segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A coincidência


Para entenderem esta história recente, vou ter que contar alguns detalhes íntimos – mas não sórdidos – de meu concunhado Cauto. Ele é um dos grandes cagões que eu conheço, nível de meu falecido primo Zé Alberto e de meu irmão Tontonio. Para o primeiro, era só dizer que ele estava um pouco (não precisava nem ser muito) pálido, e ele te largava falando sozinho para ir ao médico. Tontonio ficou mais corajoso depois de velho, pois quando mais novo não entrava em um avião de jeito nenhum, dizia que voar era para passarinhos, e teve tempo que nem de carro ou ônibus ele andava. Só de trem – e isso aqui no Brasil, com essa rede ferroviária maravilhosa nossa. O Cauto é desse nível para mais, com a diferença de ser silencioso. É daqueles que sofre calado e só fala quando não tem mais jeito. Tomar injeção sozinho, por exemplo, nem amarrado. Mena tem que ir e segurar na mão dele. Se não tem Mena, qualquer um serve. Já teve Miraci, uma tia, que foi recrutada do balcão da farmácia, onde ela estava fazendo compras, e ele aloitando com o aplicador da injeção. Quando a viu, já chamou para ficar ao seu lado e de mãos dadas. De outra feita, estava com Beto em Campo Grande fazendo os exames anuais para seu brevê, quando chegou a hora da coleta de sangue. Segundo a peça, é pior que injeção pois tem agulha igual, mas é na veia, pior, e, ao invés de injetar, chupa – muito pior. Já tinha deixado passar uns dez na frente e já era o último da fila, quando teve que resolver se encarava ou abandonava a carreira de piloto para não ver aquele ferro entrando em suas carnes. Foi para o sacrifício e, quando saiu da sala de torturas, estava quase aos prantos e Beto teve que ampará-lo e dirigir seu carro direto para o hotel. Esse é o personagem principal de nossa história e, depois do acontecido, a coisa se confirmou: ele é mais rabudo do que cagão. Há menos de um ano, ele me cai com o avião, sozinho, e não sofre nenhum arranhão. Agora, há uma semana, foi para São Paulo acompanhar a esposa para um exame com o Dr.Antônio Carlos Lopes. Já falei dele aqui: melhor cardiologista de São Paulo, quiçá do Brasil e, se duvidar, do mundo. Seu consultório é dentro do Einstein, hospital que dispensa comentários. A consulta estava marcada há mais de dois meses. A coisa lá é de primeiro mundo. Em vez de ficar aguardando numa sala de espera, você já vai fazendo uns exames, uma tal de triagem, feita por enfermeiros, que vão medindo temperatura, pressão, eletrocardiograma etc, e ele acompanhando a Mena. Na hora da pressão, ele pediu para a medidora verificar a sua. Estava cismado. A mulher, sem questionar, bombou o homem, e só falou: "18x10". Saíram dali e foram para a sala da médica assistente para a segunda triagem. Ela examinou a Mena, que falou:
– Cauto está com pressão meio alta, 18x10. Não seria bom aproveitar e fazer um eletro nele?
Ela concordou na hora, e pôs o homem de volta para trás e a filação da consulta da esposa continuou. Fez o eletro, e ele mais quieto que guri cagado. Quando entregaram o exame para a assistente, ela virou para Mena e falou:
-Você está ótima. O Dr já viu seus exames e vou relatar o clínico para ele. Vai querer te ver só para dar boa tarde. Agora, o Cauto, ele vai querer examinar. Fica aí que vou chamá-lo. – Nessa hora, falam as más línguas, o homem branqueou. O Antônio Carlos chegou com o exame na mão, nem olhou para Mena, e foi direto no Cauto. Depois de auscultá-lo, falou: 
– Mena, você está ótima. Agora, o homem aqui só sai depois de uma angioplastia e provavelmente com um stent. Está com uma artéria principal bem entupidinha.
Ele só balbuciou:
– Mas eu só pedi para medirem a minha pressão.
Ainda tentaram adiar a coiseira para uma semana, tinham um casamento e um monte de desculpas. Nenhuma colou. Cinco horas depois, o homem que se cagava todo para tirar um sanguinho, estava com um cateter no coração e tudo filmado em alta definição e, o pior, com ele acompanhando. Foi colocado um stent na artéria principal, como tinha previsto o doutor.
Nisso, em Corumbá, no domingo almoçamos o nosso tradicional churrasco e o pessoal comentando sobre o ocorrido. Um falou que ele era um cara de sorte, caiu com o avião e não aconteceu nada; outro, que ele tem sete vidas, pois descobriu o entupimento dentro do Einstein e no consultório do maior cardiologista, e estava lá só como acompanhante da mulher.
A pérola veio com Gustavo, meu cunhado. No meio dessa conversa toda, ele falou:
– O problema de Cauto é de surdez!
Todo mundo parou de falar e perguntaram quase em coro:
– Surdez? Por quê?
– Jesus tá chamando faz horas, e ele não escuta.
Humor negro do gordo.
Mas a chegada aqui foi com festa. Quando perguntavam para ele o que aconteceu, a resposta começava sempre do mesmo jeito:
– Eu só pedi para medirem a minha pressão.
Mas, realmente, não é fácil.

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