segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Situações

Às vezes você se vê em situações incomuns e se não tiver tempo para pensar e achar uma saída rápido ela pode se complicar. Uma dessas aconteceu em um aniversário na casa de um amigo. Estava momentaneamente sozinho quando apareceu uma senhora fazendo a maior festa para mim, que ela estava impressionada como o tempo não tinha passado para mim, que eu não tinha mudado quase nada e, pedindo desculpas ainda, completou que se tinha alguma mudança foi para melhor. Fiquei simplesmente apavorado, não conseguia me lembrar da dona de jeito nenhum, e fiquei com aquela cara de bunda e com um meio sorriso no rosto, daqueles que você não mostra os dentes e também não fica de todo indiferente. Quando quis falar alguma coisa neutra para ela não perceber que eu nem desconfiava quem era ela, lembrei-me do Emilio Santiago e resolvi alargar um pouco mais o sorriso e continuar quieto. No fim do monólogo, ela se despediu mandando lembranças para Lenir. A porra da dona passou 15 minutos falando como eu estava bem achando que era o Tontonio. Quando contei a ele o acontecido e que ela disse que eu estava mais bonito ele ficou puto.
Numa outra ocasião estávamos em uma roda de umas 5 pessoas no Posto 10. Eu e o Tontonio encostado no Balcão da conveniência e os outros três, acho que eram Cauto, Ruiwaldo e Antonio de Arruda, fechando a roda. O Tontonio começou a conversar com os três e foi fechando a roda e me colocando de fora, dando as costas para mim, isso sem perceber, pois ele é super desligado. Apesar de serem todos super amigos, ficou aquela situação meio constrangedora para todo mundo, pois nenhum dos três queria interrompe-lo e eu, por mais que me esforçasse não conseguia entrar na roda. Cheguei até a pensar em ir embora, mas isso iria chateá-lo demais e eu tinha certeza que era puro desligamento dele, pois seria incapaz de fazer alguma desfeita a quem quer que seja e muito menos a mim. Resolvi fazer uma brincadeira e o abracei por trás e coloquei o queixo em seu ombro. Ele continuou falando e como não percebeu nada eu comecei a espolegar a sua barriga. O pessoal todo já começou a dar risadas Apertava um pouco, fazia uma caricia típica de marido em mulher grávida e... nada. Resolvi encoxá-lo mais um pouco e levei as duas mãos para seu peito uma em cada lado. Ele automaticamente baixava as minhas mãos para a barriga. Já estava começando a achar que ele estava de sacanagem, pois não era possível que não estivesse percebendo, ainda mais com os tres já dando gargalhas da cena. Como ele falava algo engraçado, pensou que riam disso. Então fui desabotoando a sua camisa e coloquei a mão no seu peito por baixo da roupa. Ai ele se tocou e virou assustado perguntando:
-que porra é essa?
Respondi na maior:
-Ficou de costas para mim eu enlouqueço.
Só ai que ele percebeu a brincadeira. Mas ele é assim e já teve vezes de ele sair e deixar a pessoa falando sozinha sem perceber.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Picolé do seu Erminio

Na esquina de casa tinha um boteco, o Bar de Seu Ermínio. Não lembro de tudo que vendia lá, mas tinha um picolé de coco, que como se diz hoje, era de chupar de joelhos, melhor, comer de joelhos. Tinha três formatos, o cilíndrico, o retangular quase quadrado e de ponta quadrada e o retangular de ponta arredondada. Fazíamos estudos para ver qual era o maior. Eu com 6 anos e o Tontonio com 9, não tinha balanças para pesos tão pequenos na época, e não tínhamos coragem de investir em três maravilhas daquelas e derreter para ver qual era maior. De matemática, só conhecíamos a aritmética e não era suficiente para cálculos tão difíceis. Quando aprendi geometria e as fórmulas para calculo de volumes, lembrei na hora de seu Ermínio. Nossas dúvidas tinham razão de ser, pois todo lucro obtido com a venda de revistas usadas e de suco de limão conseguido na porta de casa era revertido em compras desses picolés. Ele era de coco queimado e como era congelado com o palito para cima, como todos alias, o coco na mistura ia subindo e ficava no palito. O Tontonio, que não era fácil, chupava o dele rapidinho e ficava enchendo minhas pelotas para eu dar o finzinho para ele, exatamente onde estava a melhor parte. Vinha com uma cantada das mais bestas, que ele era mais velho e ia morrer primeiro e eu ia ficar com remorso de não ter dado aquele finzinho para ele. Sempre acabava em mais uma mordida e lá se ia meu finzinho com todo o coco. Depois da terceira ou quarta vez, comecei a comer os palitos pelo lado contrário e a primeira coisa que ia era o coco, mas não era a mesma coisa, pois a tristeza começava mais cedo. O bom mesmo era deixar o finzinho para o fim.
