quinta-feira, 31 de março de 2011

BGZ

O Bravo Golf Zulu é um Chessna 172 que eu conheci na sua intimidade e que este ano completa 50 anos de existência. Era de meu sogro e eu estava na oficina em Santo Antonio de Leverge fazendo a pintura do WGI, quando o vi totalmente depenado, sem pintura, na fuselagem com as entranhas de fora, fazendo sua revisão de IAM. Deu para comparar a estrutura do meu 182, ano 1981, que também estava no mesmo estado, com o BGZ, 20 anos mais velho. Era impressionante como tinham características estruturais diferentes. Enquanto o 182 tinha uma chapa de revestimento muito fina e cheio de cantoneiras de reforço, o charuto do 172 era praticamente de uma única chapa e muito mais grossa. Era de alumínio aeronáutico e não tinha nenhuma trinca, ou mesmo qualquer fissura, nem mesmo daquelas detectadas com técnicas de raio X ou líquido penetrante. Olhando as duas estruturas, a do 172 dava um aspecto de segurança muito maior. Quanto ao motor, o Zé Mauro, nosso piloto, já falava que o 172 é igualzinho um relógio suíço. Depois que tive um Vitory Inox que quebrou com 3 meses e um Swiss Arm que se foi com 6, faço questão de completar com um "Rolex". Consome 25 a 30 litros de gasolina por hora, ou seja, super econômico. Tá certo que não é nem um supersônico e dependendo do vento, numa reta boa não ultrapassa um fuscão, daqueles 1500 que dá 120 km/h. O apelido dele é Jatão, e segundo o piloto, a procedência desse nome é que em todas as viagens depôs de um certo tempo o piloto pergunta:

- E ai? "Ja tão" cansados?

Mas é um aviãozinho muito seguro e econômico e com muitas histórias. Hoje ele pertence a uma sociedade formada pelo Cauto, meu concunhado, Gilson, casado com minha prima Lais e eu. Mas quando era do meu sogro, Pedro, meu cunhado, recém brevetado, convenceu Tontonio, meu irmão, a ir com ele para Santa Anatalia passar uns dias. Essa viagem relatada pelo passageiro é de matar qualquer um de rir. O radio tinha uma recepção horrível e se já era difícil para o piloto que tinha ouvidos acostumados a separar a voz das interferências, para o passageiro era uma chiado só. O Pedro ainda inexperiente, tanto de braço quanto de ouvido, falava com o controle ainda no solo e o dialogo, contado pelo Tontonio era mais ou assim:

- Controle, bom dia, é o Bravo Golf Zulu.

- Ziuiuiui. - Deduzia-se que era o bom dia.

- Bravo Golf Zulu na posição 1 pede autorização para se deslocar a posição 2.

- Ziuiuiui... ziuiuiui... ziuiuiui...

Como a posição 1 é no pátio do aeroporto e a posição 2 é na beira da pista logo antes de se entrar nela, todas as vezes o controle autoriza o procedimento, a não ser que esteja chegando outra aeronave, quando a resposta é mais comprida. O Pedro foi rolando e antes de entrar na pista chamou o controle novamente:

- Controle Corumbá, Bravo Golf Zulu, na posição 2 pede autorização para ingresso e decolagem da cabeceira 270.

Nessa hora o controle, se autorizar, passa junto a velocidade do vento, direção e pressão na pista para ajuste do altímetro e respondeu:

- ziuiuiui ziuiuiui ziuiuiui, zuzuzu zuzuzu zuzuzu ziuiuiui.

Nessa hora, o Pedro que já estava de pescoço torto e com a bunda quase não tocando mais o banco para aproximar o ouvido do alto-falante do radio que fica no teto do avião, vira pro Tontonio e pergunta:

- Você entendeu alguma coisa?

O Zé olhou pra ele e respondeu:

- Nenhuma palavra desde o início e estava impressionado como você estava entendendo tudo. Mas acho que deve ser para voltarmos e você trocar o radio.

O Pedro repetiu tudo e a torre só respondeu "isssitioIVO", que ele entendeu como "positivo", por causa do ivo no final, e falou isso pro Tontonio, que observou, na hora que ele estava alinhado para decolagem, que negativo também termina com IVO. Mas estava tudo certo e eles decolaram bem. O 172 antigo tem o flap mecânico e é acionado por uma alavanca que fica entre os dois bancos como o freio de mão desses carros, só que bem maior. Assim que ele tirou o flap o Tontonio já perguntou se ele decolou com o freio de mão puxado, pois viu que o avião não pegava velocidade,e o Pedro começou a dar aulas de aviação para ele. Depôs de uns 15 minutos de papo, o passageiro já cansado, pergunta se falta muito ainda, quando o piloto manda ele olhar para traz. Lá estava Corumbá, ainda, em todo seu esplendor, não aquela cidadezinha ao longe, se perdendo no horizonte, quando ele observou:

- Vamos dar uma parada no caminho para tomar café e fazer xixi. Nesse ritmo quantas horas vão demorar?

- Fica tranqüilo que quando estabilizar ele vai mais rápido e em uma hora estaremos pousando em Santa Anatalia. Só não dorme não que você tem que me ajudar com o radio.

