Estava terminando as cadeiras de meu mestrado e completando os créditos necessários. Faltava apresentar a tese. Achei que o pior tinha passado e nem imaginava o que estava por vir. Nesses três anos e meio eu não fiz outra coisa que não trabalhar e estudar. Às vezes ia para a praia nos fins de semana, levava livros e enquanto o pessoal ficava lendo romances eu devorava a teoria da elasticidade. Acho que isso que ajudou a não estourar meu saco tornando-o super elástico. Outras vezes estudava com o Beto na ponta da mesa fazendo desenhos e me mostrando de cinco em cinco minutos. Não foi fácil, mas foi. O tema da tese foi definido junto com o Paulo Rizzi, meu orientador, e baseado no meu trabalho na Mecânica Pesada, optamos por fazer um programa para otimizar pontes rolantes. Resumindo, era um programa que você entrava com todas as características necessárias e desejáveis de uma ponte rolante, que eram os parâmetros do projeto, e o programa fornecia as variáveis que levavam ao equipamento mais econômico. Comecei a desenvolver a tese já no segundo ano do curso. Teria dois anos para fazer os estudos e o programa final. Quando vimos que não ia conseguir terminar, pois a coisa estava ficando por demais complicada, conheci o Marcelo Pimenta.
Ele fazia mestrado e era também orientado do Paulo Rizzi. Fizemos uma dupla e ele me ajudaria no desenvolvimento do programa da minha tese, onde ele era um avião, só comparado com o George Pion, meu amigo francês, e eu no desenvolvimento da sua, que seria uma ponte protendida. Existia muita coisa na época sobre concreto protendido, mas nada sobre estrutura metálica protendida. Terminamos uma semana antes de vencer o prazo para enviar uma cópia aos examinadores da banca. Um mês depois seria a apresentação e eu comecei o treinamento. Tinha uma hora cravada para fazer a apresentação, uma para responder as perguntas da banca e 30 minutos para responder a qualquer dos ouvintes. Depois disso, cada um dos cinco examinadores teria 30 minutos para fazer os comentários, fechando com o Paulo Rizzi. Tinha que ter a aprovação de dois da banca, pois meu orientador já a tinha aprovado. Preparei as transparências, que antigamente era o único meio de você projetar algo em uma tela e comecei a gravar a minha apresentação. Na primeira vez que escutei a mesma, eu me reprovei. Falei 180 "nés", comecei muito detalhista e tive que atropelar tudo no fim e, mesmo assim, estourei o tempo em 30 minutos e as conclusões finais eram uma merda e nada conclusivas. Refiz a mesma por umas dez vezes, até que na última achei perfeito. Escutava aquela coiseira o tempo todo. Estava gravado em uma fita cassete que deve ter de extraviado em uma de nossas mudanças. Já sabia de cor e salteado, e não só eu, mas a Laura que já era meio grandota também. Eu a colocava para escutar, pois tendo uma platéia ajudava a desinibir. O único medo era travar na hora, isso já tinha me acontecido antes, por isso me aconselhavam a tomar um wiski duplo antes. Quando eu falava que a apresentação era as 8 da manha, a resposta era sempre a mesma: "é, com pão e manteiga é tora". Tinha que ser de cara limpa mesmo. O interessante aconteceu na madrugada do dia D. A noite foi péssima e a passei acordando a cada meia hora. Às 5 horas da manha, acordei de vez com o telefone tocando. Era mamãe ligando de Corumbá, onde com a diferença do fuso horário eram 4 da madrugada. Levei aquele susto e já pensei que alguém tinha morrido quando ela me falou que não dormiu a noite preocupada comigo. Não tinha falado da tese para ninguém de lá e não entendia o porquê de sua preocupação quando ela começou a me contar de seu sonho. Disse que eu estava em uma sala cheio de papeis espalhados pelo chão e procurando alguma folha e à medida que não a achava ia ficando super nervoso. Nessa hora apareceu um senhor para ela, barbudo de uns 30 anos e pede que ela me acalme, pois tudo ia dar certo. Quando ela perguntou a ele como ele sabia disso que percebeu tratar-se de Jesus, por isso estava ligando a essa hora. Eu devia saber o significado da mensagem. Contei a ela da tese e ela ficou mais impressionada do que eu. Despedi com ela me prometendo que ia rezar para tudo dar certo e agora super confiante, resolvi me aprontar e ir para São Jose dos Campos. Tinha 40 minutos de viagem ainda e tinha que chegar com alguma antecedência para preparar o auditório. No início, quando vi aquele povo todo me olhando e a banca, como juízes, para falar se perdi quatro anos inteiros de minha vida, fiquei meio travado e me arrependi de não ter tomado o wiski no café da manha, mas com o andar da carruagem e o Marcelo projetando as transparências, a coisa foi fluindo. Tinha o "time" em cada transparência e na troca ele foi me ajudando com o tempo. No final aconteceu uma coisa estranha. Respondi as questões de todos os examinadores com exceção do professor Santiago que não fez nenhuma pergunta. Respondi as duvidas da platéia e me sentei para escutar a banca. O primeiro a se manifestar foi a porra do Santiago e falou algo mais ou menos assim: - Quero cumprimentar o engenheiro pelo excelente trabalho de engenharia, mas para mim, não passa disso, e não uma tese de mestrado. Na hora achei que ia ter um troço e agradeci a meu santo protetor por não ter ido na idéia do wiskinho, ou teria mandado ele tomar no rabo solenemente. Até me passou a imagem pela cabeça: eu interrompendo-o para pedir a palavra, voltar ao palco e falar: - Dr. Phd. Não Sei das Quantas Santiago, gostaria de mandá-lo para "Puta que o Pariu" e no caminho dar uma parada para "Tomar no seu Rabo". Mas não ia ficar bem e resolvi balbuciar o meu famoso "ah é, é". Falou isso em dois minutos e foi de sentar. O Filho da Puta reprovou a minha tese e estava enterrando 4 anos de sacrifício meu e de toda minha família. Eu não sabia que existia uma richazinha dele com o Rizzi e por conta disso eu que estava me ferrando. Quebrando o protocolo, o Rizzi pediu a palavra. Era para ele fechar a apresentação, mas ele inteligentemente resolveu de antecipar. Falou da importância da integração escola - indústria, e que o Brasil precisava de resultados a curto prazo. Que era importante pesquisar coisas práticas e que trouxessem resultados imediatos. Lastimou que o Santiago não concordasse com ele, mas até entendia, que esse era o pensamento de quem só exerceu a nobre missão de ensinar durante a vida toda e nunca fez nada de concreto. No final me agradeceu dizendo que tinha aprendido tanto comigo quanto eu com ele. O Hazim acompanhou o Rizzi e aprovou com todos os méritos, começando com um trabalho prático, bem feito e sem perder o foco teórico, onde a própria norma de fabricação foi colocada em cheque. Nem eu tinha percebido isso. Faltava um e esse era o professor convidado de Uberaba e seu parecer era, talvez, o mais importante da banca. Antes de comentar o meu trabalho ele falou sobre o seu doutoramento em Oxford, que foi sobre a instalação de tensometros em folha de milho. Com isso ele conseguiu medir a sede do milho e definia a quantidade de água a ser irrigada na plantação toda, uma coisa super prática. Falou isso olhando para o Santiago, dizendo que não conseguia ver a fronteira entre a ciência pura e a engenharia, e que essa indefinição é que trazia o progresso das duas. Não comentou mais nada e a aprovou sem nenhuma restrição. Estava salvo, e ainda tinha mais um artista para falar, mas já nem o escutava mais. Só percebi que ele a aprovou sem restrições. Quando achei que estava tudo terminado, o Santiago pediu a palavra novamente. Pensei que ele fosse querer convencer todo mundo que a minha tese era uma merda, quando tive a última surpresa. Ele mudou de idéia e resolveu aprová-la também. Foi unanime e não me cabia nas calças de contentamento. Acho que esse pode ser colocado como um dos dias mais felizes da minha vida, encerrando aos 33 anos a minha vida escolar. Nunca mais sentei em um banco de escola, pelo menos desses que você tem que fazer uma prova no final. Também tenho saudades.
Ele fazia mestrado e era também orientado do Paulo Rizzi. Fizemos uma dupla e ele me ajudaria no desenvolvimento do programa da minha tese, onde ele era um avião, só comparado com o George Pion, meu amigo francês, e eu no desenvolvimento da sua, que seria uma ponte protendida. Existia muita coisa na época sobre concreto protendido, mas nada sobre estrutura metálica protendida. Terminamos uma semana antes de vencer o prazo para enviar uma cópia aos examinadores da banca. Um mês depois seria a apresentação e eu comecei o treinamento. Tinha uma hora cravada para fazer a apresentação, uma para responder as perguntas da banca e 30 minutos para responder a qualquer dos ouvintes. Depois disso, cada um dos cinco examinadores teria 30 minutos para fazer os comentários, fechando com o Paulo Rizzi. Tinha que ter a aprovação de dois da banca, pois meu orientador já a tinha aprovado. Preparei as transparências, que antigamente era o único meio de você projetar algo em uma tela e comecei a gravar a minha apresentação. Na primeira vez que escutei a mesma, eu me reprovei. Falei 180 "nés", comecei muito detalhista e tive que atropelar tudo no fim e, mesmo assim, estourei o tempo em 30 minutos e as conclusões finais eram uma merda e nada conclusivas. Refiz a mesma por umas dez vezes, até que na última achei perfeito. Escutava aquela coiseira o tempo todo. Estava gravado em uma fita cassete que deve ter de extraviado em uma de nossas mudanças. Já sabia de cor e salteado, e não só eu, mas a Laura que já era meio grandota também. Eu a colocava para escutar, pois tendo uma platéia ajudava a desinibir. O único medo era travar na hora, isso já tinha me acontecido antes, por isso me aconselhavam a tomar um wiski duplo antes. Quando eu falava que a apresentação era as 8 da manha, a resposta era sempre a mesma: "é, com pão e manteiga é tora". Tinha que ser de