Pode parecer que isso são coisas sem importância e eu achava isso também, até o dia, ele já com 60 anos e eu com 57, começamos a caminhar juntos. Não fazíamos exercício nenhum e resolvemos começar pelo mínimo. Andar por uma hora, não falar de serviço, só besteiras, piadas, e lembrar dos velhos tempos. Cada dia por um lugar diferente da nossa Corumbá, para aumentar a segurança e não ficar monótono. Pegava meu carro, ia até o posto 10, e escolhíamos o trajeto. Às vezes era no Porto, as margens do Rio Paraguai, outras na avenida Gal Rondon, onde estava a nossa casa de infância e o bar de seu Ermínio, que hoje nos pertence e tinha o escritório da Marinho Engenharia. Numa das primeiras vezes que fizemos esse trajeto, as lembranças foram do seu Erminio e dos picolés de coco. Especulamos se ele estaria vivo e se tivesse onde será que morava, pois antes era vizinho do boteco. Numa segunda andada no mesmo local, nós do lado contrário da rua de sua casa, o Tontonio o viu primeiro e todo animado, gritou:
-E aí Seu Erminio, tudo bem?
Ele firma a vista fechando um pouco os olhos e grita de lá.
-Olha os irmãos Marinhos ai.
Na hora aquilo me deu uma tristeza muito grande, pois pela sua resposta achei que ele estava nos confundindo com nossos ascendentes, o Tontonio é muito parecido com o Tio Patrão com sua cabeleira branca e eu com papai ou o tio Alcides, como já falei em outras historias, o galã da família, e estávamos velhos pra cacete. Mas logo veio o complemento:
-Vão comprar picolé de coco?
Acabou a caminhada, mesmo tendo por costume não parar por nada, mas aquela lembrança merecia uma interrompida. Fomos até ele e foi uma festa. O velho devia ter mais de 80 anos e não mudou nada. Parecíamos todos com a mesma idade. Ele estava aposentado, mas só andava de bicicleta. Falou que nós não tínhamos mudado nada e lembrou que todas as vezes que comprávamos os picolés de coco ficávamos medindo para saber qual tinha mais, o cilíndrico, o retangular ou o quadrado. Podem pensar que é exagero, mas nunca mais tomei outro sorvete igual àquele, e olhe que gosto de picolé.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O 2o. Reinício

Tem início e reinício e como é difícil o cara iniciar pela terceira vez, não existe palavra para isso, mas comigo foi assim. Deixei a engenharia depois de 12 anos de formado para ir para o comércio, e depois de dois anos mudei novamente, e desta vez para a pecuária. Eu não sei qual foi a mudança mais radical, pois a segunda foi tora também. Tínhamos uma sociedade, eu e Tontonio, com o Pedro em uma pequena fazenda, a Rancho Alegre, onde explorávamos uma leiteria. Pedro, que era fazendeiro desde que nasceu, que tocava a mesma e não sei por qual motivo, resolveu sair da sociedade e isso da noite para o dia. De repente, eu era responsável por uma fazenda e todo meu relacionamento anterior com uma foi o de passar férias no campo.
