segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O navio e a pena


Acho que era falha minha como "explicador", mas em compensação, o argumento dela era o pior possível. Ela só repetia: "mas o PÁDUA não fala isso. O mais pesado cai mais rápido." E eu não sabia que de que catso ela estava falando. Conhecia Newton, Eisntein, Engler, Leibniz e outros, mas nenhum Pádua. Estávamos discutindo quem caía mais rápido – em queda livre e no vácuo –, se um navio ou uma pena. Não conseguia mostrar para Bea, minha noiva de 18 anos de idade, e às vésperas de nos casarmos, que no vácuo não entra a massa dos objetos em queda livre. Quanto mais falava, mais ela me olhava estranho. "Larga um navio e uma pena de cima de um prédio, e os dois chegam juntos ao solo? Que coisa mais idiota!" Ela não prestava atenção ao fato de que a aceleração da gravidade age igual em todos os corpos, e não tendo o ar para segurar a pena e fazer com que ela caia fazendo ema, o espaço percorrido era igual, a velocidade inicial era zero pros dois, e a aceleração, gravidade pros dois, resultaria no mesmo tempo do percurso. A minha "ira" vinha com o argumento: "O Pádua não ensinou assim". Resolvi perguntar quem era a porra do Pádua, e a resposta quase acabou com o noivado:
"Meu professor particular, e está no terceiro ano de engenharia, bom pra caramba."
Eu era engenheiro – recém formado, tá certo, mas já pronto, não em fabricação. Era um dos melhores alunos da minha classe, e ela me falando de Pádua, de uma maneira que eu já estava me sentindo um idiota, pois nunca tinha nem ouvido falar em nenhum cientista, físico ou o que quer que seja com esse nome. O carinha era um professor particular mequetrefe, e ela não escutando eu falar de Isac Newton e outras feras, que agora até já esqueci, para convencê-la daquilo. Finalmente o amor venceu, e acabei a convencendo de que eu sabia mais física do que o Pádua. 
Sempre fui um cara convencido quando se trata de matemática e física, e tomei a minha primeira fubecada com 50 anos ou mais – e o pior, de uma estudante de cursinho. A minha afilhada, Maria Emilia, estava estudando equilíbrio de forças em corpos em movimento, quando começamos uma discussão sobre forças atuantes em um carro numa curva. Baixou o espírito do Pádua em mim, e entrei numa de força centrífuga que não existia, e acabamos por apostar 1 contra 100 que ela estava errada. Como burrice não tem idade, ela estava certa, e eu perdi. Ainda bem que ela não deu uma de Tadeu e tripudiou em cima de mim; só ficou muito feliz com seu carrinho novo, ganho na maior moleza. Na realidade, não: o carro foi ganho com muito estudo, pois ela era uma ótima aluna e acabou entrando na faculdade de psicologia; não gostou, e agora faz arquitetura e é fera na área. Muito melhor do que o Pádua... e que eu também.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Ieda x minhas meias.

Ieda trabalha para mamãe desde que eu me entendo por gente. Acho que entrou criancinha em casa. Lembro-me dela controlando papai, que queria mais uma esfirra e ela negava, deixando-o muito puto. Tinha que ser "muito de casa" para fazer isso. Quando vi que eles acabariam saindo no tapa, acabei trazendo a Ieda para trabalhar em casa. Papai faleceu e mamãe veio morar comigo, e assim reencontrou a Ieda. Ela é muito engraçada e, como é uma senhora bonita, só a trato por Ieda Maria Vargas. Quando lhe contei que esta foi Miss Brasil, e uma das mais bonitas, ela ficou toda faceira com a comparação. É ela quem cuida das nossas roupas, e é a única que mexe nos nossos armários.
