quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O cucunhado

Maria Lucia é minha irmã caçula e era casada com o Pedro, irmão mais velho de Bea. Brincávamos um com o outro que se cunhado já é ruim, imaginem cucúnhado, mas gosto muito dele. Fizemos várias viagens juntos e em todas elas os motivos das grandes risadas eram ele.
Em uma das vezes fomos para Disney, só marmanjos, Tontonio com Lenir, Pedro com Maria Lucia e eu com Bea. Andamos em todos os brinquedos e a conversa era sempre a mesma "a que horas se sentiu mais medo". Montanha russa no escuro, elevador que caía do meio do caminho e outras sensações de "agora foi tudo pro saco de verdade" e na saída o Pedro sempre falava que não tinha sentido medo em momento algum.
Lá pelas tantas apareceu um brinquedo novo. Era uma lancha que se embarcava nela, umas 5 pessoas em cada, e ia navegando rio acima, mas muito acima mesmo. Devia ter uma corrente que ia puxando aquela gôndola e cheio de paisagens que te entretinham no caminho e quando você chegava ao topo, entrava em uma gruta escura em que só via a luz de sua saída e... nessa saída tinha uma catarata. O barco despencava lá de cima e você não via a rampa que estava coberto de água e na chegada ela tinha uma curva que amortecia a velocidade. A queda tinha duas características. A primeira era a cortina de água muito pulverizada que existia antes da curva de amortecimento e que dava a impressão, para quem estava começando a queda, que ali era o nível do rio. A segunda era uma máquina fotográfica igual a essas que tem em radares eletrônicos, que fotografava o barco caindo, no exato momento em que você achava que algo tinha dado errado e você ia mergulhar de ponta naquele rio. Essa máquina ninguém via, só na saída do brinquedo, quando numa tela gigantesca aparecia a foto dos neguinhos se cagando todo de medo. Estávamos, como sempre, conversando sobre o momento de maior medo e perguntamos para o Pedro se desta vez ele tinha sentido, pelo menos, um leve receio. No momento em que ele negou e já começou a explicar que ele sabia que tinha a rampa de amortecimento, apareceu a foto de todos nós naquela tela gigantesca. Toda a Disney começou a rir daquela cara de verdadeiro pavor, de "morri", ou de "adeus mundo cruel", do Pedro. Ele estava com os olhos arregalados, a boca aberta numa tentativa de emitir seu último som e completamente sem cor. Quando estava ali a prova do crime e mostrando que ele era o mais cagão da turma, veio a pérola:
-Eu sabia que tinha essa máquina ali e fiz pose para ela.
Respondemos em coro, como se tivéssemos combinado:
-Pose de cagão, Pedro!? Vai tomar no rabo.
Ele tem outra característica marcante, a sua noção de rumo. Parece que o bicho tem GPS na cabeça, coisa que não existia na época. Analisava o mapa alguns minutos e ia onde você quisesse Enquanto só conseguíamos andar pela Av. US ONE, ele cortava caminho pelas vicinais e quando todo mundo achava que ele estava perdido ele punha todos na porta do nosso destino. Tínhamos um amigo, o Claudio, que morava lá e nos ciceroneava em todos os lugares mas teve que viajar a negócios e, muito preocupado, nos deixou sozinhos. Fez um mapa de Miami e marcou com círculos de diferentes cores todos os lugares. Os azuis eram onde poderíamos ir a qualquer hora do dia, os amarelos, somente durante o dia e os vermelhos eram os totalmente proibidos. No primeiro dia em que ficamos sozinhos, as mulheres resolveram ir a um shopping no centro da cidade e vi que estava na zona amarela. O pôr do sol era as 18 horas e as 17:00 eu já comecei a encher o saco de todo mundo para ir embora. Então me convenceram que "noite" era depois da janta e não após o sol se por. Já saímos do down town se borrando todo, eu no volante e Pedro de navegador. Era uma dessas vans, quase um mini bus, da Ford. Dentro do carro, todo mundo já tranqüilo, ele perguntou para onde tocaríamos e, as mesmas que inventaram o centro da cidade, escolheram um bairro chic, um tal de Banana Republic. Em uma olhada rápida achei que estava na região vermelha e já ia chiar quando o Pedro falou que era nos arredores do vermelho e não dentro. Já começou a dar as instruções para chegar lá e foi incrível, como se ele conhecesse Miami desde gurizinho, e em dois tempos nos colocou aonde elas queriam. Era uma rua toda iluminada, cheio de gente bonita passeando, charretes puxadas por aqueles cavalos bretões enormes, e todos felizes com o tiro na mosca dele, quando não encontramos lugar para parar. Nesse momento ele extrapolou seus conhecimentos de Miami e me mandou entrar numa ruela a esquerda. Assim que fiz isso, parecia que alguém tinha apagado a luz do sol, ou aquela mulher linda que quando tira a roupa você vê que é um traveco e bem dotado. A rua era toda suja com latas de lixo cheias viradas pelas calçadas e cães famintos revirando-as. Num piscar de olhos tínhamos entrado no círculo vermelho. O primeiro grito que escutei foi de Lenir e era algo como "Senta a pua". Carquei o pé no acelerador e virei na primeira à esquerda cantando pneu, faria o contorno na quadra e voltaria para a zona azul. Nisso me aparece um mundo de crioulo de 2 metros de altura e pesando uns 180 kg atravessando a rua e escutando um radio gravador apoiado nos ombros, maior do que ele. O Tontonio assustou grande e já falou que se desse merda o que ele ia fazer com Pedro ia fazer aquele negão parecer um anjo.