Na mesma semana por idéia do Tontonio e Ruiwaldo, nosso amigo e proprietário do "Leite Primavera", fomos todos para Lins fazer um curso intensivo de gado leiteiro. Em uma semana aprendemos tudo sobre alimentação das vacas, como produzir uma boa silagem, a relação ideal de proteína - energia que a ração devia ter. Na parte de sanidade animal, tudo sobre doenças infecto contagiosas e outras, como diagnosticar e qual o tratamento mais adequado. Nas horas de folga conhecíamos todos os restaurantes de Lins e onde tinham os melhores e mais gelados chops. Foi muito proveitoso e no final do curso comprei todos os livros sobre os assuntos abordados. Até hoje me lembro dos professores e na parte de alimentação era um tal de Vidal Faria e na veterinária um tal de Alexandre não sei o que. Depois de muitos anos fiquei sabendo que eram professores da Esalq e foram mestres de meus filhos. Mundo pequeno.
Mas depois disso comecei a tocar a leiteria, era engenheiro e tinha que dar uma de veterinário e acabei por misturar as duas coisas. Fiz uma tabela que nas linhas iam as doenças e nas colunas os sintomas. Media a temperatura e marcava um x se tinha febre; respiração ofegante, outro x; não tinha diarréia não marcava nada e assim ia em todos os sintomas. Depois olhava em que linha tinha mais X's e ali estava a doença. Era pá - terra, num errava uma. Entrava em outra tabela e lá estava a medicação para ser feita para cada doença. Tinha até receituário. Salvei muito bezerro puro de pneumonia, curso negro, etc. Nunca operei, pois era "clínico" e não "cirurgião", mas mesmo assim aprendi a descornar gado erado e a queimar os chifrinhos dos bezerros que nasciam, tanto no ferro quente como com pasta química.
Em compensação muitas das coisas aprendi da pior maneira, dando a cara a tapa. Outro dia peguei minha agenda de 1987 e fiquei bestificado com a quantidade de idiotices que estavam escritas nela. A pior foi o lembrete de comprar sementes de cana para 5 hectares. Como todos sabem, a cana não tem sementes, e se alguém não sabe disso, pode ser tudo na vida, menos agricultor. De outra feita na saída do meu dentista, o Dr. Antonio de Arruda, por falar nisso foi ele quem me lembrou dessa historia, eu começando a mexer com o Rancho Alegre, ele colocou uma bananeira na minha pampa e me mandou plantar na fazenda, que era algo muito especial. Assim o fiz e passei o tempo todo vendo a bichinha crescer e logo atingiu três metros de altura, nunca vi nada crescer tão rápido assim, começou a aparecer o cacho, grande bonito e eu sempre olhando e perguntando se o Carmindo, meu capataz, estava cuidando dela. Um belo dia eu chego na fazenda e não vejo a bananeira. Assim que entrei na casa vi aquele mundo de cacho de bananas sobre a mesa e o Carmindo sentado no banco e começou nosso diálogo:
-e ai, tudo bem, o que houve com a minha bananeira?
-olha ai - ele apontou o cacho com o beiço.
-sei..., mas e a bananeira?
-cortei.
-o queeee? Você cortou a bananeira que meu amigo me deu! Com ordem de quem?
-mas patrão, olha ai o cacho.
-que cacho? Você vai me dizer que ela morreu parindo esse cacho? Como você cortou essa bananeira sem minha ordem?
