quinta-feira, 28 de julho de 2011

Benjamim

Era comemoração antecipada do São João da escola Santa Inês. Como tenho um lote de netos lá, fui para vê-los dançar quadrilha. O Benjamim estava com a menina mais bonita da escola. Realmente uma graça e seu jeito todo encabulado me fez lembrar de Alice Campos. Já escrevi sobre ela aqui, minha primeira namorada. Quando fui brincar com ele, que a companheira de quadrilha dele era a menina mais bonita da festa, ele se avermelhou todo e ficou bravo comigo. Percebi na hora que o bichinho estava apaixonado. Para deixá-lo meu amigo de novo, comecei a contar sobre a Alice. Fui fantasiando e descrevendo como ela era bonita, contando detalhes, da sua covinha quando sorria, da mão muito pequena e lisinha, do duro que eu dei para ficar de mãos dadas com ela no cinema. E ele prestando a maior atenção, com os olhinhos brilhando e isso no meio da festa. Quando vi que estava ganhando a sua confiança, perguntei:

- Como é o nome de sua namorada?

- Giovanna. Não é namorada.

- Ainda - completei - mas percebi ela te olhando e, como sou experiente, já vi que ela também gosta de você.

E ele ficou todo contente e perguntou quantos anos eu tinha, na época da Alice.

- Eu tinha 8 anos e hoje, com 61, ainda me lembro das vezes que saíamos da escola e eu ia carregando seus livros até a porta da casa dela.

- Livros! Que livros vovô? Ela não tinha mochila? 

Não consegui ficar sem rir e pensar com meus botões de como esta vida é engraçada, como tem coisas que mudam muito e outras não mudam nadinha. O amor platônico dele era igualzinho ao meu, entretanto na minha época não tínhamos mochilas.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O Perito II

Chegamos de Bom Betiro e fiz um relatório completo para a diretoria, com todos os detalhes do porquê, como e quando o acidente aconteceu. A coisa toda era muito simples, mesmo para um engenheiro com só um ano de formado, como eu. O Pórtico ficava montado na crista da barragem e corria sobre trilhos. No final do mesmo, tinha um batente dimensionado para agüentar uma batida em caso do fim de curso falhar. Esse batente era dimensionado considerando a velocidade máxima de translação do pórtico e o tipo de para choques. O segundo fato era que o pórtico tinha quatro garras que o prendia aos trilhos e era acionado manualmente quando não estava em operação, como o freio de mão de um carro. Você teria que acioná-lo para evitar que em uma ventania, apesar de estar com os freios das rodas aplicados, isso era automático, ele saísse deslizando por sobre os trilhos. Na nossa visita pudemos verificar que os trilhos, ninguém sabia porque cargas d'água, estavam engraxados. Apesar do pórtico estar totalmente destruído, pudemos verificar que as garras não estavam na posição de acionadas e, por último, o acidente ocorreu no meio de um temporal. Comprovamos por fotos, que as garras tinham a pintura original de fábrica na região que iria atritar com o trilhos, ou seja, nunca tinham sido usadas. O batente agüentava porrada na velocidade de translação, mas a velocidade que o equipamento atingiu com aquele vento foi bem maior e isso podia ser comprovado, pois no cacete, arrancou os batentes do final da barragem, antes de cair dos 30 metros de altura. Feito o relatório e encaminhado para a diretoria, dei o caso por encerrado. Era o advogado de defesa do réu, o réu e o juiz. Concluí os autos com a prova de que a culpa era do cliente que operou erroneamente o pórtico e já apliquei a pena que era de pagar por outro novo. Mal sabia que a coisa não era tão simples assim e tinha muito caminho a percorrer, e com todo mundo atrás com um porrete na mão.
Assim que o relatório chegou ao cliente veio a resposta que eles estavam contratando um perito INDEPENDENTE para fazer a análise. Já estranhei uma das partes contratar um perito independente.
Cheirou bosta.
Alguns dias depois veio o comunicado para uma reunião em Porto Alegre, onde o perito iria apresentar seu relatório conclusivo e solicitando a presença do pessoal de decisão da Mecânica Pesada. 
Comunicamos ao nosso comercial sobre o que parecia uma armadilha e resolveram levar alguém de nosso departamento jurídico. Fomos, o Dr. Artur Teixeira que era o Diretor Comercial, o advogado da empresa, o chefe de departamento comercial e eu, da engenharia. Como o diretor foi o homem que me encaminhou, há alguns meses atrás para Taubaté, para a entrevista de recrutamento, senti que ele me achou muito novo e inexperiente para aquela empreitada e ficou meio contrariado. Fizemos uma reunião prévia no hotel, já em Porto Alegre, e ele vendo meus argumentos e que eu estava bem informado sobre o assunto se tranqüilizou um pouco e sendo macaco velho na área falou:

- Vamos combinar o seguinte, o Tadeu senta ao meu lado e toda questão técnica só ele quem responde. 

