Isso que aconteceu no banheiro verde lá de casa. Os banheiros eram denominados por cor, pois naquele tempo as casas não tinham suítes. Tinha o cor de rosa, que era de papai e mamãe e o verde que era o nosso. Devia ser por volta de 1957, eu com sete anos e meu irmão Tontônio com 10. Papai chamou o encanador para consertar o vazamento.
O conserto era feito com um recipiente de ferro fundido, onde você colocava álcool e tocava fogo e se chamava espiriteira. Aí aquecia uma peça de aço e passava no chumbo do cano. Derretia o chumbo e fechava o buraco. Tinham umas varetas de chumbo que quando o buraco era grande eram usada para fechar o mesmo. Estava o encanador fazendo esse serviço quando o fogo apagou porque tinha acabado o álcool. Nós estávamos acompanhando de perto o serviço apesar de papai sempre nos falar: "Fique perto de quem come e longe de quem trabalha", mas nesse dia não estávamos cumprindo o provérbio. O encanador pediu a papai, que tinha acabado de chegar, que colocasse álcool na espiriteira e ele não sabia que aquele troço estava quente. Quando o álcool chegou à espiriteira, o fogo subiu pelo jato do álcool e incendiou a garrafa e papai, no susto, jogou-a. Enquanto a garrafa voava foi saindo aquele álcool com o fogo junto e veio na minha perna e no corpo do Tontônio. Me lembro bem de papai correndo atrás dele com um roupão de banho para abafar o fogo, mas ele assustado corria mais duro e o fogo foi se espalhando. Em mim foi só na perna e lembro de ter ficado olhando meio abestalhado ele ir descendo pela minha coxa para a perna. Quando começou arder, levou alguns segundos, ele já estava chegando no joelho e com a mão eu o apaguei. Queimei só a coxa, mas o Tontônio queimou quase 80 % do corpo.
Começou um verdadeiro calvário para ele e um pouco, muito menos, para mim. Após vários dias tomando penicilina e mesmo assim infeccionando tudo, descobriram que a mesma estava vencida. Não tinha outro jeito. Tinha que ser removida toda pele queimada para poder retirar a infecção, pois não tinha como fazer a mesma regredir. Falavam até em risco de morte para o Zé e eu perder a perna. Aí entrou em cena o Dr. Romeu "carrasco" Albaneze. Me colocou em uma mesa, pediu que dois enfermeiros me imobilizassem e com uma gaze fez uma raspagem em minha perna. Contam que ele passava a gaze em minha coxa como se estivesse engraxando sapato e enquanto não saiu todo o pus e ficou em carne viva ele não parou. Aí passou uma pomada amarela e enrolou gaze em tudo e todos os dias tinha que trocar o curativo.
Lembro de falarem que tinha que cicatrizar de dentro para fora senão voltava a infecção. Ia desenrolando aquela gaze e quando chegava na parte que estava colada na pele vinha a dor horrível. Quando queria chorar, lembrava de meu irmão que estava com o corpo quase inteiro daquele jeito e segurava o máximo. No fim não dava conta e abria o berreiro, mas todas às vezes eu ia com o firme propósito de não chorar.
Já o Tontônio ficou todo enfaixado. Parecia uma múmia, inclusive o rosto. O curativo dele demorava horas e era uma coisa que só tia Rosita, casada com tio Alcides, conseguia acompanhar. Era um sofrimento violento. Quando chegava a hora de ir para o hospital, ficávamos em casa para diminuir o risco de pegar infecção, já começávamos a antecipar o que íamos passar e ficávamos apavorados.

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