Nessa altura do campeonato, o Carmindo já não sabia se ria ou se chorava. Já estava na dúvida se existia bananeira que dava dois cachos, um depois o outro, ou se eu que era tão burro e não sabia que bananeira deu cacho tem que cortar mesmo. Era a segunda opção, lógico. Quando ele me falou isso eu disfarcei e falei que eu sabia disso, mas tinha que esperar mais um pouco, as bananas tinham que encorpar mais e outras merdas. Na primeira ida a São Paulo comprei um livro de fruticultura que tem tudo quanto é arvore, como plantar, espaçamento mínimo entre elas, tipo de adubo e clima para cada espécie, e o que a gente pensar. Hoje fico pensando nesse tal de Google e vejo como minha vida teria sido muito mais fácil se tivesse ele naquela época. Mas fazer o que, além de dizer que "não foi fácil".

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Meus sogros

Dr. Pedrinho, meu sogro, era um cara fora de série, médico, gostava de ler e conhecia tudo. Todas as vezes que eu discutia com Bea, era com ele que tirávamos as dúvidas. De cinema ele sabia o nome dos artistas e de todos os filmes. Era muito espirituoso e não dispensava um bom trocadilho. Não o conhecia ainda e estava na paquera com Beá quando fomos a um baile no Corumbaense. Estávamos no corredor da entrada, sentados em uns sofás que tinham ali (impressionante pensar que tinham sofás naquele lugar e limpos, e brancos, bons tempos, hoje estariam todos, no mínimo, vomitados) e num papo muito bom, quando ele chegou e falou:
-E aí, vamos embora?
Enquanto eu me levantava e dava "boa noite", Bea falou:
-Mas já?
Ele respondeu, de pronto:
-Não, vamos dormir aqui. Aqueles senhores ali são os músicos. -falou apontando para um grupo de rapazes que estavam saindo e nunca tinham tocado nada na vida. O baile tinha acabado e nós não tínhamos percebido.
Mas também era brabo e não gostava de ser gozado, mas sua educação não permitia que ele xingasse ou coisa assim. Amarrava a cara e pronto. Logo que mudamos para Taubaté, ele com D.Odilza foram nos visitar, estávamos com dois para três anos de casados e tínhamos acabado de comprar a nossa primeira casa própria. Ele reuniu a todos na sala para tirar fotos estreando a máquina nova e como queria sair nela, colocou-a no temporizador. Como ele não sabia regular, saiu o chão na primeira, ele de costas na segunda, tentando se sentar na terceira e isso com todo mundo dando risadas. A cada tentativa frustrada, aumentava sua raiva e despesa, pois antigamente era tudo papel, nem se pensava em foto digital. Aí eu resolvi fotografá-lo regulando a máquina e registrar para a eternidade esse seu momento de aborrecimento. (Espero que o Beto ache essa foto.)
Íamos ao Rio de Janeiro e ele nos levava no Barril 500 ou no Castelinho para tomar um chopinho. Quando eu falava em dividir a conta ele vinha com seu provérbio, que hoje sou eu quem uso, que é: "Em rinha que tem galo, frango não entra".
Minha sogra também é fora de serie, e não me lembro de ter escutado um não seu a um pedido de Beá ou de meus filhos. Quando morávamos em Taubaté, no mínimo eles, às vezes com Bea, passavam todas as férias de julho e de final de ano aqui, e não eram fáceis. Ela fazia um picolé de bocaiúva e colocava num saquinhos que parecia uma camisinha e eles ficavam o dia inteiro com aquela coisa na boca, horrível, e como era feito por ela ou por sua ordem não tinha como tirar aquilo deles. Com o tempo todo mundo entrou no sorvetinho de camisinha dela.
Logo que mudamos para Corumbá, como a casa que compramos tinha que passar por uma reforma, fomos morar com eles. O programa principal era ver filmes em casa, pois o videocassete estava recém lançado. Quem mais se arrumava para a cessão de cinema era a Odilza, que colocava até pijama e, normalmente, dormia antes que o mesmo começasse. Mas teve um lance muito engraçado , contado pela Mena, minha cunhada.