Depois disso não dormiria mais nem se quisesse. O pouso em Santa Anatalia foi surreal, pois no arredondamento, que é quando o piloto puxa o manche para levantar o nariz da aeronave e tocar o solo, o manche se soltou e Pedro saiu com ele na mão. Deu tempo ainda de ele pegar o cano que segura o manche e pousar o bicho. O Tontonio, quase todo cagado, ou todo quase cagado, jurou que voltava a pé, mas com o Pedro de BGZ, nem morto. Pagou com a língua e aproveitou pouco, pois no dia seguinte foi pular uma rede, coisa que ninguém acostumado com fazenda faz, enganchou o pé, caiu de cara e quebrou o cotovelo. Teve que embarcar as pressas e com o Pedro no comando e veio para Corumbá para ser operado. Na chegada, quando começou a chiação do radio, e ele morrendo de dor, o Pedro vira pra ele e fala:

- Esse radio não escuta, mas fala.

- Isso é o que você acha, pois ouvi uma conversa entre dois surdos e ambos pensavam assim e ninguém falava coisa com coisa. Quem te garante que o controle não esta falando com outro avião ou te respondendo: "Não estou entendendo merda nenhuma. Joga a bosta de seu radio fora". Novo sofrimento, novamente o pescoço torto para tentar escutar melhor e pouso em Corumbá. Tontonio foi operado e até hoje não estica o braço completamente, mas por causa de uma rede. O BGZ, mesmo surdo e talvez mudo também, fez a parte dele.

terça-feira, 29 de março de 2011

A tese

Estava terminando as cadeiras de meu mestrado e completando os créditos necessários. Faltava apresentar a tese. Achei que o pior tinha passado e nem imaginava o que estava por vir. Nesses três anos e meio eu não fiz outra coisa que não trabalhar e estudar. Às vezes ia para a praia nos fins de semana, levava livros e enquanto o pessoal ficava lendo romances eu devorava a teoria da elasticidade. Acho que isso que ajudou a não estourar meu saco tornando-o super elástico. Outras vezes estudava com o Beto na ponta da mesa fazendo desenhos e me mostrando de cinco em cinco minutos. Não foi fácil, mas foi. O tema da tese foi definido junto com o Paulo Rizzi, meu orientador, e baseado no meu trabalho na Mecânica Pesada, optamos por fazer um programa para otimizar pontes rolantes. Resumindo, era um programa que você entrava com todas as características necessárias e desejáveis de uma ponte rolante, que eram os parâmetros do projeto, e o programa fornecia as variáveis que levavam ao equipamento mais econômico. Comecei a desenvolver a tese já no segundo ano do curso. Teria dois anos para fazer os estudos e o programa final. Quando vimos que não ia conseguir terminar, pois a coisa estava ficando por demais complicada, conheci o Marcelo Pimenta.
Ele fazia mestrado e era também orientado do Paulo Rizzi. Fizemos uma dupla e ele me ajudaria no desenvolvimento do programa da minha tese, onde ele era um avião, só comparado com o George Pion, meu amigo francês, e eu no desenvolvimento da sua, que seria uma ponte protendida. Existia muita coisa na época sobre concreto protendido, mas nada sobre estrutura metálica protendida. Terminamos uma semana antes de vencer o prazo para enviar uma cópia aos examinadores da banca. Um mês depois seria a apresentação e eu comecei o treinamento. Tinha uma hora cravada para fazer a apresentação, uma para responder as perguntas da banca e 30 minutos para responder a qualquer dos ouvintes. Depois disso, cada um dos cinco examinadores teria 30 minutos para fazer os comentários, fechando com o Paulo Rizzi. Tinha que ter a aprovação de dois da banca, pois meu orientador já a tinha aprovado. Preparei as transparências, que antigamente era o único meio de você projetar algo em uma tela e comecei a gravar a minha apresentação. Na primeira vez que escutei a mesma, eu me reprovei. Falei 180 "nés", comecei muito detalhista e tive que atropelar tudo no fim e, mesmo assim, estourei o tempo em 30 minutos e as conclusões finais eram uma merda e nada conclusivas. Refiz a mesma por umas dez vezes, até que na última achei perfeito. Escutava aquela coiseira o tempo todo. Estava gravado em uma fita cassete que deve ter de extraviado em uma de nossas mudanças. Já sabia de cor e salteado, e não só eu, mas a Laura que já era meio grandota também. Eu a colocava para escutar, pois tendo uma platéia ajudava a desinibir. O único medo era travar na hora, isso já tinha me acontecido antes, por isso me aconselhavam a tomar um wiski duplo antes. Quando eu falava que a apresentação era as 8 da manha, a resposta era sempre a mesma: "é, com pão e manteiga é tora". Tinha que ser de cara limpa mesmo. O interessante aconteceu na madrugada do dia D. A noite foi péssima e a passei acordando a cada meia hora. Às 5 horas da manha, acordei de vez com o telefone tocando. Era mamãe ligando de Corumbá, onde