Virou para mim e falou, especificamente:

- Tudo que eu falar diretamente para você, segurando o seu braço, você não considera. Se eu tocar a sua perna por baixo da mesa, aí você leva a sério. Quero que fale tudo que você ache verdade, doa a quem doer. Você vai morder e eu vou assoprar. É cliente bom e não podemos perdê-los, nem por incapacidade técnica, deixando eles acharem que o pórtico caiu por nossa causa, nem cortar relações comerciais por excesso de porrada. Entendidos?

Ao mesmo tempo que me senti super importante, vi que os holofotes estavam se virando para mim, o que não me agradava nem um pouco. Estava preparado para ser coadjuvante e estavam me passando o papel de protagonista. Fui de c_ trancado. 
A entrada na sala de reunião foi apavorante. A mesa tinha lugar para umas 20 pessoas e todos eles, com exceção dos reservados para a gente, ocupados. Tinha um mega gravador no centro da mesa e um projetor de imagens. Começaram as apresentações e além do diretor superintendente da Empresa que era engenheiro mecânico e cujo nome já não me lembro mais, do perito, que lembro muito bem do nome, pois era muito bem definido, mas vou chamá-lo aqui de Dr. Perito, que fez de tudo menos definir alguma coisa e mais um convidado, o Dr. Joaquim Blessman, o maior especialista em vento da época, o restante era tudo advogado. A reunião parecia mais um júri, onde queriam demonstrar por A+B que a culpa pela queda do equipamento foi da Mecânica Pesada.
Na apresentação dos objetivos da reunião, o diretor da Empresa esclareceu que a reunião ia ser gravada para facilitar a feitura da ata. Dito isso passou a palavra para o perito. O mesmo começou dizendo que ia provar, de forma indubitável, que a culpa era da Mecânica Pesada e “não nossa”. O ato falho foi gravado e foi um mal estar geral. Após isso passou um memorial de cálculo de duas folhas. O mesmo começava calculando os esforço produzidos no pórtico pela ação de um vento que atingiu a velocidade de 150 km/h, mostrando que as DUAS garras não foram suficientes para segurar o pórtico e justificou o fato pela pequena área de contato que não poderia gerar um atrito suficiente. Tentei interrompê-lo duas vezes e o Dr. Artur, apertando a minha perna, não me deixou fazê-lo. Terminada a explicação do perito, só faltaram os aplausos dos presentes. Ele me passou o microfone e falou que, “agora você pode usá-lo que não vou te interromper”. Abri minha maleta 007 e tirei os cálculos do pórtico dela. Devia ter umas duzentas folhas e já fui atirando:

- Dr. Perito, se entendi corretamente, o senhor está afirmando que a força de atrito depende da área e como a da garra do pórtico é pequena, o pórtico caiu por causa disso. O senhor poderia me confirmar se entendi corretamente?

Ele, todo pomposo, respondeu com um “Corretamente”.

- Dr. Perito, o senhor vai me desculpar, mas apesar de só ter dois anos de formado, bem menos que o senhor, e nunca ter dado aulas em nenhuma faculdade como o senhor, foi no científico, naqueles livros de Física Básica do FTD, que aprendi que força de atrito não depende da área de contato e sim, exclusivamente, da força normal a superfície de deslizamento e do coeficiente de atrito. Gostaria que o senhor me mostrasse um livro sequer que contenha essa afirmação bárbara sua. 

No “bárbara” o Dr. Artur apertou meu braço. 
Continuei. 

- Depois Dr. Perito, para sua informação as garras do pórtico não estavam acionadas, aliás elas nunca foram usadas, e parece que o senhor na sua “brilhante” peritagem não observou isso. 

No “brilhante” novo aperto no braço do Dr. Artur. Empolguei.