Bea resolveu comprar aquelas meias simétricas para mim. Para diferenciar, vem um D bordado em um pé e um E no outro. Na primeira vez que a Ieda guardou as meias, casou D com D e E com E. Chamei-a e expliquei que D era o lado direito e E o esquerdo, e por isso tinha que casar o par diferente, e brinquei: que nem casamento, tem que ser homem com mulher. Mas a confusão aconteceu com a mudança de marca. A Nike vem R e L, e já tive que explicar para ela que era Rigth e Left, direita e esquerda na língua do fabricante das meias. Lembrei das brigas com papai, porque ela saiu resmungando que agora ia ter que estudar "ingrês" para guardar minhas meias. A pérola veio na terceira compra de Bea. Ela me chamou e, como a melhor defesa é o ataque, já veio com os dois pés no peito, falando:
– E agora, como que caso os pés? Não tem D com E, L com R, veio ou tudo errado ou isso é daqueles casamentos de tudo do mesmo sexo.
Olhei pra aquele lote de meias com os pés separados, sem entender; quando ela completou:
– Num tem nenhum R aí. Só L. Compraram errado ou o senhor tem dois pé esquerdo, pois L é o tal do lefete, não?
Quando olhei, percebi que as meias eram das tradicionais, e o L era da marca, LUPO. Pensei comigo, "agora fudeu!".
Ela resolveu insistir que não tinha entendido aquela história direito. Esse negócio de simétrico não ser igual não tinha lógica. E completou:
– Se é diferente, não precisa escrever o lado. Pode olhar no seu sapato se tem escrito lefete ou rigete ou lá o diabo que seja. Se lá não precisa, por que na meia que vai no pé precisa?  
Realmente, tinham acabado meus argumentos. Pedi para a Bea não comprar mais meias simétricas. A Ieda tinha acabado de dar um nó no meu cérebro.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Os dois lados da historia


Ficar velho é uma merda, mas a alternativa é pior ainda.
É incrível como a opinião da gente vai mudando com a idade. Quando jovens temos certezas absolutas. O certo e o errado têm uma clareza cristalina, que vai se turvando com os anos, junto com o cristalino de nossos olhos (trocadilho besta!). Começamos a entender que todo fato tem versões e, de acordo com o lado, ele é contado de maneiras diferentes. Quando conhecemos uma pessoa de modos delicados e que é nosso amigo, é um sujeito fino; se é nosso inimigo, uma bichona. Cara que pega todas as mulheres: se é amigo, é pegador; inimigo... galinha.
Tem gente que fala que a História é a senhora da verdade; mas já ouvi de muitos entendidos que mesmo ela, por ser escrita pelos vencedores, tem tendências e, logicamente, elas são deturpadas. O importante é não querer conhecê-la de uma única fonte e, se você tiver que tomar atitudes baseado nelas, agir de acordo com sua consciência do momento. Não ter medo de errar, mas não ser precipitado, nem ficar parado pensando na coisa a vida toda. Conheci muitas pessoas que tinham projetos maravilhosos e nunca realizaram nenhum.
Procurar fazer o melhor de si, mas tendo consciência de que o ótimo é o maior inimigo do bom.
Lembrar que a vida é uma estrada e que, por onde você vai passando, vão ficando rastros de flores ou de mato – mas o pior é você não deixar rastro nenhum. Você não volta mais por ela, mas vai deixando marcas para os que vêm por trás.
Por exemplo: eu e Bea sempre tivemos muito em comum, mas algumas divergências: a principal era sobre o castigo de filhos. Os procedimentos eram um pouco diferentes. Quando ela pegava dois trocando tapas, já grudava os gladiadores pelas orelhas e punha ambos de castigo, sem escutar nada. Eu já queria identificar o culpado e punir só este. Nunca dava certo, e eu acabava punindo o menos inventivo e só descobrindo isso depois. Adquiri a sua mania com a célebre frase: "não quero saber, quando um não quer, dois não brigam". Racional é mais fácil; às vezes, incoerente. 2 a 1, adotei a tática. Nas minhas memórias de infância, lembro de uma briga com Tontonio, quando papai apartou e no últimos momento acertei um tapa nele. Separados, um em cada lado da mesa, fiquei gozando dele quando começou a avermelhar a marca de minha mão em seu rosto. Nesse momento ele simulou que eu tinha lhe dado um chute na canela, por baixo da mesa, e papai me executou, porque não acreditou que eu não tinha feito nada. Apanhei e saí sem almoçar.
