terça-feira, 30 de março de 2010

Sopa Leão Veloso

Tinha um restaurante na rua do Ouvidor no Rio de Janeiro chamado Cabaça Grande. Papai contava que foi a primeira vez lá com seu pai - vovô Marinho. Serviam uma sopa de peixes com frutos do mar que era a coisa mais feia do mundo: um caldo preto com uns olhinhos boiando e se o cara não fosse macho mesmo ele não experimentava nem na porrada. Mas quem tinha coragem se apaixonava na primeira colherada. Era a coisa mais deliciosa do mundo. Sempre que íamos ao Rio era programa obrigatório comer a Leão Veloso, e sempre na mesma mesa para ser atendido pelo seu José, um garçon português de quase dois metros de altura. Por exigência de papai já chegamos até a trocar mesa de lugar para ficar na área do José.

Em 1982 eu morava em Taubaté e ele e mamãe foram nos visitar. No sábado por volta das 7 horas da manhã ele falou:
- E aí? Vamos comer a Leão Veloso?
- Papai! Estamos em Taubaté, a 320 km do Rio! – falei.
Ele rebateu de pronto:
- Então, bem aí para quem estava em Corumbá a 1600 km. Vamos?
Com um argumento desses, só me restou abastecer o monza 2 portas e tocar para o Rio. Só eu e ele, porque não conseguimos convencer ninguém que a Leão Veloso valia isso tudo. Para completar resolvemos conhecer a Rio Santos recém inaugurada, que além de ter uma baita serra até Ubatuba e ser mão dupla, aumentava em mais de 100 km nosso caminho. Mas fomos.

Chegamos no Rio uma e pouco da tarde mas fizemos uma besteira. O restaurante era em uma extremidade da rua do Ouvidor e estacionamos na outra. Andamos umas 10 quadras para chegar, mas na ida foi tranquilo. Tinha motivação e papai era homem de andar 10 km por dia, mas de tênis e não de sapato social como mamãe tinha feito ele colocar. Chegamos e o seu José já falou com seu sotaque carregado quando ainda estávamos na porta:
- Olhe os matogrosso aí! Nem precisa falar que já sei que queres a Leão Veloso! – E abraçou papai. E isso com papai indo no máximo a cada dois anos lá.

Comemos como se fosse a última ceia e já no fim papai falou:
- Acho que você vai ter que ir pegar o carro e trazer aqui pra mim.
- De jeito nenhum. Vou é ficar perdido! Não conheço nada dessa cidade e já errei na chegada. Mas por que?
- A porra do sapato. Machucou meu pé. Tá apertando o pé operado.
Ele nasceu com os pés para dentro e teve que fazer uma cirurgia com 2 anos. Mas essa é outra história. Voltemos ao cabaça grande:
- Experimenta o meu, as vezes dá certo.
E dentro do restaurante passei meu tênis pra ele. Depois de dar uma volta ele falou:
- Vai dar certo, mas só o esquerdo. O direito está grande.
Não teve outro jeito. Saímos do restaurante com um pé no tênis e o outro no sapato e voltamos para o carro, na maior.
De vez em quando ele olhava para mim e dizia:
- Só não podemos encontrar ninguém conhecido. Fora isso, não devo ninguém.

Chegamos quase meia noite em casa com todo mundo super preocupado.
Mamãe que não precisa de muito para perder o sono perguntou:
- Mas por onde vocês andaram?
Ele quem respondeu:
- Mas não avisamos que íamos comer uma sopa leão Veloso, mulher? A aflição toda é porque?
Acho que depois dessa vez, voltei ao cabaça grande mais uma ou duas vezes. Na última vez já não fomos atendidos pelo José. Ficamos sabendo que ele tinha falecido. Coincidência ou não, papai não voltou nunca mais ao Cabaça Grande.

3 comentários:

  1. Ainda vou conhecer essa sopa! Muito tempo ouvindo as historias suas e de vovô. Um dia vou até lá!

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  2. Só quem conhece papai para entender o fato dele não poder ir buscar o carro. Ele realmente ia se perder!
    Adorei! Também quero ir tomar a sopa apesar da descrição...

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  3. Eu já tomei a sopa Leão Veloso a uns dois anos a tras, extamente no mesmo lugar na rua do Ouvidor, só que atualente o nome do Restaurante é King Krab, mas a sopa é exatamente a mesma. Realemnte é uma coisa maravilhasa e vale o esforço!!

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