- E mais um último detalhe, Dr. Perito, estou vendo agora que neste seu memorial de cálculo, o senhor considera o pórtico com DUAS garras, enquanto ele tem QUATRO. Mesmo por esses cálculos totalmente errados que o senhor fez, vai verificar que mesmo assim, o mesmo não sairia andando com esse vento anormal. Gostaria que o senhor mudasse o resultado de sua peritagem ou arrumasse um outro motivo para mostrar de forma INDUBITÁVEL, gostei desse termo Dr. Diretor, que a culpa é nossa, e nesse NOSSA, o senhor perito, independente segundo o Dr.Diretor ainda, não entra.
Agora o aperto foi na perna e entendi que os canhões deveriam estar voltados para o perito e não para o diretor.
Acabei de falar e o perito completamente contrariado e sem argumentos, pois o que ele falou estava escrito e gravado, falou do vento, e disse que ele não era ANORMAL e, já pensando que iríamos usar desse argumento, trouxe o Dr. Joaquim Blesmann para falar sobre o assunto. 
O professor assumiu a palavra e era realmente entendido de vento. Pelo diâmetro das arvores arrancadas, concluiu que a velocidade do mesmo ultrapassava os 150 km/ h. Ele entendia de vento, eu das normas que regiam a fabricação de equipamentos de transporte e levantamento e o perito de porra nenhuma. Quando ele acabou a exposição, o perito assumiu a palavra e se dirigindo para mim perguntou se eu sabia qual era a velocidade do vento no dia do acidente, para dizer que era anormal. Eu já estava totalmente emputecido com aquele charlatão e perguntei se ele sabia o que significava a palavra ANORMAL. O Dr. Artur apertou a minha perna mas não senti, e completei:

- Ou o senhor não conhece a palavra do ponto de vista técnico, o que é muito ruim para um engenheiro, ou o senhor não conhece as normas de fabricação do equipamento, o que é pior ainda para um perito. O vento de norma é de 150 km/h e o Dr. Blessman falou em valores superiores a isso. Qualquer coisa acima da NORMA é ANORMAL, Dr. Perito.
Leve aperto no braço. 
Nesse momento o Dr. Artur pediu a palavra. Quando lhe passaram o microfone, ele pediu uma pausa para o café, o desligou e falou:

- Senhores, ninguém aqui nesta sala tem dúvidas do porquê desse pórtico ter caído. Realmente o trabalho de peritagem não foi muito independente, não tem como eu não concordar com a nossa engenharia. Os senhores não tem como provar que o pórtico cairia, mesmo se estivesse com as garras acionadas, e nós fabricamos equipamentos de usinas e eclusas há muitos anos e não temos relatos iguais a esse. Agora, estamos diante de um fato que podemos usar. Tivemos sorte da norma técnica brasileira não cobrir o que aconteceu aqui, precisando ser adaptada para as condições do Rio Grande do Sul e isso pode ser feito a partir deste acontecimento. A Mecânica Pesada está disposta a fazer o mesmo pórtico pelo preço de custo e acrescentar um dispositivo de acionamento automático das garras para evitar um possível esquecimento de acioná-lo no futuro. Parou o pórtico, as garras entrariam automaticamente. 
O que vocês acham dessa solução?

O homem era um gênio. Estava dando uma saída honrosa para o cliente e ainda por cima vendendo um novo equipamento. Todos pareciam satisfeitos, quando o Dr. Perito resolveu se manifestar, dizendo que o justo era dividirmos o prejuízo, uma vez que ninguém teve culpa. Olharam para mim como se só eu pudesse chamar o homem de burro naquele momento. Falei:

- Que parte que o senhor não entendeu que se as garras estivessem aplicadas o equipamento não cairia, mesmo com esse vento anormal? Ou o senhor deseja refazer os cálculos para o resultado ser diferente do primeiro, onde a força resistente de cada garra tem que ser multiplicada por 4 e não por dois? Ou o senhor vai criar uma nova teoria, contrariando outras milenares e comprovando que força de atrito depende da área de contacto?
A medida que eu falava o Dr. Artur apertava meu braço e balançava negativamente a cabeça e até o escutei murmurando “juventude intempestiva”.