E o pior foi ficar vendo o sorrisinho sacana, de vitorioso, no rosto do Tontonio. Às vezes uma boa mentira é mais aceita que uma verdade esquisita, e cola mais fácil. É o ruim da lógica – mas não tem nada que seja 100%, e isso é lógico. 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Teoria da relatividade.


Aquele dia eu estava com a macaca. Não conseguia achar um erro nas vendas da distribuidora, e tudo me irritava. Qualquer som, por menor quantidade de decibéis que tivesse, me tirava a atenção. A campainha do escritório é daquelas repetitivas: você aperta a bicha uma vez só e ela faz dim-dom duas vezes, e no mesmo tom e altura. Ela tinha acabado de tocar, e eu estava me perguntando porque era assim - se o nego não escutou da primeira, o que adianta tocar igual uma segunda vez? - e já me recriminando, pensando em como uma coisa daquelas já serviu para desviar minha atenção dos débitos e créditos. Quando consegui voltar ao problema... toc toc, batem na minha porta. Escritório de pobre, não tenho destrava automática da porta e ela só abre por dentro, lá parei de novo para abrir a porra da porta. Era a Andreia, nossa chefe administrativa.
Andreia é uma mulher de uns 30 anos, extremamente simpática e bonita, mas está acima do peso, bem acima. Abri já perguntando quem era, e me surpreendi pela resposta:
- É um gordão, que quer falar com o senhor.
Aquilo me assustou, pois gordo não chama outro gordo de gordo e, ressabiado, mandei o cara entrar. Quando ele apontou na antessala, entendi o "gordo" da Andreia. O cara não era gordo... era um monstro. Minha porta, que é de duas folhas e uma está sempre travada, teve de ser toda aberta. O cara era muito grande e gordo, realmente. Devia ter quase dois metros de altura e mais de 180 kg, tranquilamente. Depois de atendê-lo (era um funcionário novo), a Andreia voltou à minha sala, e nessa hora eu já estava desistindo de achar o erro de cálculo. Resolvi relaxar um pouco e falei pra ela:
- Você gosta de anunciar o Rafael (esse era o nome do monstro) para mim, né? Você pode falar que é um gordo.
Ela, muito desembaraçada, respondeu:
- O senhor sempre fala que nada neste mundo é alguma coisa por si só. Tudo é relativo.
Isso me fez lembrar de um acontecido de mais de quinze anos atrás, e contei a ela:
Foi com um casal: ela é Soraya, minha prima, filha de tio Jamil. Acho que o nome é com Y mesmo, igual a Xabanu da Pérsia. O marido, o Gelson, com l mesmo, é um cara muito fino e fiquei muito surpreso quando soube que ele tinha brigado na boate. No primeiro encontro com os dois, fui assuntar para saber o porquê da briga, e rachei de dar risadas com a resposta.
Ele começou:
- Recalque antigo.
Achei que ele tinha usado o substantivo errado.
- Desafeto antigo!
- Não, nem conhecia o cara. Recalque mesmo.
- Como assim, Gelson? Você nem conhecia o cara?
Aí ele me explicou:
- Veja só a minha situação; não do momento, mas de minha vida toda. Sou casado com essa máquina aí, sua prima - apontou para a Soraya que é realmente muito bonita e já ficou toda vaidosa - e vivo vendo uns caras olhando e se insinuando para ela. Normalmente uns grandões, que eu, de salto alto, bateria no peito dos putos. Tenho que fingir que não vejo. Sexta-feira passada, na entrada da boate, ela na frente, linda, e eu atrás. Vem um cara e me fala em alto e bom som, "Gatona". Quando olhei pro cara, eu não acreditei, era a oportunidade da minha vida, o filho da puta era mais baixo do que eu. Aí, não aguentei o desaforo, e enchi ele de porrada. Foi muito para o "Gatona", mas pouco para todas as olhadas que tive que suportar nesta vida. To de alma lavada.
Quando acabei a história, a Andreia não parava de rir. Não aguentei, e aproveitei para completar:
- Agora, aperte seu regime, que daqui a pouco até o Rafael você vai ter que chamar de fortinho, no máximo.
 Achei que ela ia ficar brava... mas riu mais ainda.