com a diferença do fuso horário eram 4 da madrugada. Levei aquele susto e já pensei que alguém tinha morrido quando ela me falou que não dormiu a noite preocupada comigo. Não tinha falado da tese para ninguém de lá e não entendia o porquê de sua preocupação quando ela começou a me contar de seu sonho. Disse que eu estava em uma sala cheio de papeis espalhados pelo chão e procurando alguma folha e à medida que não a achava ia ficando super nervoso. Nessa hora apareceu um senhor para ela, barbudo de uns 30 anos e pede que ela me acalme, pois tudo ia dar certo. Quando ela perguntou a ele como ele sabia disso que percebeu tratar-se de Jesus, por isso estava ligando a essa hora. Eu devia saber o significado da mensagem. Contei a ela da tese e ela ficou mais impressionada do que eu. Despedi com ela me prometendo que ia rezar para tudo dar certo e agora super confiante, resolvi me aprontar e ir para São Jose dos Campos. Tinha 40 minutos de viagem ainda e tinha que chegar com alguma antecedência para preparar o auditório. No início, quando vi aquele povo todo me olhando e a banca, como juízes, para falar se perdi quatro anos inteiros de minha vida, fiquei meio travado e me arrependi de não ter tomado o wiski no café da manha, mas com o andar da carruagem e o Marcelo projetando as transparências, a coisa foi fluindo. Tinha o "time" em cada transparência e na troca ele foi me ajudando com o tempo. No final aconteceu uma coisa estranha. Respondi as questões de todos os examinadores com exceção do professor Santiago que não fez nenhuma pergunta. Respondi as duvidas da platéia e me sentei para escutar a banca. O primeiro a se manifestar foi a porra do Santiago e falou algo mais ou menos assim: - Quero cumprimentar o engenheiro pelo excelente trabalho de engenharia, mas para mim, não passa disso, e não uma tese de mestrado. Na hora achei que ia ter um troço e agradeci a meu santo protetor por não ter ido na idéia do wiskinho, ou teria mandado ele tomar no rabo solenemente. Até me passou a imagem pela cabeça: eu interrompendo-o para pedir a palavra, voltar ao palco e falar: - Dr. Phd. Não Sei das Quantas Santiago, gostaria de mandá-lo para "Puta que o Pariu" e no caminho dar uma parada para "Tomar no seu Rabo". Mas não ia ficar bem e resolvi balbuciar o meu famoso "ah é, é". Falou isso em dois minutos e foi de sentar. O Filho da Puta reprovou a minha tese e estava enterrando 4 anos de sacrifício meu e de toda minha família. Eu não sabia que existia uma richazinha dele com o Rizzi e por conta disso eu que estava me ferrando. Quebrando o protocolo, o Rizzi pediu a palavra. Era para ele fechar a apresentação, mas ele inteligentemente resolveu de antecipar. Falou da importância da integração escola - indústria, e que o Brasil precisava de resultados a curto prazo. Que era importante pesquisar coisas práticas e que trouxessem resultados imediatos. Lastimou que o Santiago não concordasse com ele, mas até entendia, que esse era o pensamento de quem só exerceu a nobre missão de ensinar durante a vida toda e nunca fez nada de concreto. No final me agradeceu dizendo que tinha aprendido tanto comigo quanto eu com ele. O Hazim acompanhou o Rizzi e aprovou com todos os méritos, começando com um trabalho prático, bem feito e sem perder o foco teórico, onde a própria norma de fabricação foi colocada em cheque. Nem eu tinha percebido isso. Faltava um e esse era o professor convidado de Uberaba e seu parecer era, talvez, o mais importante da banca. Antes de comentar o meu trabalho ele falou sobre o seu doutoramento em Oxford, que foi sobre a instalação de tensometros em folha de milho. Com isso ele conseguiu medir a sede do milho e definia a quantidade de água a ser irrigada na plantação toda, uma coisa super prática. Falou isso olhando para o Santiago, dizendo que não conseguia ver a fronteira entre a ciência pura e a engenharia, e que essa indefinição é que trazia o progresso das duas. Não comentou mais nada e a aprovou sem nenhuma restrição. Estava salvo, e ainda tinha mais um artista para falar, mas já nem o escutava mais. Só percebi que ele a aprovou sem restrições. Quando achei que estava tudo terminado, o Santiago pediu a palavra novamente. Pensei que ele fosse querer convencer todo mundo que a minha tese era uma merda, quando tive a última surpresa. Ele mudou de idéia e resolveu aprová-la também. Foi unanime e não me cabia nas calças de contentamento. Acho que esse pode ser colocado como um dos dias mais felizes da minha vida, encerrando aos 33 anos a minha vida escolar. Nunca mais sentei em um banco de escola, pelo menos desses que você tem que fazer uma prova no final. Também tenho saudades.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Meu Mestrado