O Diretor pediu a palavra, agradeceu a presença do Prof. Joaquim Blessman e do Dr. Perito e dispensou os dois. O Blessman se despediu de mim, já o Dr.Perito nem balançou a cabeça. Não sei porque. Aí os advogados dominaram a cena e resolveram pela construção de outro equipamento, aceitando a idéia do Dr.Artur.
Não me lembro de ter passado momentos tão tensos na minha vida como aqueles. No final da reunião, o Dr. Artur nos levou ao melhor restaurante de Porto Alegre e jantamos lagosta, e o brinde, com Kir Royale, ele fez a mim.
Fiquei muito garboso.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Incêndio no Canadá

Foi na década de 90 do século passado. Éramos Tontonio com Lenir, eu e Bea, e mais um lote de pessoas de nossas relações comerciais. Nosso destino era Vancouver, no Canadá. Íamos assistir ao grande prêmio de formula Indy, onde tínhamos o Gugelmim correndo pelo Brasil. A viagem era prêmio recebido pelas vendas efetuadas no ano para uma das empresas que representávamos. Tudo estava indo muito bem, viajamos de primeira classe, a única bagagem extraviada foi a de um companheiro, as nossas chegaram todas em ordem, e tínhamos uma guia portuguesa a nos acompanhar o tempo todo. Só não dormia com a gente e foi nessa hora que tudo aconteceu.
No meio da noite, começou a tocar uma sirene no corredor do hotel. No começo achei que fazia parte de meu sonho mas ela não se encaixava em lugar nenhum dele. Quando vi que era exógeno pois continuava após eu estar completamente acordado, tentei ver se Bea esclarecia o que estava acontecendo mas não consegui acordá-la. Fui até a porta e saí no corredor. Existia um tropel de gente descendo as escadas e comecei a desconfiar que poderia ser alarme de incêndio, mas não tinha o menor cheiro de fumaça e se tem uma coisa que eu tinha de bom era o olfato, chegava a ser um faro. Nisso, uma gringa abriu a porta de seu quarto, olhou para mim e deu aquela levantada de ombros como dizendo "que porra é essa?" e vendo a minha resposta de duas levantadas de ombro de "nem imagino!", voltou para seu quarto e eu voltei para a cama.
Tentei acordar Bea novamente que me mandou, meio dormindo, ligar para a portaria. Esqueci de como era meu inglês e a resposta ao meu "what is happening?" foi incompreensível. Eu repetia a mesma pergunta e recebia a mesma resposta e não entendia porra nenhuma, ela era muito comprida. Na terceira vez resolvi mudar e falei: "I am to run or sleep?" e aí veio a resposta tranqüilizadora: “Sleep”, seguido de uma desligada na cara, que me deixou mais tranqüilo ainda. A canadense podia ser mal educada mas não tinha nada de grave acontecendo e depois meu nariz não falhava.
Voltei para cama sem que Bea perguntasse qual foi a resposta da telefonista e olha que o nariz dela é uma merda. Vai ser tranqüila assim lá longe. No dia seguinte é que ficamos sabendo do pizé todo. Da nossa turma, fomos os únicos que não descemos, e do resto do hotel só a minha vizinha da frente que eu, levianamente, tranqüilizei. O resto do povo, depois do susto, passou a noite em claro. Tinha sido um alarme falso, que algum engraçadinho acionou de sacanagem. É..., lá também tem disso.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Coisas da vida

Foi nas últimas férias em Paraty. A turma era a mesma de sempre. Meus filhos Laura e Guilherme com a tropa completa deles. Já falei em outras histórias que eles me convidam para ir passear lá e já reservam hotel para mim. A consideração fica por conta da proximidade do hotel onde, da sala de café, eu vejo a casa dela. É quase uma extensão da mesma. De vizinho tem a Ju com o Kiko e os filhos João, Maria e Ana. Esta última é a protagonista desta história.
Era o penúltimo dia das férias e fomos, como sempre, para uma das ilhas da redondeza. O "Ninja", esse é o nome do barco do Zé, com a nossa turma e o "Paganada", o sobrenome do Kiko é Pagano, com a turma dele. Não sei porque cargas d'água resolvi levar 50 reais no bolso do meu short de banho. Normalmente o dinheiro fica na bolsa de Bea. O barco não encosta na praia mas fica a uma distância que qualquer um que saiba nadar a alcança com facilidade. Caímos n'água e não fomos direto para a praia, ficamos brincando nas beiras. A Aninha que devia estar com 6 para 7 anos e estava ao meu lado, começa a gritar toda feliz que tinha achado 50 reais. Na hora bati a mão no bolso e não encontrei minha nota, que estava escoteira nele. Começou um dialogo muito engraçado. Por impulso eu falei:

- Aninha, que sorte, você achou os meus 50 reais.

- Sorte minha, pois agora são meus.

- Aninha, Você vai ficar com o meu dinheiro?

