quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Aviação Pantaneira - III

A grande vantagem deste pantanal é que ele todo é uma grande pista de pouso. A quantidade de incidentes que conhecemos e que terminam sem vitimas é enorme. Panes em que o cara acaba vindo para o chão são inúmeros e todos contados pelos próprios pilotos e com isso a autoconfiança vai aumentando, não só do piloto como também do proprietário da aeronave. O Vitor Lima era um fazendeiro e comprador de gado para terceiros. Ele intermediava a compra entre os invernistas de São Paulo e os criadores pantaneiros e tinha seu avião para fazer os apartes de gado. Cada vez, antes da decolagem e enquanto o piloto esquentava o motor ele reclamava que ia acabar o combustível e que aquilo era frescura. A resposta era sempre a mesma, que não era frescura e sim esquentamento, que tinha que afinar o óleo para entrar em todos os buraquinhos e lubrificar o motor. Ele argumentava ainda do porque já não colocar um óleo fino e não gastar aquele dinheirão ali parado. Ele tinha um fusca e não ficava tanto tempo parado assim. Às vezes, para reforçar o argumento, falava que já tinha esquentado no dia anterior. Acabavam abusando.
Teve um lance com o Luis Mario, quando ele foi pegar a família de um fazendeiro que tinha passado as férias no pantanal. Estava a mulher, a empregada, umas 6 crianças e um monte de carga. Como teriam que ser duas viagens, ele retirou os dois bancos de trás do seu Skylanne, embarcou a mulher do homem na frente com ele e enfiou as crianças sentadas no chão sem cinto de segurança, sem nada, travou a porta e embarcou por último. Entre a gurizada, tinha um de criação, filho de um empregado e que estava com uns 7 anos e era o maiorzinho da turma. Ele colocou esse junto à porta por segurança e avisou a ele que não mexesse em nada e cuidasse dos menores. Seu único medo era um pestinha daqueles abrir a porta. De tanto em tanto ele confirmava que estava tudo bem e certificava que o guri estava na mesma posição que ele tinha colocado. Achou que o bichinho nem mexia de medo e isso porque ele mentiu que se abrisse a porta o avião cairia, e como era o seu primeiro vôo, acreditou. Quando chegou a Corumbá e foi desembarcar a turma, viu o motivo da imobilidade total do gurizinho. Na hora de travar a porta dos passageiros ele prendeu a orelha, que não era pequena, do pequeno e isso o deixou de cabeça colada na porta. Quando ele viu aquilo e aquele orelhão vermelho perguntou ao menino porque ele não avisou que sua orelha tinha ficado presa, ao que o marinheiro de primeira viagem respondeu que tinha achado que era o cinto de segurança.
E pousavam no aeroporto de Corumbá, desembarcavam oito pessoas num avião homologado para quatro e com todo DAC olhando. Foram os pioneiros dessa aviação nossa e fundaram muitas fazendas. Tinham até linhas aéreas regulares levando e trazendo passageiros, cartas e encomendas, ligando Corumbá a essas fazendas em que o acesso, até hoje é, só por avião. Posso falar, sem nenhum exagero, que conhecem cada palmo desse nosso pantanal. Viajei muito, tanto com o Zé Mauro quanto com o Luis Mario e nunca fiquei sem respostas quando perguntei ou que fazenda era aquela ou que rio ou coricho era aquele. Muitas vezes, ou quase sempre, eles conheciam até o campo de qual fazenda era. Muitas fazendas que fui ver para comprar, o Zé Mauro conhecia a sua divisa toda.
Eu que comecei a voar com 40 anos e na tecnologia do GPS, não conheço nada. Como a Maria Tereza falou, burro velho não pega marcha, e tinha razão, nunca voei sem GPS. Em compensação conhecia tudo do mesmo. Andava em cima da rota e economizava muito combustível, pois aprendi cedo que a menor distância entre dois pontos é a linha reta. Num dos primeiros vôos meu com o saudoso primo Zé Alberto, indo para a sua fazenda, a Cocaes, ele começou a me pertubar dizendo que eu estava no rumo errado. Mostrei o GPS a ele, explicando que aquele traço vertical no visor representava a rota e aquele acento circunflexo era o bico do avião e como ele podia notar o mesmo estava bem em cima do traço, indicando que estávamos em cima da rota. Ele deu uma de suas risadas de lado e perguntou se eu sabia, ou pelo menos tinha idéia, de quantas vezes ele já tinha feito aquele trajeto. E completou dizendo que ele nunca iria acreditar num aparelhinho daqueles. Fui dando corda nele para ver em que momento ele perceberia que passou a vida toda voando em zig zag. Quando conseguimos avistar a Baía de Cocaes que tem um formato de amendoim, e a proa mantida sobre o mesmo traço no "aparelhinho" apontei-a com o beiço e fiquei olhando para ele. Deu uma risada amarela e antes dele falar alguma coisa eu me antecipei e disse:
- Ta vendo!

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