Quando resolvi ir para Taubaté, a idéia era fazer engenharia civil, pois se um dia eu voltasse para Corumbá não teria emprego como engenheiro Mecânico. Além disso, precisava de conhecimentos de concreto, pois todo equipamento mecânico termina por transferir a carga para o solo e isso é, quase sempre, através de uma estrutura de concreto. Existe uma interação entre uma coisa e outra nos pontos de transição. Como queria me especializar em cálculos, precisava também fazer uma pós-graduação em estruturas e resolvi, após terminar a engenharia civil, fazer meu mestrado, no ITA.
Ia tudo muito bem, mas tinham algumas restrições que me deixavam com a corda no pescoço. Eu precisava fazer 30 pontos para o mestrado. Não conseguia cursar mais do que uma cadeira por semestre e cada uma valia 3 pontos. A tese valia 9 pontos e as cadeiras caducavam após 4 anos. Tinha então 3 anos e meio para fazer 7 cadeiras que me dariam 21 pontos e 6 meses para fazer a tese que completariam os 30 pontos, na casca. Qualquer pau em uma cadeira e eu perderia tudo que já tinha feito antes e voltaria a estaca zero, pois começaria a caducar uma após a outra. Era uma coisa que não admitiria erros. Todo aluno tinha que ter um orientador e eu não conhecia ninguém. Para você poder fazer o curso no ITA, a exigência era de ser formado em engenharia e ter um professor que te aceitasse como pupilo e o acompanhasse durante o tempo todo. Qualquer problema com você ele era comunicado e era o co-responsável pela defesa da sua tese.
Fui falar com coordenador do curso de estruturas, prof Wolf Altman. Quando disse que não era graduado pelo ITA, tinha esposa e quatro filhos e um emprego em período integral, ele tentou me desanimar. Que eu fizesse uma pós-graduação nas cadeiras que eu precisasse me aprofundar, ou participasse das aulas como ouvinte e não precisaria fazer provas, mas defender teses nem pensar, que mestrado era uma coisa que necessitava dedicação integral e conhecimento prévio em engenharia, que só ex-alunos do ITA e os melhores da Politécnica tinham, que não era meu caso, e eu não teria tempo para família e nem para trabalho na Mecânica Pesada. Insisti que era uma coisa que eu queria fazer e quando quis argumentar que estava preparado para enfrentar isso tudo, ele fechou a questão, que ele não podia perder tempo, tinha somente dois orientados por ano e que eu desistisse ou procurasse outro. Para mostrar que não desistiria, disse que não conhecia ninguém na escola e não me esqueci de sua resposta:
- Procure pelo Rizzi. Ele aceita qualquer um.
Se ele tivesse me convencido eu mandaria ele tomar no rabo e iria embora, mas como queria fazer aquele mestrado, fiquei quieto. Já era meio frustrado por não ter feito meu curso normal ali. Tomei pau de inglês no vestibular, como se matemática tivesse nacionalidade. Engoli a vontade e fui atrás do Rizzi. Cheguei à porta de sua sala que ficava em um corredor comprido onde deviam ter mais 20 portas iguais e vi a plaquinha na porta "Prof. Phd. Paulo Rizzi" e pensei com meus botões que devia ser outro velhão chato que nem o Altmam, e como a porta estava trancada, fiquei andando por aquele corredor comprido, aguardando. Apareceu um cara uns 5, 6 anos mais velhos do que eu, calça jeans, tênis, camisa com gola canoa e como eu já estava à meia hora aguardando, cheguei nele falando:
- Você sabe a que horas chega essa porra do Paulo Rizzi?
Ele respondeu:
-Acabou de chegar.
Parou na frente da sala e começou a destrancá-la. Pronto, tinha acabado de ferrar com tudo. Merda.
- Oh professor Rizzi, o senhor me perdoe, mas nunca achei que o senhor pudesse ser mais novo do que eu.
Como já disse ele parecia uns 6 mais velhos, com aquele elogio eu tentei corrigir as coisas e acho que consegui pois ele respondeu:
- Tem um cigarro aí?
Contei minha conversa com o Altman, onde trabalhava, o que fazia e como era importante eu fazer meu mestrado ali e se ele poderia ser meu orientador. Ele disse que sim e colocou duas condições. A primeira que eu desistisse no primeiro pau e a segunda de que a minha tese fosse relacionada com meu trabalho na Mecânica Pesada, pois ele já estava de saco cheio de fazer coisas que só serviriam depois que ele morresse. Ele já tinha 2 estruturas de satélite orbital, uma asa de jato supersônico e outras tranqueiras mais. Escolheríamos juntos o assunto da tese e as cadeiras que eu teria que fazer. Começaria com Teoria da Elasticidade, no primeiro semestre, e Analise Matricial de Estruturas no segundo, onde ele seria o professor. Achei que seria o professor das duas cadeiras, mas estava enganado. Da primeira era o Altman. Começaria com a fera e quando quis dar uma reclamada ele falou:
-Combinamos que você sairia no primeiro pau, não foi? Vamos para o tudo ou nada e assim você não perde o seu tempo...
Quando quis argumentar ele completou:
-Nem o meu.
Comecei com o Wolf Altman. Fui à primeira aula com aquela esperança de que ele não se lembrasse mais de mim, mas parece que ele leu meus pensamentos na nossa última conversa e sentiu aquela minha vontade irreprimível de mandá-lo tomar no rabo. No meu bom dia ele respondeu:
-Não disse que o Rizzi aceitaria você?
Se já não tinha muita simpatia por ele, naquele momento, eu já dentro, num agüentei e respondi:
-Ainda bem né, mestre.
Não me lembro de estudar tanto na minha vida. As aulas eram diferentes das de um curso de graduação. O professor dava uma copia Xerox do capítulo do livro para cada um, você lia, estudava e na aula seguinte tirava dúvidas. O livro era a Teoria da Elasticidade, de Stempko Timoshenko, em inglês. Fui na livraria em São Paulo, e descobri que ele já tinha sido traduzido e comprei o mesmo. Não tinha tempo para ficar traduzindo, mas ganhava bem na Mecânica Pesada para comprar o livro. Na primeira dúvida minha ele pediu que outro aluno respondesse, pois era matéria do curso de graduação. Só que ninguém soube responder. Tentei tirar o sorriso de sacana dos lábios, mas não consegui. Contei o ocorrido ao Rizzi e ele me pediu que não perguntasse mais nada ao Altmam, que ele iria tirar as minhas dúvidas..., e o limão virou limonada. Eu era o único aluno do ITA com um Phd particular. No dia da primeira prova eu achei que ia enfartar de tão nervoso e só me tranqüilizei quando terminei a mesma. Tinha feito tudo, conferido todas as questões e sido o primeiro a entregar. Quando recebi o resultado veio um MB de "muito bom", e não sabia onde tinha errado, pois a nota máxima era o L, de louvor. Pedi revisão da prova e ele me chamou para mostrar onde tinha errado. Não tinha, o monitor dele que se enganou não percebendo que as unidades da resposta não eram a mesma do gabarito. Ele não quis alterar a nota e falou que na próxima ele aumentaria um degrau, ou seja, se eu tirasse outro MB ele passaria para L. Ficaria com um crédito. No final do curso eu fui até ele e pedi para ele mudar a primeira nota, pois as outras tinham sido L e eu não tinha usado o crédito. Ele só mudou depois que o Paulo Rizzi falou com ele.
No segundo semestre fiz a Analise Matricial de Estruturas com o Paulo Rizzi. Estudei mais ainda, pois não tinha como justificar qualquer falha com ele. Só L de novo. No terceiro semestre encarei o Altman de novo com Estabilidade Elástica e tida como a matéria mais difícil do curso. No quarto fiz Plasticidade com o Hazim Al Quireshe, um indiano bom pra burro e também aprendi muito com ele. No quinto peguei o Nash Bismark em "Teoria dos elementos finitos" e rachei o bico de tanto estudar. No sexto voltei para o Paulo Rizzi e fiz Otimização Estrutural, que foi a base da minha tese. A ultima matéria foi uma obrigatória, Estudos dos Problemas Brasileiros, e foi a única em que não tirei L em todas as notas, mas também com a quantidade de problemas que este país tem!!!.
No resto faturei em todas. Estava correndo tudo bem, mas não estava fácil, e o pior estava por vir, a tese.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Cataratas das velhas