cara limpa mesmo. O interessante aconteceu na madrugada do dia D. A noite foi péssima e a passei acordando a cada meia hora. Às 5 horas da manha, acordei de vez com o telefone tocando. Era mamãe ligando de Corumbá, onde com a diferença do fuso horário eram 4 da madrugada. Levei aquele susto e já pensei que alguém tinha morrido quando ela me falou que não dormiu a noite preocupada comigo. Não tinha falado da tese para ninguém de lá e não entendia o porquê de sua preocupação quando ela começou a me contar de seu sonho. Disse que eu estava em uma sala cheio de papeis espalhados pelo chão e procurando alguma folha e à medida que não a achava ia ficando super nervoso. Nessa hora apareceu um senhor para ela, barbudo de uns 30 anos e pede que ela me acalme, pois tudo ia dar certo. Quando ela perguntou a ele como ele sabia disso que percebeu tratar-se de Jesus, por isso estava ligando a essa hora. Eu devia saber o significado da mensagem. Contei a ela da tese e ela ficou mais impressionada do que eu. Despedi com ela me prometendo que ia rezar para tudo dar certo e agora super confiante, resolvi me aprontar e ir para São Jose dos Campos. Tinha 40 minutos de viagem ainda e tinha que chegar com alguma antecedência para preparar o auditório. No início, quando vi aquele povo todo me olhando e a banca, como juízes, para falar se perdi quatro anos inteiros de minha vida, fiquei meio travado e me arrependi de não ter tomado o wiski no café da manha, mas com o andar da carruagem e o Marcelo projetando as transparências, a coisa foi fluindo. Tinha o "time" em cada transparência e na troca ele foi me ajudando com o tempo. No final aconteceu uma coisa estranha. Respondi as questões de todos os examinadores com exceção do professor Santiago que não fez nenhuma pergunta. Respondi as duvidas da platéia e me sentei para escutar a banca. O primeiro a se manifestar foi a porra do Santiago e falou algo mais ou menos assim: - Quero cumprimentar o engenheiro pelo excelente trabalho de engenharia, mas para mim, não passa disso, e não uma tese de mestrado. Na hora achei que ia ter um troço e agradeci a meu santo protetor por não ter ido na idéia do wiskinho, ou teria mandado ele tomar no rabo solenemente. Até me passou a imagem pela cabeça: eu interrompendo-o para pedir a palavra, voltar ao palco e falar: - Dr. Phd. Não Sei das Quantas Santiago, gostaria de mandá-lo para "Puta que o Pariu" e no caminho dar uma parada para "Tomar no seu Rabo". Mas não ia ficar bem e resolvi balbuciar o meu famoso "ah é, é". Falou isso em dois minutos e foi de sentar. O Filho da Puta reprovou a minha tese e estava enterrando 4 anos de sacrifício meu e de toda minha família. Eu não sabia que existia uma richazinha dele com o Rizzi e por conta disso eu que estava me ferrando. Quebrando o protocolo, o Rizzi pediu a palavra. Era para ele fechar a apresentação, mas ele inteligentemente resolveu de antecipar. Falou da importância da integração escola - indústria, e que o Brasil precisava de resultados a curto prazo. Que era importante pesquisar coisas práticas e que trouxessem resultados imediatos. Lastimou que o Santiago não concordasse com ele, mas até entendia, que esse era o pensamento de quem só exerceu a nobre missão de ensinar durante a vida toda e nunca fez nada de concreto. No final me agradeceu dizendo que tinha aprendido tanto comigo quanto eu com ele. O Hazim acompanhou o Rizzi e aprovou com todos os méritos, começando com um trabalho prático, bem feito e sem perder o foco teórico, onde a própria norma de fabricação foi colocada em cheque. Nem eu tinha percebido isso. Faltava um e esse era o professor convidado de Uberaba e seu parecer era, talvez, o mais importante da banca. Antes de comentar o meu trabalho ele falou sobre o seu doutoramento em Oxford, que foi sobre a instalação de tensometros em folha de milho. Com isso ele conseguiu medir a sede do milho e definia a quantidade de água a ser irrigada na plantação toda, uma coisa super prática. Falou isso olhando para o Santiago, dizendo que não conseguia ver a fronteira entre a ciência pura e a engenharia, e que essa indefinição é que trazia o progresso das duas. Não comentou mais nada e a aprovou sem nenhuma restrição. Estava salvo, e ainda tinha mais um artista para falar, mas já nem o escutava mais. Só percebi que ele a aprovou sem restrições. Quando achei que estava tudo terminado, o Santiago pediu a palavra novamente. Pensei que ele fosse querer convencer todo mundo que a minha tese era uma merda, quando tive a última surpresa. Ele mudou de idéia e resolveu aprová-la também. Foi unanime e não me cabia nas calças de contentamento. Acho que esse pode ser colocado como um dos dias mais felizes da minha vida, encerrando aos 33 anos a minha vida escolar. Nunca mais sentei em um banco de escola, pelo menos desses que você tem que fazer uma prova no final. Também tenho saudades.
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