Quando ela morava com eles, chegando meio tarde em casa e vendo a luz da sala acesa, foi até lá e viu a cena, a irmã mais velha da Odilza, a Jacy, foi visitá-la com o marido Israel e estavam os quatro dormindo na sala. Quando a Mena a chamou e ela vendo a Jacy, acordou assustada e falou: "Vamos Pedrinho que já esta tarde e não é mais hora de visitar ninguém". Quando percebeu que ela era a anfitriã e não a visitante já era tarde e a sorte, foi que todos recém acordados e ainda com muito sono, não estavam em condições de interpretar suas palavras.
Ele foi um sogrão e ela é uma sogrona.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Falo

Papai era uma cara que gostava de estudar as palavras, discutir sobre sua origem e variações desde muito cedo. Já contei aqui quando levei uma puteada dele por falar esculhambação e bagulho na frente de mamãe e isso quando eu tinha uns 12 anos e tudo por causa da origem das palavras, que eu nem desconfiava qual era.
Tinha uma manias que nunca entendi o porque. Ninguém podia falar "porra" na frente dele que ele falava: "Porra exclamou o Barão, e a Baronesa levemente ruborizada...", e ele parava, quando todos, sem entender, perguntavam: "e daí", e ele continuava: "...e daí acenderam-se as luzes e o baleiro começou a gritar - balas, bom bom, chocolate, quem vai querer?", e continuavam sem entender o porque de tudo aquilo, mas a repetição é que fazia a coisa ficar engraçada. Até hoje quando alguém fala porra na frente de outro já vem a historinha de seu Alberto.
Quando ele começou a escrever, o Rubens de Castro, Baiano para os íntimos, era seu crítico, e um dia começaram a discutir sobre quem sabia mais português, e um começou a perguntar o significado das palavras para o outro. Estava empatada a disputa quando papai falou:
-Baiano, vou falar uma palavra e se você souber o significado dela eu tiro o meu chapéu e declaro você o vencedor.
-Fala português - respondeu o Baiano.
-Falo - falou papai.
-Então fala. - insistiu o Baiano.
-Já falei- insistiu papai.
-Fala de novo, porra, que eu não escutei.
-Falo - Repetiu papai.
E o Baiano olhando pra cara dele esperando.
-Falo é a palavra e não é do verbo falar.
Baiano pensou, pensou, quis ganhar tempo e disse:
-eu sei..., mas não vou falar.
Papai, grande gozador, esperava por isso e disse:
-Sabe, é o cacete.
-Sei sim.
-Agora você sabe, eu já falei.
O Baiano saiu meio sem entender e no dia seguinte, provavelmente depois de consultar o dicionário, que caiu a ficha dele. Falo é o cacete.

Esse Alberto...

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O cucunhado

Maria Lucia é minha irmã caçula e era casada com o Pedro, irmão mais velho de Bea. Brincávamos um com o outro que se cunhado já é ruim, imaginem cucúnhado, mas gosto muito dele. Fizemos várias viagens juntos e em todas elas os motivos das grandes risadas eram ele.
Em uma das vezes fomos para Disney, só marmanjos, Tontonio com Lenir, Pedro com Maria Lucia e eu com Bea. Andamos em todos os brinquedos e a conversa era sempre a mesma "a que horas se sentiu mais medo". Montanha russa no escuro, elevador que caía do meio do caminho e outras sensações de "agora foi tudo pro saco de verdade" e na saída o Pedro sempre falava que não tinha sentido medo em momento algum.