Mamãe e Odilza, minha sogra, moram em casa. Brinco com Bea que uma das coisas que ela tem melhor do que eu é a sogra, mas é sacanagem. Páreo duro está ali, são dois anjos que tenho permanentemente, fora os que visitam as duas direto. Mas teve um lance muito engraçado entre elas e que exigiu uma intervenção externa nossa. Estavam as duas vendo televisão no quarto da Odilza e eu escutando a conversa fiquei apavorado. Aparecia um artista na tela e uma perguntava a outra quem era. A argüida só acertava o nome se o artista tinha falado, o que mostrava que estava boa de ouvido e horrível de vista. Nenhuma das duas enxergava mais nada. Uma vez mudei o canal quando uma estava no banheiro e a outra cochilando. Tirei da Rede Vida e passei pra Globo. Quando uma falou que o Padre Marcelo estava diferente e a outra respondeu que era o cabelo, e eu estava vendo Tarcisio Meira na televisão, apavorei. Elas não enxergavam mal, simplesmente não enxergavam. Catarata grau "um monte".

Bea ligou para o Antonio Carlos e ele falou que o Belfort fazia as duas no mesmo dia e não precisava nem de pré-operatório, que era a coisa mais fácil do mundo. Quando questionamos a idade ele deu uma gozada na gente, que não conhecia nenhum jovem com Catarata. A dificuldade estava em convencer as duas e transportá-las até São Paulo. Odilza em cadeira de rodas e Mamãe não dá nem 10 passos sem sentar e descansar, e não quer saber de cadeira de rodas. Na primeira vez que tocamos no assunto, as duas só faltaram nos colocar para fora do quarto. Quando falei com Mamãe sozinho, ela disse que estava boa e que a cega era a Odilza, que a levássemos enquanto ela passava uns dias com Maria Lucia. Com Odilza foi a mesma coisa, e a desculpa só mudou que ela ficaria bem sozinha e a Mena cuidaria dela até voltarmos com Mamãe enxergando tudo. Não ia ser fácil! Foi quando tivemos a idéia, não sei se eu ou Bea. Eu fui à Odilza e falei:

- Dona Odilza, a senhora é a minha única esperança de conseguir operar Mamãe. Ela tem muito medo e se você for, ela vai, e depois levo as duas para Aparecida do Norte. Vocês com a vista boa vão ver até Nossa Senhora.

Deu uma esperneada ainda dizendo que ela via tudo mas que poderia até ir junto falando que ia operar mas na hora não operar. Mas, pensando bem, não conseguiria mentir para a Julieta. Ia pensar. Com Mamãe foi a mesma coisa, só ela poderia fazer com que Odilza operasse, que era uma coisa por demais de simples, que ela iria ver tudo muito bem, e o melhor de tudo, iria ver que o padre Marcelo era mais bonito que Tarcisio Meira. Por fim, uma para ajudar a outra a criar coragem, resolveram por operar. Não podíamos esperar, pois poderiam mudar de idéia. Como Bea já estava em São Paulo, marcou as cirurgias e saímos, eu e Mena com as duas ceguetas, de avião, Corumbá - Sao Paulo. No embarque, quando deu aquele medo em Mamãe, fiz uma brincadeira bem sem graça com ela. Disse que a volta que seria problema, quando ela perguntou assustada o porque. Porque na ida, a senhora cega desse jeito, nem vai ver se o avião cair, já depois da cirurgia... Acharam que não foi uma boa técnica para acalmá-la. Mas o vôo foi ótimo e na chegada em São Paulo já estava Bea com Laura nos aguardando. Levaram as velhas e fui de taxi com as bagagens.

No dia seguinte fomos ao Belfort e ele examinou as duas dizendo que estavam ótimas para operar, cataratas maduríssimas, e não aceitou os argumentos de que elas enxergavam tudo, só um pouco embaçado. No dia seguinte chegamos ao Hospital Albert Einstein e entraram juntas na sala de cirurgia. Ele operava de lote e em menos de uma hora elas saíram de olho tampado. Isso foi numa terça feira e na sexta da mesma semana fizeram a outra vista. Parece que só depois da cirurgia que perceberam como não enxergavam nada antes. Odilza comentava que estava até ouvindo melhor. Quando Bea perguntou para Mamãe, que é super vaidosa até hoje e não perigo de se levantar e sair do quarto sem se maquiar, se ela estava enxergando bem, a resposta foi surpreendente:

- Até demais, minha filha. Não sabia que tinha essas bolsinhas sob os olhos aqui e já começaram a incomodar.




