segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Teoria da relatividade.


Aquele dia eu estava com a macaca. Não conseguia achar um erro nas vendas da distribuidora, e tudo me irritava. Qualquer som, por menor quantidade de decibéis que tivesse, me tirava a atenção. A campainha do escritório é daquelas repetitivas: você aperta a bicha uma vez só e ela faz dim-dom duas vezes, e no mesmo tom e altura. Ela tinha acabado de tocar, e eu estava me perguntando porque era assim - se o nego não escutou da primeira, o que adianta tocar igual uma segunda vez? - e já me recriminando, pensando em como uma coisa daquelas já serviu para desviar minha atenção dos débitos e créditos. Quando consegui voltar ao problema... toc toc, batem na minha porta. Escritório de pobre, não tenho destrava automática da porta e ela só abre por dentro, lá parei de novo para abrir a porra da porta. Era a Andreia, nossa chefe administrativa.
Andreia é uma mulher de uns 30 anos, extremamente simpática e bonita, mas está acima do peso, bem acima. Abri já perguntando quem era, e me surpreendi pela resposta:
- É um gordão, que quer falar com o senhor.
Aquilo me assustou, pois gordo não chama outro gordo de gordo e, ressabiado, mandei o cara entrar. Quando ele apontou na antessala, entendi o "gordo" da Andreia. O cara não era gordo... era um monstro. Minha porta, que é de duas folhas e uma está sempre travada, teve de ser toda aberta. O cara era muito grande e gordo, realmente. Devia ter quase dois metros de altura e mais de 180 kg, tranquilamente. Depois de atendê-lo (era um funcionário novo), a Andreia voltou à minha sala, e nessa hora eu já estava desistindo de achar o erro de cálculo. Resolvi relaxar um pouco e falei pra ela:
- Você gosta de anunciar o Rafael (esse era o nome do monstro) para mim, né? Você pode falar que é um gordo.
Ela, muito desembaraçada, respondeu:
- O senhor sempre fala que nada neste mundo é alguma coisa por si só. Tudo é relativo.
Isso me fez lembrar de um acontecido de mais de quinze anos atrás, e contei a ela:
Foi com um casal: ela é Soraya, minha prima, filha de tio Jamil. Acho que o nome é com Y mesmo, igual a Xabanu da Pérsia. O marido, o Gelson, com l mesmo, é um cara muito fino e fiquei muito surpreso quando soube que ele tinha brigado na boate. No primeiro encontro com os dois, fui assuntar para saber o porquê da briga, e rachei de dar risadas com a resposta.
Ele começou:
- Recalque antigo.
Achei que ele tinha usado o substantivo errado.
- Desafeto antigo!
- Não, nem conhecia o cara. Recalque mesmo.
- Como assim, Gelson? Você nem conhecia o cara?
Aí ele me explicou:
- Veja só a minha situação; não do momento, mas de minha vida toda. Sou casado com essa máquina aí, sua prima - apontou para a Soraya que é realmente muito bonita e já ficou toda vaidosa - e vivo vendo uns caras olhando e se insinuando para ela. Normalmente uns grandões, que eu, de salto alto, bateria no peito dos putos. Tenho que fingir que não vejo. Sexta-feira passada, na entrada da boate, ela na frente, linda, e eu atrás. Vem um cara e me fala em alto e bom som, "Gatona". Quando olhei pro cara, eu não acreditei, era a oportunidade da minha vida, o filho da puta era mais baixo do que eu. Aí, não aguentei o desaforo, e enchi ele de porrada. Foi muito para o "Gatona", mas pouco para todas as olhadas que tive que suportar nesta vida. To de alma lavada.
Quando acabei a história, a Andreia não parava de rir. Não aguentei, e aproveitei para completar:
- Agora, aperte seu regime, que daqui a pouco até o Rafael você vai ter que chamar de fortinho, no máximo.
 Achei que ela ia ficar brava... mas riu mais ainda.

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