Lá pelas tantas apareceu um brinquedo novo. Era uma lancha que se embarcava nela, umas 5 pessoas em cada, e ia navegando rio acima, mas muito acima mesmo. Devia ter uma corrente que ia puxando aquela gôndola e cheio de paisagens que te entretinham no caminho e quando você chegava ao topo, entrava em uma gruta escura em que só via a luz de sua saída e... nessa saída tinha uma catarata. O barco despencava lá de cima e você não via a rampa que estava coberto de água e na chegada ela tinha uma curva que amortecia a velocidade. A queda tinha duas características. A primeira era a cortina de água muito pulverizada que existia antes da curva de amortecimento e que dava a impressão, para quem estava começando a queda, que ali era o nível do rio. A segunda era uma máquina fotográfica igual a essas que tem em radares eletrônicos, que fotografava o barco caindo, no exato momento em que você achava que algo tinha dado errado e você ia mergulhar de ponta naquele rio. Essa máquina ninguém via, só na saída do brinquedo, quando numa tela gigantesca aparecia a foto dos neguinhos se cagando todo de medo. Estávamos, como sempre, conversando sobre o momento de maior medo e perguntamos para o Pedro se desta vez ele tinha sentido, pelo menos, um leve receio. No momento em que ele negou e já começou a explicar que ele sabia que tinha a rampa de amortecimento, apareceu a foto de todos nós naquela tela gigantesca. Toda a Disney começou a rir daquela cara de verdadeiro pavor, de "morri", ou de "adeus mundo cruel", do Pedro. Ele estava com os olhos arregalados, a boca aberta numa tentativa de emitir seu último som e completamente sem cor. Quando estava ali a prova do crime e mostrando que ele era o mais cagão da turma, veio a pérola:
-Eu sabia que tinha essa máquina ali e fiz pose para ela.
Respondemos em coro, como se tivéssemos combinado:
-Pose de cagão, Pedro!? Vai tomar no rabo.
Ele tem outra característica marcante, a sua noção de rumo. Parece que o bicho tem GPS na cabeça, coisa que não existia na época. Analisava o mapa alguns minutos e ia onde você quisesse Enquanto só conseguíamos andar pela Av. US ONE, ele cortava caminho pelas vicinais e quando todo mundo achava que ele estava perdido ele punha todos na porta do nosso destino. Tínhamos um amigo, o Claudio, que morava lá e nos ciceroneava em todos os lugares mas teve que viajar a negócios e, muito preocupado, nos deixou sozinhos. Fez um mapa de Miami e marcou com círculos de diferentes cores todos os lugares. Os azuis eram onde poderíamos ir a qualquer hora do dia, os amarelos, somente durante o dia e os vermelhos eram os totalmente proibidos. No primeiro dia em que ficamos sozinhos, as mulheres resolveram ir a um shopping no centro da cidade e vi que estava na zona amarela. O pôr do sol era as 18 horas e as 17:00 eu já comecei a encher o saco de todo mundo para ir embora. Então me convenceram que "noite" era depois da janta e não após o sol se por. Já saímos do down town se borrando todo, eu no volante e Pedro de navegador. Era uma dessas vans, quase um mini bus, da Ford. Dentro do carro, todo mundo já tranqüilo, ele perguntou para onde tocaríamos e, as mesmas que inventaram o centro da cidade, escolheram um bairro chic, um tal de Banana Republic. Em uma olhada rápida achei que estava na região vermelha e já ia chiar quando o Pedro falou que era nos arredores do vermelho e não dentro. Já começou a dar as instruções para chegar lá e foi incrível, como se ele conhecesse Miami desde gurizinho, e em dois tempos nos colocou aonde elas queriam. Era uma rua toda iluminada, cheio de gente bonita passeando, charretes puxadas por aqueles cavalos bretões enormes, e todos felizes com o tiro na mosca dele, quando não encontramos lugar para parar. Nesse momento ele extrapolou seus conhecimentos de Miami e me mandou entrar numa ruela a esquerda. Assim que fiz isso, parecia que alguém tinha apagado a luz do sol, ou aquela mulher linda que quando tira a roupa você vê que é um traveco e bem dotado. A rua era toda suja com latas de lixo cheias viradas pelas calçadas e cães famintos revirando-as. Num piscar de olhos tínhamos entrado no círculo vermelho. O primeiro grito que escutei foi de Lenir e era algo como "Senta a pua". Carquei o pé no acelerador e virei na primeira à esquerda cantando pneu, faria o contorno na quadra e voltaria para a zona azul. Nisso me aparece um mundo de crioulo de 2 metros de altura e pesando uns 180 kg atravessando a rua e escutando um radio gravador apoiado nos ombros, maior do que ele. O Tontonio assustou grande e já falou que se desse merda o que ele ia fazer com Pedro ia fazer aquele negão parecer um anjo.