- Seu até a hora que você perdeu, meu, depois que eu achei ele.

Meu Deus, 6 anos!, não acredito. Tentei ainda um último argumento:

- Aninha, quando a gente acha alguma coisa, antes de guardar no bolso, temos que procurar seu dono. Muito feio isso. 

Pensei com meus botões, com essa ela devolve.
Ela pegou o dinheiro, olhou de um lado, virou a nota e olhou do outro e falou:

- Não foi essa nota que você perdeu. Não tem nada seu escrito nela. Vamos procurar a sua. Eu ajudo.
Não agüentei e dei risadas e pensei, sem falar nada: “ela merece .. e eu também”.
Mas o mundo é redondo e da voltas. No dia seguinte, estava sentado na soleira da porta da casa da Laura, as soleiras lá são altas por causa da maré e tornam-se uns banquinhos muito confortáveis. Vi um objeto brilhar no chão, na rua, e o peguei. Era um cachorrinho de porcelana muito bem feito, coisa minúscula, pouco maior que um grão de milho, mas dava para ver que era um poodle, todo branco com uma coleira azul. Achei aquilo e guardei. Quando chegou a criançada, mostrei ao Thiago primeiro e todos queriam ver. Com medo de cair e quebrar eu não o entregava na mão de ninguém. Aí chegou ela, nem mais nem menos que a Aninha.
Quando viu a porcelana começou a gritar:

- É meu, é meu. Eu perdi ele aqui na porta. Me dá, me dá.

Falava e pulava sem sair do lugar.
Por ato reflexo já ia entregando a ela quando lembrei das 50 pilas do dia anterior e disse:

- Falastes mal. Era seu até o dia que você perdeu. Agora que eu achei é meu. Mas espere ai.
Deixe eu ver de tem seu nome escrito aqui.

Olhei o cachorro de frente, lado costas, cabeça para baixo e nada. Virei para ela e falei:

- Vamos procurar o seu que esse aqui é o meu.

Quando vi seus olhinhos cheios de lagrima falei:

- Você gosta muito desse cachorrinho?

Seus olhinhos brilharam enquanto fazia que sim com a cabeça.

- Então.., vejamos, você acha que ele vale...assim... umas 50 pratas?

- 50 PRATAS? Onde você acha que vou arranjar isso?

- Que tal aquela nota que você achou na praia ontem?

Aí caiu a ficha dela, era vingança. 

- Gastei tudo com sorvete ontem mesmo, e paguei para o Thiago e o Rafa, seus netos.
Ela merecia.
Peguei o cachorrinho e dei a ela dizendo que esse era presente meu, pois o dela devia estar latindo por ai.
Foi minha vingança maligna.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Banho de chuva

Rafael devia ter uns 4 anos e eu 54. Nossa diferença de idade é de meio século. Estávamos em casa em Corumbá e caindo um toró violento. Como a minha rua é inclinada, na porta passava um rio de tão forte que era a chuva. Voltei a 50 anos atrás, na porta da casa de tia Dirce. Ela era a única adulta que nos deixava tomar banho de chuva. Pedíamos e ela falava que podia. Tontonio, que era o mais medroso, perguntava se não tinha perigo e a resposta era sempre a mesma:

- Você não derrete, senão já tinha se acabado nos banhos de chuveiro.

- E raio?

- Com tanto lugar para cair, não vai ser na sua cabeça.

Lembrando disso, convidei ele para tomar banho de chuva, aceito prontamente e dando pulos de alegria. Colocamos os shorts e saímos na rua. Entre a idéia e a ação a chuva já tinha diminuído bem e o rio da porta virou um corguinho. Peguei uma revista dessas "Caras" e comecei a fazer barquinhos para ele. O primeiro, de uma só folha, andou uns 20 metros com ele correndo do lado e achando o máximo o fato de eu saber fazer barcos de papel. Aí empolguei e fiz um de folhas duplas. Esse desceu até perder de vista. Poluímos a cidade, pois do nosso porto, ou melhor, da nossa porta, partiram uns 50 barcos de folha dupla. O menino ficou numa felicidade e eu numa maior ainda.
Fiquei pensando em como as coisas mudam e como se perdem tradições. Está certo que em São Paulo você tomar banho de chuva não deve ser fácil, mas no interior, era uma coisa gostosa que não vejo mais essa criançada desfrutando. O Rafael, agora com 11 anos, nunca mais fez isso e não sei se fará novamente. Talvez, um dia, com seu filho ou com seu neto, e nessa hora, espero que ele se lembre de mim.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

As Reuniões

Contando sobre o Pórtico de Bom Retiro, na história "O Perito", fui lembrando de um monte de reuniões técnicas que tive na época da Mecânica Pesada, algumas interessantes e outras muito engraçadas. 
Como a história do Pórtico é meio pesada, resolvi fazer uma pausa antes de começar a parte dois.


