quinta-feira, 14 de julho de 2011

Banho de chuva

Rafael devia ter uns 4 anos e eu 54. Nossa diferença de idade é de meio século. Estávamos em casa em Corumbá e caindo um toró violento. Como a minha rua é inclinada, na porta passava um rio de tão forte que era a chuva. Voltei a 50 anos atrás, na porta da casa de tia Dirce. Ela era a única adulta que nos deixava tomar banho de chuva. Pedíamos e ela falava que podia. Tontonio, que era o mais medroso, perguntava se não tinha perigo e a resposta era sempre a mesma:

- Você não derrete, senão já tinha se acabado nos banhos de chuveiro.

- E raio?

- Com tanto lugar para cair, não vai ser na sua cabeça.

Lembrando disso, convidei ele para tomar banho de chuva, aceito prontamente e dando pulos de alegria. Colocamos os shorts e saímos na rua. Entre a idéia e a ação a chuva já tinha diminuído bem e o rio da porta virou um corguinho. Peguei uma revista dessas "Caras" e comecei a fazer barquinhos para ele. O primeiro, de uma só folha, andou uns 20 metros com ele correndo do lado e achando o máximo o fato de eu saber fazer barcos de papel. Aí empolguei e fiz um de folhas duplas. Esse desceu até perder de vista. Poluímos a cidade, pois do nosso porto, ou melhor, da nossa porta, partiram uns 50 barcos de folha dupla. O menino ficou numa felicidade e eu numa maior ainda.
Fiquei pensando em como as coisas mudam e como se perdem tradições. Está certo que em São Paulo você tomar banho de chuva não deve ser fácil, mas no interior, era uma coisa gostosa que não vejo mais essa criançada desfrutando. O Rafael, agora com 11 anos, nunca mais fez isso e não sei se fará novamente. Talvez, um dia, com seu filho ou com seu neto, e nessa hora, espero que ele se lembre de mim.

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