O que o Pedro tinha sobrando em noção de rumo faltava em Tontonio. Certa ocasião ficamos na recepção do hotel mais de 15 minutos aguardando por ele. Se perdeu no trajeto quarto - portaria. O Pedro, todas as vezes em que ele se afastava do grupo para ir ao banheiro, perguntava se ele precisava ir junto.
Mas o pior de tudo era a língua. Não tinha jeito de conseguirmos nos comunicar com os gringos. De certa feita, na estrada de Orlando para Miami, paramos em um posto de estrada onde tinha uma lanchonete dessa parecidas com o McDonald e resolvemos almoçar ali. Pelo número escolhemos os lanches e mostrando com dedos para não ter erro. Todo mundo comido e satisfeito, até demais pois os lanches eram enormes, saí o Tontonio com o Pedro para comprar uma goiabadazinha encapada, de sobremesa que eles tinham visto em uma foto. Estávamos da saída da lanchonete quando aparecem os dois com, cada um com uma bandeja na mão com um sanduíche maior que o primeiro. Quando perguntamos que porra era aquela, responderam em coro que era o acompanhamento da merda da goiabadazinha. Pediram pelo numero e se acharam felizes por não terem comprado para todos nós. Comeram a goiabada e jogaram o resto no lixo.
Na saída de Miami, descemos para arrumar um carregador, pois as mulheres tinham comprado metade da America. Na recepção Pedro resolveu gastar seu inglês com o recepcionista e disse:
-du iu ispiqui purtuguise?
O recepcionista respondeu prontamente:
-no, i don’t.
Quando pensei que tinha acabado o diálogo o Pedro vira para ele e diz:
-Entãoô prestê atençãoô. Eu precisoô de un ca-rre-ga-dour de malas.
Enquanto falava isso fazia sinal com as duas mãos, como de estivesse levantando duas malas. Como o porteiro continuava olhando para ele como se ele fosse um ET ele completou:
-anderestudi?
-Noooou, i d'ont speak your lenguage.
Eu acho que ele não repetiu o portuguese, pois ficou em dúvida se aquilo que ele estava escutando era português mesmo. Nisso chega um porto-riquenho, jamaicano ou coisa que o valha e pergunta em espanhol para ele se podia ajudar.
O Pedro na alegria de quem foi salvo pelo gongo fala
-oh, ooouh, yés, yeeeés. Nós queremôs un carregadôr de malas.
-Ok, ok, let's go!
O cara saiu com o Pedro atrás, olhando para mim com uma cara de "Ta vendo", que lembrei do José Alberto. Até hoje tenho dúvidas se o Pedro percebeu que o carregador falava espanhol ou acha ainda que ele entendeu o seu inglês perfeito.
De outra, fomos para o Chile e estávamos em Iquique. Sentamos no bar do hotel para esperar Lenir, que estava atrasada, para variar, quando o garçom chegou perguntando a ele:
-Buenas tarde. Bebem algo?
O Pedro foi o primeiro a se manifestar e disse eu seu espanhol perfeito:
-Si, si, una cueca cuela, por favor.
Quase matou a gente de rir. Mas tinha uma característica que temos que reconhecer, o bicho não ficava inibido e não deixava ninguém falar por ele.
Mandava as roupas para a lavanderia e pedia para trazerem "chiquitito", pedia um café "ratito" e por aí afora. Confundia-se todo e aos chilenos também, mas como ele mesmo dizia, que ia, ia. Companheirão de viagens.

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