Tem
decisoes que você tem que tomar sem aquele tempo mínimo de processamento
necessário para o cérebro dar o comando. Já lembrei aqui de tio Michel e de
como aprendi a lutar boxe com ele: a principal lição que tirei de todos os
meses ou anos de treinamento foi que o importante é bater primeiro. Vai haver o
confronto; não vacile, bata primeiro. O resto foi só treinar como bater. No
primeiro ano de faculdade, comecei a fazer Karate, era a luta da época. A
escola era a Brasil Karate Kiokai, ou algo parecido com isso. Achei que meu
mestre ia ser um japonês com cara de Bruce Lee, e me decepcionei, num primeiro
momento, quando conheci o Milton – cujo apelido era Séverino, um cearense de
cabeça chata, mas bom pra burro e que tinha sido campeão de várias competições
da época. O bicho andava pelas paredes, era incrível. Nunca mudei de faixa, não
levava jeito para a coisa. Começava o treinamento como karateca, e no meio da
luta eu estava lutando boxe. Mas valia pelos exercícios e os kátás, em que você
harmonizava o corpo com o espirito. Nunca entendi isso direito, mas era o que
repetiam até a exaustão. Mas, como no boxe, uma única coisa ficou gravada:
quando você resolver fazer uma coisa, vai fundo, não vacile. Quando dava
aqueles socos de cutelo para quebrar uma tábua, o mestre falava que a pior
coisa era você bater achando que a porra não iria quebrar. Nesse caso, não
quebrava mesmo, e toda energia cinética da sua mão, ao invés de ser dissipada
na tábua, era absorvida pela sua mão mesmo, e doía pra cacete.
Quando
me falaram que não existia nada que um magnum não parava, seja campeão de boxe
ou faixa preta de Karatê, comecei a fazer tiro ao alvo para posteriormente
tirar porte de arma e portar o magnum. De todo o treinamento, ficou um único
ensinamento: não aponte a arma para alguém se você não estiver disposto a
atirar. São procedimentos que devem se tornar automáticos, eliminando o tempo
de processamento. Sempre conversava sobre isso com Bea, e ela teve a
oportunidade, apesar de mulher, de colocar isso em prática. Os filhos estudavam
em São Paulo, eu estava na fazenda e ela, só com a cozinheira e sua filha de
colo. Quando ela ouviu esta última gritando desesperada, correu para a cozinha;
e quando saiu na área de serviço, deparou com a cena. A empregada com a filha
no colo longe da porta, e um negão trepado no muro entre ela e as duas. A casa
do lado, cujo muro fazia divisa, estava desabitada, e o ladrão, não encontrando
nada para roubar, resolveu pular o muro e entrar na nossa casa. Num primeiro
momento, para analisar o terreno, ele ficou em cima do muro. Não conhecia dona
Bea – que não vacilou, voltou para dentro, pegou meu revólver, um 38, cano de 6
polegadas e voltou para a cozinha.
Chegando lá e encontrando o artista ainda em cima do muro, falou:
– Desce daí, pois vai ser no três.
Como o cara não se mexeu, ela apontou o trêsoitão para o meio dos olhos do
ladrão e falou:
– É um... É dois...
O cara não se mexeu, e nisso ela engatilhou a arma. Antes de falar o "é
três", o bicho saltou de qualquer jeito de volta para a casa abandonada.
Ele tinha certeza que ela ia atirar, e eu também.
Recolheu a empregada com a filha para dentro da casa, trancou a porra da
cozinha e deixou o ladrão e a coragem do lado de fora. Estava tão nervosa que
não conseguia desengatilhar a arma. Teve que chamar Pedro, seu irmão, para
fazer isso e verificar se o cara tinha ido embora. Não só foi, como nunca mais
voltou.