quinta-feira, 31 de maio de 2012

JK

Papai era amigo do Juscelino Kubitschek e se orgulhava muito disso. Tinha uma foto autografada dele em sua sala no escritório. A amizade começou quando ele veio a Corumbá para a campanha de seu sucessor, no inicio dos anos 60. Corumbá era uma pequena cidade e não tinha hotéis que pudessem garantir a segurança de um presidente da república. O chefe do partido pediu a papai a sua casa emprestada para acomodar o homem e seu ajudante de ordens direto, com a condição imposta pelo presidente de que os anfitriões não saíssem da casa. Era costume da época que os proprietários desocupassem seu imóvel para ceder aos políticos importantes de seu partido; mas, nesse caso, o chefe maior impôs a condição de não desalojar os proprietários. Até aqui tudo é verdade comprovada por qualquer antigo da cidade, pois no jardim da nossa casa ficou hasteada a bandeira nacional nos dias em que ele passou aqui. Já os ocorridos dentro de casa foram todos contados por papai – e hoje, mamãe, com 91 anos, confirma tudo, mas ela também nunca desmente ninguém. Vou passar as historias da forma como chegaram até mim. No primeiro almoço, a pedido do presidente, mamãe mandou servir frango a passarinho, daqueles bem sequinhos. No segundo pedaço, papai já nervoso de não poder pegar com as mãos e vendo metade do frango ir com os ossos, ele contava que o Juscelino percebeu a sua falta de jeito, virou para os demais da mesa e falou: "Frango a passarinho se come assim" – e usou os dedos, seguido por papai. No terceiro ou quarto prato, papai insistiu para que ele se servisse mais uma vez e, diante de sua recusa, argumentou:
– Presidente, pode comer pois o que sobrar vai pro lixo. A turma da cozinha já comeu antes.
Com esse argumento, ele partiu para mais um prato. Ele contava isso e jurava que era verdade – e eu acreditava. Punha dúvidas na história do banheiro, quando o presidente não respondeu à batida na porta com o tradicional "tem gente"; foi preciso usar a chave reserva para ver o que estava acontecendo e abrir a porta. Para surpresa de papai e do ajudante de ordens, lá estava o homem, sentado no vaso, dormindo. Papai jurava que foi a única pessoa que viu um presidente fazendo cocô. Nisso eu já não ponho muita fé, pois meu velho gostava de falar que "pode ser que eu aumente, mas não que invente". Mas por mais que eu apertasse, ele nunca abriu mão de dizer que viu o JK no trono.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Paris 2


Estávamos na França, no "Primtemps" – que é um dos maiores shoppings que conheço – e resolvemos comprar os perfumes das velhas. O bom é que todas usam o mesmo, "Ô de Lancome". É mãe, sogra, esposa... tudo um cheiro só.
Pegamos uma vendedora francesa, cujo espanhol era igual ao nosso francês: ninguém entendia ninguém. O nome do perfume foi o mais fácil. A quantidade, meio absurda para uma única marca, já teve que ser dita pelo dedo, ou seja, o "sanque" foi substituído pela mão aberta. Mas a pérola veio com Bea: quando a francesa mostrou o perfume e ela achou que aquele era o médio, falou:
– Nooo – com o característico sinal de cabeça e soletrando em seguida – Eu quéroô ô maaisss BIGER!
Para minha surpresa, a vendedora respondeu toda sorridente:
– Oui, compris, biger!
Voltou e foi pegar os vidros grandes. Olhei para Bea, que ainda teve a coragem de me falar:
– Já estou entendendo essa língua.
Não sei a qual língua ela se referia, mas quando a mulher voltou com os vidros grandes, tive que ficar quieto. Contra fatos não há argumentos, já dizia meu velho pai.
É a globalização.