Bea, meio sarcástica completou:

- É... o que os olhos não vêem o coração não sente. Mas já que criou coragem para cirurgias, vamos para o Dr. Arnaldo, que ele tira essas bolsas daí para a senhora e fica um espetáculo. Mas faltou mais uma pitada de vaidade e uma dose de coragem para enfrentar uma plástica com 85 anos.

No primeiro fim de semana, as “véias” de vista nova, fomos a Aparecida do Norte. Acho que crianças na Disney não ficariam tão deslumbradas como as duas ficaram em Aparecida. Foi uma viagem inesquecível para todos nós.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Mr. Pizza

Meu irmão é um cara super tranqüilo e controlado, mas tem momentos em que ele sai totalmente do sério. É como se ele tivesse um botão que acionado liga o turbo e ele vai de 0 a 100 em 5 segundos. Estávamos os dois em São Paulo quando disseram à ele que o Antonio Fagundes estava a sua cara, no filme "Bossa Nova". Convenceu-me de ir assistir com ele e fomos só nós dois, em um daqueles Cine Marks que tem uma bilheteria para várias salas. Como ele que me convidou fez questão de comprar os ingressos e eu, enquanto isso, fui para as pipocas. Na entrada do cinema a porteira nos barrou, pois a bilheteira deu os ingressos para outra sala onde estava passando "Por Amor". Voltamos rápido a bilheteria e ele falou:
- Você me deu errado, me deu "Por Amor".
Ficou uma frase por demais esquisita e eu brinquei com ele dizendo.
- Pô meu, ela te deu "por amor" e você acha isso errado?
Todos que estavam na fila começaram a dar risadas, pois ele a furou direto para trocar. Ele, que não entendeu o trocadilho repetiu para a bilheteira:
- Eu não quero "Por Amor", quero o Antonio Fagundes.
Aí, como a coisa ficou mais esquisita ainda, até a bilheteira começou a dar risadas e ele foi ficando macho, apesar de dizer que queria o Antonio Fagundes. Quando consegui fazê-lo entender os cacófagos ou coisa que o valha que estava acontecendo ele já estava espumando e só aí começou a dar risadas também.

Em uma outra vez, estávamos no shopping e resolvemos ir a praça da alimentação comer uma pizza. Era num tal de Mr. Pizza, que acho que não existe mais, e pedimos uma grande de mussarela. O balcão era daqueles em dois níveis, onde o lado do cliente era mais alto. Você comprava a ficha no caixa e pedia pros atendentes que ficavam atrás do balcão e que passavam o pedido para os pizzaiolos que iam preparando e dando espetáculo. Rodavam a massa na ponta do dedo e outras acrobacias que ele logo achou por demais sem graça. Quando a nossa ficou pronta, colocaram-na na parte de baixo do balcão e ela ficou ali esquecida, esfriando. Como nós estávamos prestando atenção em tudo, pois a fome era grande, percebemos que aquela era a nossa. Na hora que passou um atendente eu tentei chamá-lo e, apesar do nome, ele não me atendeu. Na segunda passada, quando quis chamá-lo ele nem se dignou a olhar para o meu lado, e isso com a pizza pronta e já esfriando. Aí fiz a besteira e falei para o Tontonio que estava achando que o cara queria me gozar, de propósito me ignorando, pois ele já tinha visto que a nossa pizza estava pronta. Ele só precisava a cortar em fatias, pegar nosso ticket, e nos deixar comer. Tontonio achou que eu estava exagerando e começou com um "psiu" baixinho. Tentou mais uma chamada no mesmo tom e o "PSIU" foi aumentando quando ele percebeu uma risadinha do atendente, que tinha até um certo trejeito. Não dava para dizer, com certeza, que ele era gay, mas como diz meu genro, se faltar um na hora, aquele servia. O Tontonio, já meio emputecido, falou meio alto, algo do tipo:
- O meu, mais um pouco e não vou querer mais essa porcaria fria aí não, hein?
O moreninho olhou para ele e não falou nada, acho até que deu uma jogada de cabeça para trás, daquelas de "pouco me importo" e passou direto.
Foi o suficiente para acionar o turbo. Na próxima passada que ele deu no alcance do braço do Tontonio, ele deu o bote. Não posso dizer que o pegou pelo colarinho, pois a camisa não tinha gola, mas grudou na malha na altura do peito e trouxe o neguinho pra junto dele. Parecia uma onça que, quando cata a presa, a puxa por sob o corpo. Ele de um lado do balcão e o pernóstico do outro, que para não cair já colocou as mãos por sobre a nossa pizza e, com o nariz colado no bicho, ou talvez bicha, babando em tudo que estava no balcão, pelo lado de dentro, falou:
- Seu viadinho, pega essa pizza e enfia no rabo. Chama seu gerente que quero garantir que você vai fazer isso. Quer gozar compra um girico. Isso soltando uma quantidade de perdigotos, que se o nome vem de gotas, nesse caso foi perdinchurrada, pois o bicho babava uma quantidade absurda na cara da bichinha, que de moreninho ficou branquinho. Veio o gerente e não teve coragem de enfrentar a situação e eu já estava vendo chegar os seguranças do shopping e levarem a gente. Ele empurrou o garçom para longe e perguntou pro que ele achou que era o gerente, pois estava com uma roupa diferente, e bordado um Mr. Pizza no bolso:
- O Mr. Pizza, estou aqui há meia hora olhando a minha pizza esfriar e esse porra aí não se dignou a me atender e quando consegui, finalmente, chamar a sua atenção ele enfiou as duas mãos na minha pizza. Tem cabimento?
Deram outra pizza para nós e o Tontonio acompanhou a sua fabricação inteirinha, para garantir que não iam fazer nada de errado nela e a bichinha sumiu dali.
Nunca mais fui no Mr. Pizza. Nem ele.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Gerson

