O Bravo Golf Zulu é um Chessna 172 que eu conheci na sua intimidade e que este ano completa 50 anos de existência. Era de meu sogro e eu estava na oficina em Santo Antonio de Leverge fazendo a pintura do WGI, quando o vi totalmente depenado, sem pintura, na fuselagem com as entranhas de fora, fazendo sua revisão de IAM. Deu para comparar a estrutura do meu 182, ano 1981, que também estava no mesmo estado, com o BGZ, 20 anos mais velho. Era impressionante como tinham características estruturais diferentes. Enquanto o 182 tinha uma chapa de revestimento muito fina e cheio de cantoneiras de reforço, o charuto do 172 era praticamente de uma única chapa e muito mais grossa. Era de alumínio aeronáutico e não tinha nenhuma trinca, ou mesmo qualquer fissura, nem mesmo daquelas detectadas com técnicas de raio X ou líquido penetrante. Olhando as duas estruturas, a do 172 dava um aspecto de segurança muito maior. Quanto ao motor, o Zé Mauro, nosso piloto, já falava que o 172 é igualzinho um relógio suíço. Depois que tive um Vitory Inox que quebrou com 3 meses e um Swiss Arm que se foi com 6, faço questão de completar com um "Rolex". Consome 25 a 30 litros de gasolina por hora, ou seja, super econômico. Tá certo que não é nem um supersônico e dependendo do vento, numa reta boa não ultrapassa um fuscão, daqueles 1500 que dá 120 km/h. O apelido dele é Jatão, e segundo o piloto, a procedência desse nome é que em todas as viagens depôs de um certo tempo o piloto pergunta:
- E ai? "Ja tão" cansados?
Mas é um aviãozinho muito seguro e econômico e com muitas histórias. Hoje ele pertence a uma sociedade formada pelo Cauto, meu concunhado, Gilson, casado com minha prima Lais e eu. Mas quando era do meu sogro, Pedro, meu cunhado, recém brevetado, convenceu Tontonio, meu irmão, a ir com ele para Santa Anatalia passar uns dias. Essa viagem relatada pelo passageiro é de matar qualquer um de rir. O radio tinha uma recepção horrível e se já era difícil para o piloto que tinha ouvidos acostumados a separar a voz das interferências, para o passageiro era uma chiado só. O Pedro ainda inexperiente, tanto de braço quanto de ouvido, falava com o controle ainda no solo e o dialogo, contado pelo Tontonio era mais ou assim:
- Controle, bom dia, é o Bravo Golf Zulu.
- Ziuiuiui. - Deduzia-se que era o bom dia.
- Bravo Golf Zulu na posição 1 pede autorização para se deslocar a posição 2.
- Ziuiuiui... ziuiuiui... ziuiuiui...
Como a posição 1 é no pátio do aeroporto e a posição 2 é na beira da pista logo antes de se entrar nela, todas as vezes o controle autoriza o procedimento, a não ser que esteja chegando outra aeronave, quando a resposta é mais comprida. O Pedro foi rolando e antes de entrar na pista chamou o controle novamente:
- Controle Corumbá, Bravo Golf Zulu, na posição 2 pede autorização para ingresso e decolagem da cabeceira 270.
Nessa hora o controle, se autorizar, passa junto a velocidade do vento, direção e pressão na pista para ajuste do altímetro e respondeu:
- ziuiuiui ziuiuiui ziuiuiui, zuzuzu zuzuzu zuzuzu ziuiuiui.
Nessa hora, o Pedro que já estava de pescoço torto e com a bunda quase não tocando mais o banco para aproximar o ouvido do alto-falante do radio que fica no teto do avião, vira pro Tontonio e pergunta:
- Você entendeu alguma coisa?
O Zé olhou pra ele e respondeu:
- Nenhuma palavra desde o início e estava impressionado como você estava entendendo tudo. Mas acho que deve ser para voltarmos e você trocar o radio.
O Pedro repetiu tudo e a torre só respondeu "isssitioIVO", que ele entendeu como "positivo", por causa do ivo no final, e falou isso pro Tontonio, que observou, na hora que ele estava alinhado para decolagem, que negativo também termina com IVO. Mas estava tudo certo e eles decolaram bem. O 172 antigo tem o flap mecânico e é acionado por uma alavanca que fica entre os dois bancos como o freio de mão desses carros, só que bem maior. Assim que ele tirou o flap o Tontonio já perguntou se ele decolou com o freio de mão puxado, pois viu que o avião não pegava velocidade,e o Pedro começou a dar aulas de aviação para ele. Depôs de uns 15 minutos de papo, o passageiro já cansado, pergunta se falta muito ainda, quando o piloto manda ele olhar para traz. Lá estava Corumbá, ainda, em todo seu esplendor, não aquela cidadezinha ao longe, se perdendo no horizonte, quando ele observou:
- Vamos dar uma parada no caminho para tomar café e fazer xixi. Nesse ritmo quantas horas vão demorar?
- Fica tranqüilo que quando estabilizar ele vai mais rápido e em uma hora estaremos pousando em Santa Anatalia. Só não dorme não que você tem que me ajudar com o radio.
Depois disso não dormiria mais nem se quisesse. O pouso em Santa Anatalia foi surreal, pois no arredondamento, que é quando o piloto puxa o manche para levantar o nariz da aeronave e tocar o solo, o manche se soltou e Pedro saiu com ele na mão. Deu tempo ainda de ele pegar o cano que segura o manche e pousar o bicho. O Tontonio, quase todo cagado, ou todo quase cagado, jurou que voltava a pé, mas com o Pedro de BGZ, nem morto. Pagou com a língua e aproveitou pouco, pois no dia seguinte foi pular uma rede, coisa que ninguém acostumado com fazenda faz, enganchou o pé, caiu de cara e quebrou o cotovelo. Teve que embarcar as pressas e com o Pedro no comando e veio para Corumbá para ser operado. Na chegada, quando começou a chiação do radio, e ele morrendo de dor, o Pedro vira pra ele e fala:
- Esse radio não escuta, mas fala.
- Isso é o que você acha, pois ouvi uma conversa entre dois surdos e ambos pensavam assim e ninguém falava coisa com coisa. Quem te garante que o controle não esta falando com outro avião ou te respondendo: "Não estou entendendo merda nenhuma. Joga a bosta de seu radio fora". Novo sofrimento, novamente o pescoço torto para tentar escutar melhor e pouso em Corumbá. Tontonio foi operado e até hoje não estica o braço completamente, mas por causa de uma rede. O BGZ, mesmo surdo e talvez mudo também, fez a parte dele.