O que o Pedro tinha sobrando em noção de rumo faltava em Tontonio. Certa ocasião ficamos na recepção do hotel mais de 15 minutos aguardando por ele. Se perdeu no trajeto quarto - portaria. O Pedro, todas as vezes em que ele se afastava do grupo para ir ao banheiro, perguntava se ele precisava ir junto.
Mas o pior de tudo era a língua. Não tinha jeito de conseguirmos nos comunicar com os gringos. De certa feita, na estrada de Orlando para Miami, paramos em um posto de estrada onde tinha uma lanchonete dessa parecidas com o McDonald e resolvemos almoçar ali. Pelo número escolhemos os lanches e mostrando com dedos para não ter erro. Todo mundo comido e satisfeito, até demais pois os lanches eram enormes, saí o Tontonio com o Pedro para comprar uma goiabadazinha encapada, de sobremesa que eles tinham visto em uma foto. Estávamos da saída da lanchonete quando aparecem os dois com, cada um com uma bandeja na mão com um sanduíche maior que o primeiro. Quando perguntamos que porra era aquela, responderam em coro que era o acompanhamento da merda da goiabadazinha. Pediram pelo numero e se acharam felizes por não terem comprado para todos nós. Comeram a goiabada e jogaram o resto no lixo.
Na saída de Miami, descemos para arrumar um carregador, pois as mulheres tinham comprado metade da America. Na recepção Pedro resolveu gastar seu inglês com o recepcionista e disse:
-du iu ispiqui purtuguise?
O recepcionista respondeu prontamente:
-no, i don’t.
Quando pensei que tinha acabado o diálogo o Pedro vira para ele e diz:
-Entãoô prestê atençãoô. Eu precisoô de un ca-rre-ga-dour de malas.
Enquanto falava isso fazia sinal com as duas mãos, como de estivesse levantando duas malas. Como o porteiro continuava olhando para ele como se ele fosse um ET ele completou:
-anderestudi?
-Noooou, i d'ont speak your lenguage.
Eu acho que ele não repetiu o portuguese, pois ficou em dúvida se aquilo que ele estava escutando era português mesmo. Nisso chega um porto-riquenho, jamaicano ou coisa que o valha e pergunta em espanhol para ele se podia ajudar.
O Pedro na alegria de quem foi salvo pelo gongo fala
-oh, ooouh, yés, yeeeés. Nós queremôs un carregadôr de malas.
-Ok, ok, let's go!
O cara saiu com o Pedro atrás, olhando para mim com uma cara de "Ta vendo", que lembrei do José Alberto. Até hoje tenho dúvidas se o Pedro percebeu que o carregador falava espanhol ou acha ainda que ele entendeu o seu inglês perfeito.
De outra, fomos para o Chile e estávamos em Iquique. Sentamos no bar do hotel para esperar Lenir, que estava atrasada, para variar, quando o garçom chegou perguntando a ele:
-Buenas tarde. Bebem algo?
O Pedro foi o primeiro a se manifestar e disse eu seu espanhol perfeito:
-Si, si, una cueca cuela, por favor.
Quase matou a gente de rir. Mas tinha uma característica que temos que reconhecer, o bicho não ficava inibido e não deixava ninguém falar por ele.
Mandava as roupas para a lavanderia e pedia para trazerem "chiquitito", pedia um café "ratito" e por aí afora. Confundia-se todo e aos chilenos também, mas como ele mesmo dizia, que ia, ia. Companheirão de viagens.