segunda-feira, 21 de março de 2011

Cataratas das velhas

Mamãe e Odilza, minha sogra, moram em casa. Brinco com Bea que uma das coisas que ela tem melhor do que eu é a sogra, mas é sacanagem. Páreo duro está ali, são dois anjos que tenho permanentemente, fora os que visitam as duas direto. Mas teve um lance muito engraçado entre elas e que exigiu uma intervenção externa nossa. Estavam as duas vendo televisão no quarto da Odilza e eu escutando a conversa fiquei apavorado. Aparecia um artista na tela e uma perguntava a outra quem era. A argüida só acertava o nome se o artista tinha falado, o que mostrava que estava boa de ouvido e horrível de vista. Nenhuma das duas enxergava mais nada. Uma vez mudei o canal quando uma estava no banheiro e a outra cochilando. Tirei da Rede Vida e passei pra Globo. Quando uma falou que o Padre Marcelo estava diferente e a outra respondeu que era o cabelo, e eu estava vendo Tarcisio Meira na televisão, apavorei. Elas não enxergavam mal, simplesmente não enxergavam. Catarata grau "um monte".

Bea ligou para o Antonio Carlos e ele falou que o Belfort fazia as duas no mesmo dia e não precisava nem de pré-operatório, que era a coisa mais fácil do mundo. Quando questionamos a idade ele deu uma gozada na gente, que não conhecia nenhum jovem com Catarata. A dificuldade estava em convencer as duas e transportá-las até São Paulo. Odilza em cadeira de rodas e Mamãe não dá nem 10 passos sem sentar e descansar, e não quer saber de cadeira de rodas. Na primeira vez que tocamos no assunto, as duas só faltaram nos colocar para fora do quarto. Quando falei com Mamãe sozinho, ela disse que estava boa e que a cega era a Odilza, que a levássemos enquanto ela passava uns dias com Maria Lucia. Com Odilza foi a mesma coisa, e a desculpa só mudou que ela ficaria bem sozinha e a Mena cuidaria dela até voltarmos com Mamãe enxergando tudo. Não ia ser fácil! Foi quando tivemos a idéia, não sei se eu ou Bea. Eu fui à Odilza e falei:

- Dona Odilza, a senhora é a minha única esperança de conseguir operar Mamãe. Ela tem muito medo e se você for, ela vai, e depois levo as duas para Aparecida do Norte. Vocês com a vista boa vão ver até Nossa Senhora.

Deu uma esperneada ainda dizendo que ela via tudo mas que poderia até ir junto falando que ia operar mas na hora não operar. Mas, pensando bem, não conseguiria mentir para a Julieta. Ia pensar. Com Mamãe foi a mesma coisa, só ela poderia fazer com que Odilza operasse, que era uma coisa por demais de simples, que ela iria ver tudo muito bem, e o melhor de tudo, iria ver que o padre Marcelo era mais bonito que Tarcisio Meira. Por fim, uma para ajudar a outra a criar coragem, resolveram por operar. Não podíamos esperar, pois poderiam mudar de idéia. Como Bea já estava em São Paulo, marcou as cirurgias e saímos, eu e Mena com as duas ceguetas, de avião, Corumbá - Sao Paulo. No embarque, quando deu aquele medo em Mamãe, fiz uma brincadeira bem sem graça com ela. Disse que a volta que seria problema, quando ela perguntou assustada o porque. Porque na ida, a senhora cega desse jeito, nem vai ver se o avião cair, já depois da cirurgia... Acharam que não foi uma boa técnica para acalmá-la. Mas o vôo foi ótimo e na chegada em São Paulo já estava Bea com Laura nos aguardando. Levaram as velhas e fui de taxi com as bagagens.

No dia seguinte fomos ao Belfort e ele examinou as duas dizendo que estavam ótimas para operar, cataratas maduríssimas, e não aceitou os argumentos de que elas enxergavam tudo, só um pouco embaçado. No dia seguinte chegamos ao Hospital Albert Einstein e entraram juntas na sala de cirurgia. Ele operava de lote e em menos de uma hora elas saíram de olho tampado. Isso foi numa terça feira e na sexta da mesma semana fizeram a outra vista. Parece que só depois da cirurgia que perceberam como não enxergavam nada antes. Odilza comentava que estava até ouvindo melhor. Quando Bea perguntou para Mamãe, que é super vaidosa até hoje e não perigo de se levantar e sair do quarto sem se maquiar, se ela estava enxergando bem, a resposta foi surpreendente:

- Até demais, minha filha. Não sabia que tinha essas bolsinhas sob os olhos aqui e já começaram a incomodar.




Bea, meio sarcástica completou:

- É... o que os olhos não vêem o coração não sente. Mas já que criou coragem para cirurgias, vamos para o Dr. Arnaldo, que ele tira essas bolsas daí para a senhora e fica um espetáculo. Mas faltou mais uma pitada de vaidade e uma dose de coragem para enfrentar uma plástica com 85 anos.

No primeiro fim de semana, as “véias” de vista nova, fomos a Aparecida do Norte. Acho que crianças na Disney não ficariam tão deslumbradas como as duas ficaram em Aparecida. Foi uma viagem inesquecível para todos nós.

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