sexta-feira, 21 de maio de 2010

Toma papudão

Mamãe tinha sido operada e estávamos nos revezando no hospital para não deixá-la sozinha. Meu turno tinha acabado e minha filha, Laura, lógico, a única que tenho, foi ao hospital me buscar. Já era meio tarde, estávamos com muita fome e íamos jantar. Estávamos no corredor já indo quando vimos o Alaer chegando. A Laura me falou:
- Vamos pai que estou morrendo de fome. Se você engrenar no papo e começar a falar de filosofia agora com o Tio Alaer estou ferrada.
- Vamos só cumprimentá-lo, rapidinho.
Alaer é um médico casado com uma prima, Zita, que gosta muito de filosofia. Bom de papo, mas de conversas longas. Laurinha já o conhecia e não acreditou no meu "rapidinho". Mas não tinha jeito, ele estava na linha de fogo e é meu amigo. Quando ele nos viu já foi falando:
- Olha os dois engenheiros aí. Faz horas que eu queria vê-los juntos que estou com uma dúvida matemática.
Abracei-o olhando para Laura e com a expressão "tá vendo, não é só filosofia, ele também gosta de matemática".
- Fala Alaer, qual a dúvida?
Já ia completar com um matemática é com a gente, já filosofia não entendemos nada, quando ele falou antes:
- Como vocês vêem os números?
Falou olhando para mim e depois para Laura. Primeiro fiquei sem entender. Olhei pra Laura, pra ver se ela me socorria, ela só deu uma levantada de ombros. Respondi:
- Vejo os números como uma coisa importante, que permite relacioná-los com as quantidades de alguma coisa, sei lá.
Olhei para Laura que só repetiu a levantada de ombros.
Aí ele disse:
-Não!! Quero saber como você tem os números em sua cabeça?
Já falou isso com uma cara de contrariado, daquelas de "como você é burro e materialista".
Resolvi inverter e passar de perguntado a perguntador e falei:
- Me diga Alaer, como você vê os números?
Olhei para Laura que já estava ficando verde, não sei se de fome ou de raiva. Terceira levantada de ombros. Quase falei para ela que não estava ajudando muito. Ele olhou para mim e com a mão, com os dedos juntos, começou a fazer um desenho no ar dizendo:
- Começo com o um da direita pra esquerda,(nesse sentido mesmo), vai na linha de baixo até o 19, aí volta por cima, com uma leve curva e vai até o 45 passando pelo 38 por cima do um e volta, vai nesse zig zag até o 120 e aí explode.
Olhei abestalhado pra ele e quando olhei para Laura, ela só falou:
- Toma papudão!!
Mas o Alaer é um cara que você sempre lembra dele nas horas difíceis, pois está sempre pronto para te ajudar. Quando papai quebrou a perna, ele viu minha cara de apavorado de ter que acompanhá-lo dentro de uma UTI aérea e falou para mim:
- Deixa que eu vou. Sou médico e posso ser mais útil que você.
E embarcou com a roupa do corpo. Tenho certeza que "o ser mais útil que você" foi para que eu pudesse justificar para mim mesmo o fato de estar sem coragem de acompanhar papai nessa viagem. Ele lê mentes.

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