Tem amigos que você não esquece nunca, mesmo depois que você perde o contato. O Gerson, depois que formamos há quase 40 anos atrás, nos encontramos somente umas 5 vezes. No meu casamento, um carnaval que ele passou aqui em Corumbá, nos casamentos da minha filha e de sua filha. Mantemos pouco contato por email, mas estamos sempre sabendo um do outro. Foi um baita amigão que eu tive. Varamos muitas noites juntos fazendo projetos para a escola. No último ano, cada matéria tinha um projeto de graduação que você tinha que entregar e era a nota do último bimestre. Hoje existe uma tal de monografia que o pessoal tem que fazer. Na nossa época era variografia, pois era um para cada matéria. Tá certo que era feito em grupo e o nosso era muito bom, formado por Gerson, Ricardo, Vuru, Fausto e eu e eram projetos de uma turbina, para máquinas hidráulicas, uma ponte rolante, para máquinas de transporte e levantamento, uma caldeira para metalurgia e já não lembro mais do resto. Mas era uma coisa que começava na primeira aula do ano e terminava com a entrega do projeto pronto, na última. Tinha que ser tudo detalhado, desenhos e cálculos com memoriais descritivos. Pode parecer mentira, mas com todo esse tempo para fazer a coiseira toda, sempre terminávamos no último dia e na última hora, e isso após passar a noite em claro, tomando uns rebites, um tal de "reativam", que o Ricardo conseguia comprar na farmácia sem receita médica.

No meu casamento, estava programada uma grande festa e o Gerson foi o único amigo que despencou de São Paulo para assistir ao meu enforcamento e a última noite de solteiro nós passamos juntos. Eu num nervoso só, pois não sabia de casaria no dia seguinte, pois uma tia muito chegada de Bea estava internada no Rio e passando muito mal. Estava meio que acertado que o casamento seria adiado, pois meus sogros tinham medo de ela vir a falecer na hora da cerimônia e seria aquele transtorno todo. Fomos dormir tristonhos, pois além de gostarmos muito dela era um dia muito especial para nós e o Gerson foi o companheiro nessa hora difícil. No dia seguinte cedo fomos para casa de Beá para ter notícias e quando me viram de camisetas e calças jeans quase que enfartaram. A tia Vanilda tinha melhorado e resolveram manter a data do casamento naquele dia, só esqueceram de avisar o noivo. Voltamos a galope para casa para tomar banho, fazer barba e colocar o terno da execução e foi o Gerson quem deu o nó da minha gravata. Lembro-me dele brincando que estava dando o laço no presente de Beá e eu dizendo que era o nó da forca.

A última vez que estivemos juntos foi no casamento de sua filha. Muito chique, ela casou com um empresário no ramo das telecomunicações e lá conheci a Luciana Gimenez. Conheci assim, deixei ela passar na minha frente na fila de cumprimentos. Estava linda em um vestido decotado de matar qualquer cristão normal. Levei uns bons beliscões de Beá, que no fim concordou que era impossível não olhar para uma mulher daquele tamanho, tão alta, com um decote tão baixo. Mas o detalhe da festa foi Beá que, quando viu o chiquê das coisas, resolveu tirar os óculos. Eu tinha que irradiar o que ela estava comendo e isso sem conhecer absolutamente nada do que estavam servindo. Eram uns canapés não identificados, gostosos, mas totalmente diferentes do que estávamos acostumados.

Foi muito legal ver o Gerson, seu Jamir e dona Francis, seus pais e o irmão que não víamos desde a época da nossa formatura. Fiquei muito contente de ver que eles se lembravam de mim e da nossa época de estudos e foi minha despedida da sua mãe. Algum tempo depois ficamos sabendo de seu falecimento. Conversei muito com seu Jamir, na casa dos 85 anos, e ele me mostrou que precisamos saber envelhecer. Comparou a vida como a de um jardineiro que passa a maior parte de seu tempo plantando flores e tem o momento de parar para ver sua beleza e sentir seu perfume. Falou isso olhando para seus filhos e para a neta que estava casando. Não podia esperar outra coisa do pai do Gerson. Pelos frutos você conhece as árvores e ele foi um ótimo jardineiro. Nós, sessentões, precisamos conviver com pessoas mais velhas e bem resolvidas e ver que toda a idade tem seus momentos felizes.

No seu último e-mail o Gerson me convidou para ir a Itu visitá-lo e eu não respondi, mas tenho certeza que 2011 não vai passar sem que façamos isso. De repente até reencontro a Luciana Gimenez, né Dona Beá.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Paraty

Paraty é uma cidade paradoxal. Tem motivos suficientes para você detestá-la e outros para ficar completamente apaixonado. Estive lá pela primeira vez a mais de 35 anos atrás. Fui com Bea, papai e Mamãe para conhecer. Para turismo é a coisa mais linda. Cidade antiga, com ruas de pedras e casas coladas umas nas outras sem muros de divisa e nem recuo para rua.

