segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O blefe


Sou um cara de sorte até quanto tenho azar. Tinha acabado de receber o primeiro salário de minha vida, como estagiário do terceiro ano de engenharia na Hyster do Brasil, quando fui para a casa de meu amigo Ricardo Ravioli e o encontrei com seu irmão e mais uns colegas, jogando pôquer. Em cinco minutos, me explicaram as regras e entrei no jogo. Estava com a grana e queria dobrar aquilo em pouco tempo. Era bom em estatística, conhecia a teoria das probabilidades como ninguém, analisei as chances de sair duas quadras ou trincas ao mesmo tempo, enquanto me explicavam quem ganhava de quem. Já estava quase não participando daquela barbada, com pena dos adversários. O jogo começou às 20h, horário de Brasília, e às 23h eu não tinha mais um puto no bolso. Não acreditaram em nenhum blefe meu. A revolta era tão grande que eu não conseguia nem decifrar com o quê: se comigo mesmo, se com a merda da matemática e suas teorias, ou se com o veado do Ravioli que me colocou naquela fria. No começo só entrava no jogo quanto tinha pelos menos dois pares e alto, e parece que quando saía para mim vinha a porra de uma trinca para um deles. Quando vinha algo muito bom na minha mão, nao vinha nada na deles e todos corriam. Era como se fosse pôquer aberto, mas só as cinco cartas para eles; e fechado para mim.
Tinha esquecido do componente mais importante nesse jogo: o Blefe.
Com isso, eu nunca mais sentei em uma mesa de cartas na vida, nem nas raras vezes em que entrei num cassino. Fiquei que nem aquelas mulheres que depois de estupradas perdem o tesão. Foi uma vacina super eficiente contra o jogo, que já levou fortunas de um sem-números de conhecidos. Além dessa vantagem financeira, isso me mostrou também que não sou bom com mentiras. Fico vermelho, os lábios tremem, boca seca e não sei mais o quê: mesmo quem não me conhece percebe.
Mas teve uma vez em que fui obrigado a blefar – e grande. Trabalhava em uma empresa e éramos só eu e o construtor de um equipamento, uma vez que o projeto era fornecido pelo cliente. Eu era calculista e por isso não tinha nenhuma participação, até que foram solicitados uns parafusos super resistentes que a fábrica não conseguia fazer. Pediram que eu calculasse qual era o esforço para poderem diminuir a resistência do material do parafuso; e, com o novo calculo na mão, pedir autorização para o cliente. Tive que fazer os cálculos do equipamento inteiro para determinar a força a que eles estavam submetidos, e percebi que tinha algo errado, pois mesmo com a resistência solicitada eles romperiam. Quando informamos isso ao cliente, ao invés de nos agradecer por acharmos um erro nos seus cálculos, ficaram putos, não concordaram com meus cálculos e mandaram nos concentrar em fazer a nossa parte e fabricar a porra dos parafusos com uma característica que nem a NASA conseguiria.
Depois de varias tentativas, mandaram que aumentássemos o diâmetro dos parafusos e o custo do alargamento de todos os furos que já estavam prontos seriam debitados à nossa empresa. Como era furo pra cacete e o equipamento já estava na obra, essa operação custaria alguns milhões de cruzeiros. A reunião para definir o novo cronograma, quem arcaria com os custos e até o lucro cessante que estava entrando nos cálculos, foi marcada quando meu chefe estava de férias, e era eu quem o estava substituindo. Pensei que ia entrar na maior furada da minha vida e fui para a reunião. Na pasta, todos os cálculos mostravam que o deles estava errado; e, comigo, os dois responsáveis pela metalurgia, grandes especialistas, apesar de não terem conseguido atingir as características necessárias para o parafuso.
Fiquei quieto no início da reunião, pois não sabia que atitude tomar – e foi a sorte. O cliente já começou mostrando os custos com que teríamos que arcar para a troca de todos os parafusos por um de diâmetro maior, e já estava definindo que nós éramos os únicos culpados, pois assumimos algo que não conseguimos realizar.
Tentei interromper a explanação do representante do cliente umas dez vezes, e em todas elas respondiam que eu devia esperar ele terminar, e aí poderia falar o que quisesse. Quando ele me cedeu a palavra, retirei o parafuso da mala e falei:
– Mandem testar. Está dentro das suas especificações. Se você deixasse eu começar, não teríamos perdido esse tempo todo discutindo responsabilidades. Mudaram o tratamento térmico do aço e conseguiram atingir os valores especificados. Podemos encerrar por aqui.
Fui me levantando e não sei como estava a minha cara, mas a voz não tremeu nenhuma vez. Quando olhei para os meus companheiros, estavam todos de cabeça baixa, e pareciam petrificados. Meu blefe aumentou quando me voltei para eles e falei:
– Não sejam tímidos, esse feito de vocês vai para a história.
Eu tinha que justificar a cara de bundão dos dois. Deviam ser ruins de pôquer também.
O coração quase parou quando vi a expressão no rosto de todos da reunião. Era uma expressão, assim, de... "Agora fodeu!" Tiveram que reconhecer que eles estavam errados e que teríamos que trocar os parafusos de qualquer jeito, só que agora com todos os custos por conta deles – e, o pior, assumiram que eu estava certo desde a primeira vez. A coisa se inverteu de uma tal maneira que até multa por atraso nos pagamentos nós cobramos. Iam experimentar do próprio veneno.
Lembrei do meu primeiro jogo de pôquer. Sem nenhum jogo na mão e fazendo cara de quem tinha um "royal street flash", mas agora tinham acreditado. Foi o maior blefe da minha vida. Eu tinha o parafuso guardado até pouco tempo, pois tive que levá-lo para não deixar a prova do blefe exposta – igualzinho no pôquer, em que você joga as cartas no monte quando o adversário não paga para vê-las.

Nenhum comentário:

Postar um comentário