segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Aviação Pantaneira II

Luis Mario Sabatel é um piloto de primeira categoria. Tínhamos um Baron B-58, que era a coisa mais linda. Esse tipo de avião é considerado o Rolls Royce dos bimotores a pistão. É fabricado pela Beachcrafth, a mesma que fabrica os Kings e os Bonanzas. O Luis Mario foi o que mais voou esse avião para gente. Como era free lancer, dávamos a preferência para ele e era sempre o primeiro a ser chamado. Só procurávamos outro quando ele não podia nos atender. Foi meu professor e meu solo (primeiro vôo sozinho) foi com ele. Você faz uns três turnos de pista, com toque e arremetidas com o instrutor do lado, deixa o mesmo na pista e sem desligar o avião faz mais três. Após isso toma um banho de óleo que é o batismo. Gostava muito de sua conversa pois, como todos os pilotos pantaneiros, tinha muitos "causos", e um melhor do que o outro.
Um dos mais interessantes foi quando ele estava de Corumbá para uma fazenda no pantanal, que não me lembro mais qual, com a família do fazendeiro completa, esposa, dois filhos, uma babá e uma cabra. É cabra mesmo, a fêmea do bode. No embarque ele ficou meio relutante, pois já tinha carregado um burro uma vez no garimpo, e o mesmo que estava dopado acordou em pleno vôo e tiveram que jogá-lo pela porta. Quis dar um dopante para ela, mas disseram que já tinham feito isso. Quando ele falou que a cabra não estava com cara de quem tinha sido bodada, ele conta que deram uma resposta ambígua, dizendo que ela era muito nova ainda para isso. Decolaram e no meio da viagem ele começou a sentir um cheiro de fumaça e logo em seguida o motor começou a pipocar e jogar óleo no pára-brisa. A fumaça começou a tomar conta no avião e foi aquele pânico. Reduziu a velocidade ao mínimo, abriu as janelas para ventilar a fumaça e começou a procurar um lugar para pousar. Por sorte estavam sobrevoando uma área seca e de pasto e conseguiu vislumbrar, pelo vão de óleo no pára-brisas, um lugar para colocar seu Sky Lane. Apagou o motor, desligou o master para evitar um incêndio maior ainda e foi em espiral descendente para o pouso. Conseguiu colocar o avião no chão sem qualquer problema e assim que o mesmo parou ele procurou pelos passageiros, já soltando o seu cinto, para mandar correrem, pois não sabiam a extensão do incêndio no motor. Não viu mais ninguém dentro do avião e quando saiu para correr viu os seus passageiros já a uns 20 metros da aeronave e na frente de todos estava a cabra dopada. Contou que nunca viu um povo mais liso para correr do que aquele e isso incluía a cabrita.
Uma outra interessante dele foi quando estava voando sozinho para Campo Grande e lhe atacou uma dor de barriga sem igual. Ele fez as contas de quanto custaria desviar a rota, achar uma pista para pousar, usar o banheiro e decolar novamente. Ia ser a cagada mais cara da vida dele, mas o desespero era grande. Se arrepiava inteiro e sabia que tinha que tomar uma atitude ou faria nas calças. Aí teve a idéia. O chapéu era um stetson de R$ 100,00 reais em dinheiro de hoje. Muito caro mais infinitamente mais barato que a alternativa de pousar para, conforme suas palavras, soltar o barro. Como não conseguia fazer o número 2 sem o número 1, secou a garrafinha d'agua que sempre levava com ele e a usou para o número 1. Tirou as calças com cueca, colocou o chapéu no vão dos dois bancos, ficou com uma popa em cada banco, fez pontaria e bombardeou o chapéu. Na quarta bomba começou a ficar preocupado com a possibilidade de transbordar. Mas o stetson agüentou firme. Aliviado e satisfeito com a boa idéia, reduziu o motor ao mínimo que pode e com full flap, abriu a janela e jogou, primeiramente, a garrafinha devidamente tampada. Operação perfeita, pois ele tinha medo de atingir o profundor ou o leme com a mesma. Tinha fechado a janela e olhando para o stetson que estava mais pesado e incomodo de manusear. Mas não poderia pousar no aeroporto internacional de Campo Grande com aquilo tudo. Não tinha como descer do avião e pegar os passageiros com aquele cheiro insuportável. Tinha que se desfazer do bolo. Estava a 5500 pés e a operação era segura pois, por sorte, a consistência do coco era boa. Novamente reduziu a máquina, deu full flap e estava numa velocidade de pré stol, algo em torno de 40 a 45 nós, quando abriu a janela. Essas janelas não abrem como a de automóvel mas são basculantes e abrem uma pequena fresta, de no máximo uns 10 cm. Quando ele fechou o chapéu para jogá-lo com a merda que deu a mesma. Não passava pela fresta e na espremida para ela passar, junto com o vento que entrava na cabine, aquilo foi pulverizado e bosteou a cabine do avião inteira.
Ele não acreditava que aquilo tinha acontecido. Não pousou no aeroporto internacional e foi para o Santa Maria, onde estava a oficina que fazia as revisões de seu avião. Quando encostou no hangar e os mecânicos se aproximaram e viram ele sair todo cagado, não entendiam como ele tinha conseguido aquilo. Quando ele explicou o acontecido com todos os detalhes, perguntaram o porquê dele não usar o jornal que estava no banco de trás. Aí que ele viu que tinha um Estadão, daqueles de Domingo, com 50 folhas inteirinho ali e a sua distração lhe custou um stetson, uma zorba zero bala, uma lavagem e higienização interna completa da aeronave, um pouso e uma decolagem a mais, pois teve que ir ao aeroporto internacional pegar os seus passageiros. Segundo ele, foi um dos vôos em sua vida que mais deu merda, literalmente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário