Devia ser umas três horas da tarde de um sábado quando o telefone de casa tocou. Era eu quem estava mais perto e atendi. Do outro lado, uma voz de homem procurando por Daniel ou Guilherme. Como eles deviam ter, no máximo, onze anos, fiquei preocupado e por ato reflexo, eles não eram fáceis, perguntei:
- O que eles fizeram?
Acho que isso assustou um pouco o telefonador que, por sorte, reconheceu minha voz e perguntou:
- Desculpa, mas com quem estou falando?
Minha vontade foi responder “com o pai das pestes", mas fiquei só no:
- O pai deles.
- Tadeu?
- É!!
- Ai meu Deus! Tadeu Marinho?
- Ele mesmo - pensei "cacete o que virá por aí", não agüentei e falei:
- Fala logo o que eles aprontaram dessa vez? Com quem estou falando?
Isso com o coração na boca e o fiofó na mão, que era meu estado natural quando o assunto era Daniel e Guilherme. Não era sem razão que o apelido dos dois era "Faisca e Fumaça".
- Pô Tadeu, é o Luis do Hotel Nacional. Nunca pensei que eles fossem seus filhos.
- Oi Luis, tudo bem? Mas o que foi que eles fizeram? Tudo bem com seu hotel?
O Luis é dono do maior hotel da cidade e como ele estava calmo me tranqüilizei, um pouco.
- Tudo, por que? Só que eles que são responsáveis pela manutenção de meu aquário e queria marcar hora com eles.
Daniel e Guilherme, responsáveis por manutenção de aquário! Que merda que esses caras tinham inventado agora? Tinham fechado uma "oficina de reforma de skate" pois era muito serviço e ninguém pagava, a "criação de galinha" também não foi para frente, mas essa descobrimos que era só desculpa pra catar uma menininha que morava nos fundos do terreno que servia de Granja.
- Sei, mas diga ai, esse Daniel e Guilherme que você esta procurando são os meus filhos? Eles tem onze anos e você entregou a eles o seu aquário do hotel, aquela "piscina" de vidro? - Me segurei para não completar com "seu doido".
- É, nem imaginava que eram seu filhos. Tem mais um amigo, um tal de Gustavo. É seu também?
Quase respondi que aí já seria castigo. Era o único guri mais danado que os dois que eu conhecia, com uma cara de anjo, era o próprio capeta.
- Não, por pouco, é sobrinho, filho da Norma, irmã do Dirceu, com o Reinaldo Pocotó.
- Ah, mas você esta de parabéns, meninos responsáveis, trabalhadores, criativos. Mas peça para eles me ligarem. Você não se importa de eles fazerem esse bico, não?
Quase que respondi "os peixes são seus", mas tinha que acreditar que eles estavam ficando homens e mostrando iniciativa.
- De jeito nenhum. Eu dou o recado.
A empresa prestadora de serviços funcionou mais uns três meses até que se esqueceram de voltar para o aquário, após a limpeza, o peixe do Dr. Jaime. Um deixou para o outro, o que resultou num aquário limpo, mas sem peixe. Mas tenho que reconhecer que carisma eles tinham. Continuam, até hoje, fazendo grandes amizades por onde passam.
Há uns 10 anos atrás, Rafael, meu neto, recém nascido, a Laura morava em um apartamento no primeiro andar e tinha una sacada muito grande que ficava quase na rua. Estava nela, conversando com a Laura e esperando o Daniel que vinha de Viçosa, quando parou um taxi na porta. Ficamos observando a hora que ele desceu do carro e pegou a sua mala. Achei que ele iria entrar no prédio, quando ele deu a volta no carro e foi até o motorista . Este abriu a porta, desceu e cumprimentou-o com um aperto de mão e um abraço, com direito a tapinhas nas costas. Olhei para Laura para ver se ela tinha alguma explicação, quando ela deu de ombros. Esperamos ele entrar e perguntamos se ele conhecia o motorista do taxi. A resposta foi surpreendente:
-Lógico, viajamos juntos.
-Quando, como, de onde para onde?
-Hoje. Peguei o taxi em Cumbica e viemos para cá.
Em uma hora viraram grandes amigos. Mas os dois sempre foram assim. Hoje, com 35 anos, são formados, Guilherme é agrônomo e o Daniel veterinário, posso dizer que bem sucedidos; o primeiro é responsável pelo área de engorda da ema e o outro pela de cria, e continuam fazendo amigos por onde passam. Tenho muito orgulho deles.