Eu estava fazendo um curso de memorização e a técnica era de associação. Se você tinha que lembrar de um monte de palavras, o melhor jeito era fazer uma frase com essas palavras. Em reuniões, onde você era apresentado a um lote de gente ao mesmo tempo e tinha que chamar todos pelo nome, era chique você fazer isso sem tomar nota num papel. Eu me aperfeiçoei nisso e a técnica funcionou muito bem, com algumas exceções, como quando chamei um tal de "Casa Grande" de "Castelo". Mas o pior foi numa reunião de Itaipu e a empresa de engenharia tinha uma engenheira que se chamava Belina. Como ela era feia e gorda, não podia associá-la a nada belo e mentalizei uma perua da Ford, que era o modelo van do corcel e tinha esse nome. Lá pelas tantas eu chamei a mulher de engenheira Caravana, que também era uma perua mas da Chevrolet e bem maior. O pessoal que conhecia as regras de associação não conseguiu ficar sem dar risadas.

De uma outra feita, estava em uma reunião com o Casa Grande, é, o mesmo que na primeira chamei de Castelo, ele era o chefe de engenharia da maior concorrente da Mecânica Pesada, uma multinacional portuguesa. Era uma reunião difícil pois fazíamos parte do mesmo consórcio e tínhamos que dividir os equipamentos de uma hidroelétrica. Ele tinha sua lista e eu a minha e não entrávamos em acordo. Lá pelas tantas eu disse a ele:

- Façamos o seguinte, jogamos as nossas listas fora e faremos outras duas em conjunto. Sorteamos o nome e quem ganhar escolhe a lista primeiro.
Ele não entendia e queria usar as nossas duas listas mesmo, e não percebia que tinha um monte de equipamentos que se repetia. Como a coisa estava ficando muito pesada e chegou o café, eu disse:


- Para relaxar, vou contar uma piada muito engraçada que escutei hoje.


Ele, para fazer graça, e como era verdade, me falou com todo o seu sotaque:


- Olha o que vais fazer pois sou português.


Na hora eu não agüentei e emendei outra, falando:


- Não te preocupes, que eu te conto duas vezes. 


Quase deu merda, mas no fim ele concordou que fazendo as listas sem saber quem seria sorteado, seríamos mais imparciais e no fim poderíamos trocar um ou outro equipamento que o parceiro pudesse fazer por um preço menor.


Mas a reunião mais importante para mim, pela época, eu era muito novo e pelo que envolvia, responsabilidade técnica, foi a de Bom Retiro. Essa não foi nada fácil e já estou registrando ela aqui.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Perito

Não devia ter mais que alguns meses de Mecânica Pesada, quando veio a notícia. O Pórtico que operava sobre a barragem da eclusa de Bom Retiro, no Rio Grande do Sul, tinha caído. Era um equipamento de mais de 20 toneladas de peso e caíra de 30 metros de altura sobre o vertedouro. Quando peguei o projeto do pórtico para analisar o que tinha acontecido e vi que a carga poderia operar em balanço, achei que a queda tinha sido por esse motivo. Depois informaram que ele caíra devido a um temporal. Como as informações eram desencontradas e a Portobrás, proprietária do equipamento, já estava querendo responsabilizar a Mecânica Pesada pelo acontecido, falando em erro de projeto, me mandaram à Bom Retiro, para analisar o acontecido e apurar tecnicamente as responsabilidades. Como era ainda muito novo, o Gerente da fabrica de Taubaté, Jose Carlos Teixeira, foi comigo para poder fazer uma segunda opinião, eu como projetos e ele como fabricação e dando peso a comissão, pois era o Gerente geral da fabrica.
Tínhamos que ir de avião até Porto Alegre e lá alugaríamos um carro para chegar até a obra. Me lembro que era época de chuva, e nos recomendaram que fossemos em um veiculo traçado pois a estrada era de terra e muito escorregadia. A Hertz, acho que era essa a locadora, tinha escritório dentro do próprio hotel, o Plaza San Rafael. Era um hotel muito chique e só parei nele por causa do nível do Teixeira que era quase um diretor. Era um 5 estrelas e o meu nível na época era de 3, no máximo. O único 4x4 que tinham era a toyota Bandeirantes e como tinha uns 100 km de asfalto e 40 de terra, o Teixeira não quis saber de camionete cabine simples e queria uma Veraneio, que era uma jamanta da chevrolet, de tração traseira e que escorregava até no asfalto. Consegui convencê-lo de mudar para um passat da volkswagem. Pernoitamos no hotel e seguimos no clarear do dia para a obra. Chovia a cântaros. Na saída, ele era bem mais velho do que eu, e acho que meio barbeiro, essa conclusão veio pela escolha da Veraneio, me manda ir dirigindo com o argumento “Você vai, eu volto”. Sentei na boléia rapidamente antes que ele mudasse de idéia. Até o momento, meu medo era de atolar no caminho, e isso não me assustava. Nem imaginava o que nos esperava. Após 100 km de asfalto, a placa indicando a saída para a barragem de Bom Retiro e embaixo uma maior em letras garrafais: NÃO RECOMENDÁVEL TRANSITAR EM DIAS DE CHUVA. O Teixeira foi ao aço e dizia:

