Se você quiser que um apelido pegue, basta ficar zangado quando for chamado por ele. Eu já tive muitos e variavam com o local e idade e nenhum pegou. Até os 10-12 anos, era o Tadeu Pneu. Acho que era por causa da rima, pois meu primo também era Dirceu Pneu. Até hoje nos tratamos por Pneu. Passei algum tempo como Tadeu Bostinha, por causa do cavalo Baio Bosta que me jogou de cara no chão. Fui estudar em São Paulo, tinha gente que me chamava de Marinho, Indio, mas sempre fui Tadeu para a maioria. Agora para os netos sou o vovô Tatá. Nunca me importei com nenhum deles. Mas conheço gente que joga pedras, corre atrás, xinga a mãe quando é tratado pelo apelido e outros que não sei nem o nome, só o apelido. Da turma dos que não gostam, o pior foi o Arildo. Ele tinha uma Farmácia e andava com os pés para fora, tipo papagaio. Botaram um "Dez pras Duas" nele. O homem ficava uma fera e queria comer o fígado quando alguém se dirigia com esse nome a ele. Fiquei sabendo isso da pior maneira possível pois, eu com 10 anos, me mandaram na Farmácia dele procurar pelo "Dez pras Duas", e pegar uma encomenda e não falaram que ele detestava o apelido. Inocentemente, cheguei nele e falei:
-Dez pras Duas?
Ele respondeu um "Não" meio seco e, com os olhos, procurou alguém.
-Sabe quem é? Insisti, pois achei que ele estava procurando pelo sujeito
-Sei, ele respondeu e completou já não agüentando - a puta que o pariu, seu filho da puta.
Como era criança fiquei sem reação e olhei para o outro lado da rua, onde estava o João Vitor, amigo de meu pai e que me aprontou essa. Ele estava rachando de dar risadas.
Mas as historias do Arildo são inúmeras e cada uma mais engraçada que a outra. Saiu uma propaganda dos relógios Seiko, e era uma folhinha grande onde tinha um relógio desenhado marcando 10 para as duas. Um dia chega uma dessas pelo correio para ele. Vinha com uma espécie de AR para ele assinar e o "Filho da Puta" sobrou para o carteiro.
Na farmácia dele, atrás do balcão, tinha um relógio elétrico de parede. O Antonio de Arruda, o dentista de todos da cidade, seu vizinho e muito gozador, sincronizou seu relógio com o da Farmácia. Ligou para ele e ficou de papo até dez pras duas em ponto, e aí perguntou as horas. O Arildo respondeu com o FDP dele e bateu o telefone. Quando isso aconteceu, ficaram sem se falar por dias, até o Antonio pedir desculpas, mentir que foi coincidência e o escambau. Fizeram as pazes mas o Antonio não agüentou e aprontou de novo. Na comemoração dos 50 anos do Arildo, o Antonio entra em seu quarto e, usando o telefone da cabeceira, chama o serviço de despertador recém inaugurado em Corumbá, e pede para ser chamado às 10 pras 2 da madrugada. Completa, ainda, dizendo que quando ele estava com sono tinha a mania de xingar, mas que a telefonista, já antecipadamente, o perdoasse mas que enquanto não tivesse certeza que ele estivesse acordado não deixasse de ligar, e sempre dizendo que já eram 10 pras 2, já passava de 10 pras 2, sempre martelando nesse horário, pois ele tinha que ir para Campo Grande para a reunião mais importante da vida dele, blá blá blá... O serviço era que nem de hotel, tudo manual. A pessoa passava o tempo todo ligando e quando tinha mudança de turno, deixava tudo escrito, inclusive as observações que os clientes faziam. Você pagava por cada ligação e tinha adicional se fosse repetido, pois era tido como serviço despertador. Depois de dado o recado a pessoa retornava para o número que tinha que chamar e confirmava tudo. Depois de certificado que a armadilha estava bem armada, o doutor foi para casa dormir. Chegou no dia seguinte prestando a maior atenção em todos os movimentos em volta do seu consultório e estava tudo muito quieto para 8:00 hs da manhã. Estacionou seu carro e foi abrir a porta de blindex de seu consultório.
A chave de sempre não entrava de jeito nenhum e ele começou experimentar outras de seu chaveiro. Nesse ínterim aparece o Arildo e diz:
-Bom dia, doutor. Problemas?
-Não, tudo bem. Acho que a Mari pegou a minha chave e essa parecida aqui não quer entrar.
-Nem essa, nem nenhuma outra vai entrar ai nesse seu buraco. Ele esta cheia de super bonder.
-Mas quem foi o filho da puta que fez isso? - foi uma pergunta que sai do automático do nego emputecido.
-Não sei não, mas deve ser o mesmo filho da puta que ligou pro serviço despertador da minha casa ontem.
-E agora, como vou fazer? Estão chegando meus clientes?
-Experimenta quebrar a porta. Seu prejuízo vai ser menor que o meu, que terei o telefone cortado e provavelmente uma ação por dano moral da telefônica.
Ele sabia que não poderia ser outro e o Antonio ficou tão sem ação que já se denunciou. Acho que depois dessa nunca mais se falaram.
Outro apelido que pegou foi de um peão meu, o Pé de Pano. Ele catracava a filha do capataz e como este era muito ciumento, varria bem a areia em frente da janela do quarto da menina e no dia seguinte ia procurar os rastros por lá. Nunca encontrava nada, pois o Ricardão amarrava um pano em cada pé e não deixava rastros. O apelido só pegou pois os companheiros de quarto descobriram e o chamavam assim, e na frente do homem. Não tinha como ele gostar.
Outra história parecida e que confirma a minha teoria foi de outro peão. Era solteiro e pegava as mulheres dos companheiros todos e vivia de gabando disso. Quando o apelidaram de Ricardão ele gostou e ficou cheio de si. Quando o viram pelado no banheiro e o calibre de sua arma, mudaram para Ricardinho e aí ele já ficou ofendido e na ânsia de se defender, caiu na besteira de dizer que ele duro ficava muito maior. Mudaram para "Picadura de Mosquito" e esse o acompanha até os dias de hoje.