Uma
das mais inesquecíveis foi com meu irmão Tontônio, que com 38 anos fez uma
ponte mamária. Em 1985, abrir o peito para mexer em seu coração era coisa ou de
ficção científica, ou aquilo que acontece com os outros e não com alguém muito
próximo.
Como
não tem nada que é ruim por inteiro, foi com isso que acabamos por conhecer e
ficar muito amigos do Dr. Antônio Carlos Lopes. Quando ele estava para voltar
da anestesia geral, o Antônio Carlos achou que seria conveniente ele ver um
rosto conhecido, e me convidou para ir a UTI com ele. Estávamos no hospital
Israelita Albert Einstein. Todo paramentado, avental e máscara, fiquei do lado
escutando o primeiro diálogo dos dois, e foi mais ou menos assim:
– E
aí, Zé Grandão (era assim que ele o tratava), tudo bem? Já terminou tudo. Você
está novo e foi tudo muito bem.
O Zé
olhou para ele e não falou nada. Olhou para mim da mesma maneira indiferente.
Era ainda o efeito da anestesia.
O
Antonio Carlos, não sei se preocupado ou se era o procedimento de rotina,
perguntou a ele:
–
Você sabe onde está?
Uns
trinta segundos de suspense e veio a pérola:
–
Sei... Hospital Adolf Hitler.
Saímos
rindo da UTI e torcendo para que nenhuma enfermeira judia o escutasse.
De
outra feita, estava no primeiro ou segundo ano de engenharia, era final da
década de 60, e estávamos nos preparando para as provas do quarto trimestre. O
companheiro de estudo era um japonês, Roberto, daqueles caras bem tranquilos e
que topam tudo. Final do fim de semana, saco chegando na meia, por uma das
raras vezes, ele falou:
–
Puta, cara, amanhã é segunda e nem parece que tivemos um fim de semana. Estou
exausto. Vamos pegar um cineminha light.
Quando
perguntei que filme estava passando – e, para bom entendedor, isso deveria
significar: o que você esta a fim de assistir? –, o japonês injuriou e
respondeu:
–
Caralho, você está estudando demais mesmo. Tem 200 cinemas em São Paulo e você
me pergunta a sério que filme está passando?
–
Porra, Roberto, quero saber que filme você quer assistir.
–
Vamos para a Cinelândia (assim era chamada a região da São João, Ipiranga e
Paisandú, que devia ter uns 100 dos 200 cinemas do japonês) e escolhemos um
água com açúcar para relaxar.
Topei
na hora, tropeçando no saco; pegamos um buzão para encerrar o fim de semana com
um programinha light. No Exelsior estava passando um bang-bang, acho que
"O dólar furado" e ele recusou, pois era muita violência.
No
Marabá era o "Dr. Jivago", não quisemos ir pois de drama bastava a
prova do dia seguinte. Fomos para o Paisandú e, de refugo em refugo, ora ele,
ora eu, já ia ficando tarde, chegamos no último cinema do bairro e vimos o
cartaz: "O bebê de Rosemary". Quando perguntei do que se tratava, ele
respondeu prontamente;
–
Deve ser esses águas com açúcar que nós queremos, que a mocinha engravida do
namorado e no fim acaba tudo bem. Vamos nessa?
Era
o perfil que queríamos e entramos n'"O bebê de Rosemary" para ver um
água com açúcar.
Foi
quando conheci o Roman Polanski, que quase me matou de susto e me fez tentar
matar o japonês por três vezes.
Era
o maior terror – suspense da época, estava comentado em todos os jornais, e só
eu e a porra do japonês que não sabíamos disso. Era a história de uma mulher
que se engravida na marra do – nada mais, nada menos – capeta. Saímos dez vezes
mais estressados do que tínhamos entrado e por pura ignorância. Mas teve
uma ainda pior.
Márcio
Flávio é meu primo, filho da tia Elza, irmã caçula de Mamãe. Era um cara muito
engraçado e companheiro de cinema dos finais de semana também. Num sábado, ele
chegou me convidando para irmos assistir a "Romeu e Julieta".
Estava
num daqueles dias de alto stress, e me refuguei falando:
–
Puta, Márcio, larga disso. Baita dramalhão, os dois morrem no fim. Não tô a fim
disso não.
Quase
caí duro quando respondeu:
–
Nem eu mais. Você acabou com a graça me contando o fim do filme. Puta
sacanagem.
Quando
perguntei se ele conhecia o Shakespeare, a resposta foi pior:
– Me
estraga o cinema que eu estava louco para ver e me convida para comer uma merda
que nunca ouvi falar.
Encerramos
ali a conversa.