Minha filha Laura comprou uma para passar os fins de semanas. Todos os anos, logo após as festas de natal e ano novo, passamos alguns dias com ela lá. Fica na parte histórica da cidade que é tombada e você não pode mexer em nada. Qualquer reforma tem que ser aprovada pelo Iphan e não se pode descaracterizar nada. A casa tem uns 5 metros de largura por uns 30 de comprimento e vai de uma rua a outra. No passado deviam ser duas casas, pois é sobrado e tem duas escadas. Muito charmosa e agradável. Meu quarto de hóspede tem uma porta que dá para a rua, assim como a janela do banheiro. É muito interessante você fazer o número 2 lá, pois participa das conversas dos turistas que passam pela rua e às vezes eles escutam o barulho produzido por você. Interessante a sensação de estar fazendo coco em público. A cidade é completamente diferente de tudo que já vi aqui no Brasil. O pessoal fica de portas abertas e não existe roubo. Assuntando sobre o motivo, escutei várias explicações e a mais lógica foi a de Beá:
- O cara vai roubar como? Não pode entrar carro, tem que carregar o produto nas costas, e se tiver que correr por essas ruas de pedras vai tropicar rapidinho.

Já aconteceu de eu estar na sala vendo televisão e entrar turistas para visitar a casa. Quando me viram e perceberam se tratar de residência particular, pediram desculpas em inglês, e soltei meu "well come" e eles saíram felizes da casa. Realmente é um lugar fora de série e apaixonante. Agora, tem coisas para aborrecer o sujeito também. As ruas de pedras são coisas lindas de se ver e horríveis de se andar. Quando a maré sobe, a água entra pelas ruas e como não existe rede de esgoto lá, só fossas sépticas, as mesmas transbordam e fica aquele cheiro de esgoto a céu aberto em toda a cidade. Na primeira vez você estranha uma barbaridade, mas com o tempo se acostuma e aquilo passa a fazer parte de sua vida. É como quando você vai ao banheiro fazer o número 2. Você de preocupa com a quantidade, consistência, velocidade de escoamento para não fazer onda, mas nunca com o cheiro, por pior que possa ser. Assim é Paraty depois que você se acostuma, é como cheirar o próprio pum. Sendo seu, não te incomoda.

As praias são inúmeras, mas tem que ter um barco. Uma natureza exuberante e praticamente inexplorada, cheia de matas virgens.Cada prainha tem um restaurante de sapé tocado por um caiçara e vale pela diferença. Você come uma lula muito gostosa enquanto os micuins ou borrachudos comem você. É o equilíbrio ecológico funcionando. Mas apesar de ficar uns dias coçando e meio inchado nos lugares picados, você também acaba se acostumando. As outras coisas agradáveis são particulares do casal Laura e Zé, que são seus vizinhos. A Juliana com o Kiko foram os responsáveis por levá-los para lá. Difícil casal mais simpático, além do que ele prepara uma caipirinha de vodka e lichia que é do outro mundo. Todas as vezes que os visitamos saímos completamente tontos de lá. Tudo isso junto torna aquele local um dos mais aprazíveis que conhecemos. Apesar do cheiro de cocô.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Velho brocha

Se tem uma coisa que não tenho é presença de espírito. Sou daqueles que, quando surpreendido fico naquela de "ah é, é" e não saio disso. De um tempo para cá comecei a desenvolver uma técnica de quando não ter o que falar responder com algumas frases padrões do tipo: “De onde você tirou isso?” ou “quem te contou?”
Você invertendo a pergunta, ganha tempo para pensar em uma resposta mais apropriada e o mais importante, tendo uma resposta na ponta da língua você se tranqüiliza para procurar rapidamente outras opções. Já deu certo, ultimamente, em duas ocasiões.
Na primeira, ia subindo a rua 15 que é mão única e ia virar a esquerda na rua Colombo. Não percebi que estava um pouco afastado da faixa da esquerda, pois não existe nada pintado no chão e vinha um gol me podando. Quando ele buzinou eu meti o pé no freio e o carro parou completamente. Ele que freou também, parou ao meu lado. Os dois carros com insufilme no vidro não permitia que nos encarássemos. Quando ele começou a baixar seu vidro, achei que se tratava de algum conhecido e baixei o meu também, já me preparando para me desculpar, quando um cara de uns 40 anos, me olha nos olhos e fala:
- Seu velho brocha!
Indignei, não só com o velho mas muito mais com o brocha. Olhei bem para ele e respondi na lata:
- Porra meu, sacanagem. Sua mulher me prometeu que não ia contar para ninguém.
O nego ficou meio desconcertado e eu podia jurar que ouvi ele falando "ah é, é".
Numa outra ocasião, estava parado no farol quando um casal ia atravessar a rua. Quando o farol abriu para mim e a mocinha, bem bonitinha por sinal, me olhou fez sinal que ia parar. Eu, gentilmente, fiz sinal com a mão para que ela prosseguisse que eu ia aguardar. Eles atravessaram e o marmanjo invocou, acho que mais pelo sorrisinho de contentamento dela do que por qualquer outra coisa e quando dei por mim o nego estava na minha janela perguntando o que eu estava olhando. Quando vi o físico de borboleta dele, devia ter um metro e sessenta de altura e uns 50 quilos, respondi:
- Sua mulher e você tem razão de ficar com ciúmes. Ela bonita assim e você feio desse jeito.
Como o carro já estava engatado sai, mas devagarinho, e vi a menina puxando ele e falando:
- Toma besta.
Tudo é uma questão de ter opções. Quantas vezes o nego te pergunta:
- Quem você esta pensando que é?
Já percebeu que pergunta mais idiota. Como alguém pode deixar você sem respostas perguntando quem você é. Tem que responder na lata com outra pergunta do tipo:
- Seu pai? Só aceito depois do teste de DNA.