- Como "Não transitar", esperar quantos dias? Já parou de chover. E agora? Vamos ficar aqui até secar essa merda? O que você acha?

Antes que eu respondesse ele me mandou experimentar e entramos naquela estradinha. Me convenceu quando falou que se eu estivesse com medo ele assumiria o volante pois tinha um passat e estava acostumado com ele. Depois de uns 5 km, com o carro escorregando mais que quiabo em boca de velha, chegamos a serra. Era uma pirambeira desgraçada, e o pessoal da manutenção da estrada, passava a patrol e ia deslocando a terra para as beiradas da estrada. Aquele montinho represava a água deixando a estrada cheia de poças e mais mole ainda. A única vantagem é que fazia uma espécie de guard rail, e você para despencar naquele precipício tinha que pular aquele montinho. Batemos com a roda nele várias vezes, era suficientemente alto para impedir que caíssemos da estrada. Não dava para andar muito devagar pois tinha muitas subidas que o carro ficaria nela se não embalássemos na descida anterior. Só conseguimos chegar pois na primeira patinada que demos, para surpresa do Teixeira, eu parei o carro e fofei os pneus dianteiros. Se o normal era 30 libras, deixei com umas 18. Perdi meia hora explicando que aquilo era bom para barro pois dava mais pega e tinha que ser feito só nos pneus da tração e para veiculo vazio. A coisa era realmente muito feia pois as laterais da estrada não tinham nenhuma proteção e o nosso destino ficava atrás de uma morraria louca. O Teixeira era muito nervoso e ia sentado no banco de passageiros, sem usar o encosto e batendo palmas o tempo todo. Lembro que a cada derrapada ele falava “Fodeu, Fodeu, Fodeu” e quando eu conseguia reassumir o controle do carro, batia palmas e esfregava as mãos. Apesar da situação eu não conseguia ficar sem dar risadas. Na chegada, quando quis comentar que ele ficou com medo, rebateu na hora:
- Eu sou corajoso pois vi o problema e enfrentei. Você que é um inconseqüente, pois nem viu o perigo.
Como ele era gerente não podia discutir e dizer que ele era cagão mesmo, mas esperei a hora de voltarmos e fui direto para o banco de passageiros, deixando a direção para ele. Queria testar a sua coragem. Ele me olhou e falou:
- Acho melhor você dirigir. És o rei da lama.
Pensei até em fazer um charme dizendo estar cansado, mas não podia brincar com a situação. Aquele doido poderia matar a gente.

A visita foi super proveitosa e em 30 minutos tínhamos levantado e comprovado toda a situação. O Pórtico caiu pois teve uma ventania louca e ele, sem as travas de segurança, que seria o freio de mão de um automóvel, saiu andando, pegou velocidade, e no fim do caminho de rolamento, bateu, arrancou os batentes e caiu da barragem. Tudo muito simples de entender mas muito difícil de explicar, ainda mais para uma empresa pública, que o acidente aconteceu por uma falha de operação deles. Depois da novela de ir até o local para colher dados e fotografar todo o equipamento caído ia começar uma outra bem mais complicada, provar as responsabilidades e achava que ia sobrar para mim também. E sobrou. Continuo na próxima mas já adianto que “não foi fácil”.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Casa da Vó

