que escorregava até no asfalto. Consegui convencê-lo de mudar para um passat da volkswagem. Pernoitamos no hotel e seguimos no clarear do dia para a obra. Chovia a cântaros. Na saída, ele era bem mais velho do que eu, e acho que meio barbeiro, essa conclusão veio pela escolha da Veraneio, me manda ir dirigindo com o argumento “Você vai, eu volto”. Sentei na boléia rapidamente antes que ele mudasse de idéia. Até o momento, meu medo era de atolar no caminho, e isso não me assustava. Nem imaginava o que nos esperava. Após 100 km de asfalto, a placa indicando a saída para a barragem de Bom Retiro e embaixo uma maior em letras garrafais: NÃO RECOMENDÁVEL TRANSITAR EM DIAS DE CHUVA. O Teixeira foi ao aço e dizia:

- Como "Não transitar", esperar quantos dias? Já parou de chover. E agora? Vamos ficar aqui até secar essa merda? O que você acha?

Antes que eu respondesse ele me mandou experimentar e entramos naquela estradinha. Me convenceu quando falou que se eu estivesse com medo ele assumiria o volante pois tinha um passat e estava acostumado com ele. Depois de uns 5 km, com o carro escorregando mais que quiabo em boca de velha, chegamos a serra. Era uma pirambeira desgraçada, e o pessoal da manutenção da estrada, passava a patrol e ia deslocando a terra para as beiradas da estrada. Aquele montinho represava a água deixando a estrada cheia de poças e mais mole ainda. A única vantagem é que fazia uma espécie de guard rail, e você para despencar naquele precipício tinha que pular aquele montinho. Batemos com a roda nele várias vezes, era suficientemente alto para impedir que caíssemos da estrada. Não dava para andar muito devagar pois tinha muitas subidas que o carro ficaria nela se não embalássemos na descida anterior. Só conseguimos chegar pois na primeira patinada que demos, para surpresa do Teixeira, eu parei o carro e fofei os pneus dianteiros. Se o normal era 30 libras, deixei com umas 18. Perdi meia hora explicando que aquilo era bom para barro pois dava mais pega e tinha que ser feito só nos pneus da tração e para veiculo vazio. A coisa era realmente muito feia pois as laterais da estrada não tinham nenhuma proteção e o nosso destino ficava atrás de uma morraria louca. O Teixeira era muito nervoso e ia sentado no banco de passageiros, sem usar o encosto e batendo palmas o tempo todo. Lembro que a cada derrapada ele falava “Fodeu, Fodeu, Fodeu” e quando eu conseguia reassumir o controle do carro, batia palmas e esfregava as mãos. Apesar da situação eu não conseguia ficar sem dar risadas. Na chegada, quando quis comentar que ele ficou com medo, rebateu na hora:
- Eu sou corajoso pois vi o problema e enfrentei. Você que é um inconseqüente, pois nem viu o perigo.
Como ele era gerente não podia discutir e dizer que ele era cagão mesmo, mas esperei a hora de voltarmos e fui direto para o banco de passageiros, deixando a direção para ele. Queria testar a sua coragem. Ele me olhou e falou:
- Acho melhor você dirigir. És o rei da lama.
Pensei até em fazer um charme dizendo estar cansado, mas não podia brincar com a situação. Aquele doido poderia matar a gente.

A visita foi super proveitosa e em 30 minutos tínhamos levantado e comprovado toda a situação. O Pórtico caiu pois teve uma ventania louca e ele, sem as travas de segurança, que seria o freio de mão de um automóvel, saiu andando, pegou velocidade, e no fim do caminho de rolamento, bateu, arrancou os batentes e caiu da barragem. Tudo muito simples de entender mas muito difícil de explicar, ainda mais para uma empresa pública, que o acidente aconteceu por uma falha de operação deles. Depois da novela de ir até o local para colher dados e fotografar todo o equipamento caído ia começar uma outra bem mais complicada, provar as responsabilidades e achava que ia sobrar para mim também. E sobrou. Continuo na próxima mas já adianto que “não foi fácil”.

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