quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Histórias da aviação pantaneira - I

Depois que caí com um Boeing 737 em um pouso em Campo Grande, fiquei com medo de avião. Você sai daquela fase de "com esse monte de avião voando, não vai cair logo o meu" e começa com outros pensamentos do tipo "com essas milhares de peças, parafusos, canos e conexões hidráulicas, circuitos elétricos e eletrônicos em abundância, fadigas estruturais de todos os tipos, será que com tanta coisa podendo dar errada não vai acontecer algo no meu avião?". Estava nessa fase de voar é para passarinhos, quando comprei nosso primeiro avião, o PT-DMI. Não tinha jeito, tinha que ir a um monte de lugares ao mesmo tempo e alguns acessível só de avião e tive que encarar. Para perder o medo resolvi aprender a pilotar. O interessante é que você quando entra para esse clube, passa a ter acesso as histórias de acontecimentos que antes faziam segredo para você. São tantas que daria para escrever um livro só com elas e selecionei as melhores para deixar registradas aqui.
Teve a do Eleutério Gouveia, um português e dos melhores amigos de papai. Era dono da fazenda Noroeste e tinha um Sky Lane 172 para ir até ela, isso na década de 60. Ele é uma das provas que asfalto encurta distâncias. A fazenda dele ficava antes da nossa Angico, que foi a base de nosso avião por muito tempo. Ele usava o avião para ir para a dele, pois a estrada era de terra e quase intransitável durante as águas. Agora é tudo asfaltado e vamos a Angico de carro pegar o avião para vôos mais longos. Mas voltemos ao Eleutério. Era muito cedinho e ele chegou ao aeroporto de Corumbá, fez seu plano de vôo e quando estava abastecendo a aeronave, um companheiro seu comentou que o teto, no rumo que ele ia, estava um pouco baixo. Ele ignorou o comentário e decolou mesmo assim. Passados não mais que 5 minutos, estava o Eleutério de volta a Corumbá deixando a todos entre assustados e curiosos. Quando perguntaram a ele o que tinha acontecido, veio a pérola lembrada por todos 50 anos depois:
-No meu caminho tem muitos morros, como não vi nenhum, voltei.
Tem a do Pavão, piloto bom e experiente. Isso depois de 30 anos voando nesse nosso pantanal, mas um dia ele começou. Em um dos seus primeiros vôos solo, estava com a namorada que hoje é a avó de seus netos, quando saiu de não sei onde para não interessa o lugar. A pior pane que existe nessas pequenas aeronaves é o pane seco. O motor dá duas pipocadas (falhadas) e para. Quando está funcionando e ali no seu nariz e sem isolamento acústico nenhum, a coisa mais importante nesses pequenos veículos aéreos é o baixo peso, você não consegue escutar outra coisa, a não ser o seu ronco e para quem gosta de aviação essa é a melhor música. Nada como um IO 520 de 300 HP, gritando no seu ouvido por duas horas. É por isso que 90 % dos pilotos continuam escutando-o mesmo depois de pararem de voar. São todos surdos para outros sons abaixo dos 80 dB. Mas voltemos ao vôo do Pavão. Estava se mostrando para a namorada e a uns 3000 pés quando deu as duas pipocadas e apagou o seu continental (isso é marca de motor e não de cigarro). Naquele ambiente de um barulho que não se ouvia outra coisa, mudança drástica para escutar todos os sons que só quem já teve um pane seco conhece. O ranger da fuselagem, o vento escoando pela asas, e o coração do piloto. Não tem silêncio pior e mais angustiante. Você esquece todos os procedimentos de emergência e só pensa que sua hora chegou. Mas o Pavão, segundo ele, não se apavorou, mas quem já passou por isso garante que não tem quem não fique de cú trancado. Mas isso não significa que você não vai "morrer tentando". O grande problema de um pouso sem motor é o de você não chegar ao ponto estabelecido ou chegar com velocidade muito alta O principio da aviação é muito simples e baseado numa das leis da física mais antiga, que é a de Bernouille. Com base nela você tem um aumento da velocidade do ar na parte superior da asa, por causa da curvatura de seu perfil, e com Isso uma diminuição da pressão nessa superfície, o que dá a sustentação do avião, ou seja, ele tem que ter uma velocidade mínima para voar. Sem motor, você tem que colocar o nariz do bicho para baixo e ir perdendo altura e mantendo a velocidade mínima de sustentação. O quanto você baixa dividido pela distância percorrida é chamada de razão de planeio. No final que você da o flap para pousar com a menor velocidade possível mas se isso for feito antes, você não chega na pista, e se feito depois você chega com muita velocidade, o que foi o caso do Pavão. Assim que o motor parou, ele avistou uma baía e na sua frente, um campo natural e pensou que se chegasse até ali, conseguiria colocar o bichinho no solo. Foi para o pouso e contam os companheiros da época que ele só falava:
-Minha nossa senhora, nós vamos sair dessa. Fique tranqüila.
A noiva não entendia quem tinha que ficar tranqüila. Mas o Pavão pousou, no ponto que tinha calculado, mas deu os flaps um pouco atrasados e a baía chegou antes do avião estar parado. Quando a biquilha entrou na água, o avião pilonou, ficou de cabeças para baixo e parou. Ele verificou que a namorada estava bem, soltou seu cinto e gritou:
-Corre que vai pegar fogo.
Ela saiu devagarzinho e assim foi atrás dele e quando ele insistiu no "vai pegar fogo" ela respondeu:
-Com que combustível?
Dizem as más línguas, que nessa hora ele quase desmanchou o namoro, mas acabaram se casando e estão nesse estado até hoje.

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