Beto com Paty são quase meus vizinhos, pula só uma casa. Daniel com Livia moram a duas quadras e Guilherme e Ana a cinco. Longe mesmo só Laura com o José Carlos que moram em São Paulo, mas quando vamos lá, nosso apartamento é no mesmo prédio, e como todos os corumbaenses, gostamos de viver em bando, como diz Giilherme, igual queixada. Isso é muito bom, principalmente para eles, modéstia a parte, que quando querem sair largam as crias com a gente, o que gostamos muito, tanto nós quanto os gurizinhos. Essas dormidas tem proporcionado lances muito engraçados.
Uma vez a Isabela veio com Tomás. A Belinha insistiu que queria dormir no nosso quarto e Bea colocou um colchão no chão e, sabedora dos problemas, do lado dela. Como ronco um pouco eu a acordei no meio da noite que acordou Bea perguntando o que estava acontecendo e isso com muito medo. Bea a acalmou e disse que era o vovô dormindo e que roncava daquele jeito. Mesmo com a mistura de sono e medo, ela olha pra Bea e pergunta:
- Mas precisa?
Saiu com seu colchão e foi dormir no quarto com Tomas.
Eles gostam de dormir em casa porque aqui o horário é mais flexível. Dormem vendo televisão, acordam vendo televisão, vêem televisão no meio da noite, coisa impensável nas suas casas, que tem horas para essas coisas. O Tomas é o mais fanático. Acorda de madrugada e nos acorda para perguntar de já esta na hora de levantar, só para ver televisão. Numa dessas, depois de ter acordado Bea e voltado para cama, pois eram 4h da matina ainda, volta as 5h para o nosso quarto e com a abertura da porta quem acorda sou eu. Quando ele viu que eu não estava dormindo, foi do meu lado e perguntou se podia dormir comigo. Respondi:
- Dormir pode. Três minutos e meio depois, ele não parava de se mexer e vendo que eu continuava acordado me pediu para ligar a televisão. Estava demorando muito. Ainda fala:
- Baixinho para não acordar a vovó.
Liguei a mesma e ele, baixinho, e de novo ele me pede:
- Põe no 89.
No escuro do quarto teclei o 23. Achei que o controle era máquina de calcular. Ele conhecia o canal e viu que estava errado. Põe a mãozinha em concha, encosta no meu ouvido e sussurra:
- 89 vovô.
Vou de novo e faço nova tentativa achando que errei a fileira e prego o 56. Ele percebendo, fala no meu ouvido, agora um pouco mais alto:
- 89 VÔ.
Já meio aborrecido com aquela história, pego o controle e sem óculos no escuro, faço nova tentativa e novo erro. Aí ele não agüentou e falou alto:
- 89 vô! Você ta surdo?
Com o sono só consegui responder:
- Surdo e cego e agora de saco cheio de você. Finalmente acertei o 89, virei e não consegui mais dormir pois ele me chutou até clarear o dia. Esse é o Tomás.
Já o Filipinho com o Benjamim, são mais independentes e as aprontadas são de outro tipo, uma vez que a TV eles ligam sozinhos e sem pedir. Eles dividem o banheiro comigo e eu estava nele quando o Filipinho chegou esmurrando a porta quando começou um dialogo surreal. Só podia ser filho de Guilherme. Comecei com o tradicional "tem gente"
- Vovô, quero mijar. Sai rápido.
- Num da não. Vou demorar mais um pouquinho que o seu rápido.
- Porque, você tá cagando?
Nunca vi delicadeza maior. A mãe fala toda certinha com ele e fica injuriada com o Guilherme que é brutão e só usa esses termos de peão de fazenda. Benjamim nem sabe o que é cocô, é bosta mesmo. Mas são super educados e, talvez os mais divertidos. Apelidei o Benjamim de Salinzinho. Ele estava tirando notas baixas na escola e fizemos um trato com ele. Um real por ponto da nota. Tirou 10, dez reais, tirou 5, só 5. Nas últimas provas quase quebrei. Em oito provas, o bichinho me tomou 75,00 reais. Nunca pensei que o turcão nosso ia se manifestar ali. Agora vamos abrir uma poupança. Pergunta se ele quer presente, ele pede dim dim. Já está resolvido, será o financeiro da Ema. Só esperar crescer mais um pouco, está com 8 anos, mais 15 levo ele para lá, e para mim esse tempo passa rapidinho. Infelizmente.