quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Quase quase

Quando comecei a fazer o meu mestrado cheguei a ficar meio aficionado por cálculos. Em qualquer lugar que ficasse parado eu começava a analisar a estrutura. Às vezes nem via a missa passar. Ficava olhando as abóbodas e vendo como as forças eram distribuídas até o solo e calculando mentalmente o quanto aquilo estaria superdimensionado pelas restrições da época da construção. À medida que as estruturas foram ficando mais leve devido ao aumento da resistência dos materiais, a precisão de cálculo, ao concreto armado e depois protendido, os esforços dinâmicos passaram a ter importância, que antes pela rigidez das estruturas podiam ser ignorados, mas que com as estruturas mais esbeltas faziam surgir oscilações que muitas vezes entravam em ressonância e acabavam caindo.

Estava nessa época de estudos de Análises Dinâmicas com o professor Paulo Rizzi, que também era meu orientador, quando meu irmão Tontonio foi a Taubaté passar alguns dias comigo, incumbido de comprar um novo carro para papai. Depois de muito testar optamos por um opala 2,5 litros, 4 portas, café com leite, da GM, muito bonito. Depois de colocar toda documentação em ordem pegamos a estrada para Corumbá, na realidade até Campo Grande, e de lá pra cá embarcado no trem da noroeste. Optamos por pagar mais caro e colocá-lo em vagão fechado, era mais seguro, pois existiam uns vândalos, é já tinha isso desde aquela época, que gostavam de atirar pedra no trem e poderia amassar o carro novinho. Bea com as crianças estavam já em Corumbá, de modo que saímos só os dois e logo após o término do meu expediente. A idéia era ir dormir em São Paulo, mas quando estávamos chegando resolvemos esticar e dormir mais para frente e diminuir a perna do dia seguinte.

Como o papo estava bom fomos noite adentro até que no clarear do dia começou a formar um temporal. Começou a chover muito duro e não deu tempo de acharmos um posto para parar e começaram a cair granizos. Nós, com o carro zerinho do velho, começamos a ficar desesperados em pipocar toda a pintura quando tivemos a idéia de parar debaixo da primeira ponte que aparecesse. Quando apareceu percebemos que a idéia genial tinha sido compartilhada por todos, mesmo os que estavam com carros velhos e tivemos que continuar até o primeiro posto. Entramos nele e ficamos de baixo da cobertura. Verificamos a pintura e, como por milagre, estava intacta. Aproveitamos para dormir um pouco dentro do próprio carro. Enquanto não vinha o sono eu comecei a estudar a estrutura da cobertura metálica que nos abrigava. Eram dois pilares centrais com um vão de mais de 15 metros e com um balanço de 10 metros de cada lado e também nas extremidades. Era uma coisa monstruosa, dando uma área total de 20 metros de largura por 35 de comprimento. Comecei a perceber que a mesma estava oscilando e que a amplitude ia aumentando e quando cessava o vento, ela parava. Comecei achar que era o efeito do sono, não podia estar vendo aquilo, mas resolvi comentar com o Tontonio, e pedi para ele observar também. Ele já me puteou e disse:
- Você quer me gozar, né? Esta merda esta aqui há vários anos e você acha que vai cair na minha cabeça exatamente agora? Pare com esse pessimismo senão não vou conseguir dormir e vamos bater o carro e morrer os dois.
Ia retrucar que isso é que era pessimismo mais achei o argumento dele convincente. Acabei por dormir com o balanço da estrutura, e como balançava! Acordamos já com sol a pino e vimos que já passava das 8 da manhã. Resolvemos ir tomar café no próprio posto depois de confirmarmos que o carro estava realmente em ordem. Saímos conversando de outras coisas e já tinha esquecido da oscilação da cobertura quando, uns 50 km para frente, passamos por outro posto muito parecido com aquele em que dormimos e já vimos o estrago.
A cobertura tinha caído e sob a mesma devia ter mais de 20 carros. Paramos para ver o que tinha acontecido quando um caminhoneiro nos falou que o teto veio abaixo na hora do temporal. O Tontonio olhou pra mim e meio que começou a chorar, ele é muito chorão, não sei se de alegria ou de ver como aquele carrinho estava dando sorte e escapando de cada uma por tão pouco e falou:
- Porra meu, podia ter sido o outro em que nós estávamos e você não vai acreditar, mas eu sonhei que você falou que ele ia cair na nossa cabeça.
Assumi o volante e não deixei ele dirigir mais o resto da viagem.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Dr. Murtinho

Dr. Murtinho era médico oftálmico e muito amigo de papai. Sempre ia à exportadora e ficava de papo com ele. Era um contador de causos compulsivo, aqueles que gostam de inventar estórias que sabem ser impossível de você acreditar, mas contam e ficam chateados se você duvidar dele. Joao Paulo II estava recém eleito papa e ele falou para papai:
- Eu sabia que ele seria o escolhido. Esse Karol vai ser canonizado ainda. Escute o que estou dizendo.
Quando quiseram saber de onde ele conhecia o papa ele respondeu:
- Oras, da Polônia. Eu jogava bolitas com ele quando éramos crianças. Temos a mesma idade. E ele era muito bom no jogo. O jogo terminava quando ele ganhava todas de todos. Só que ele ficava com dó da gurizada e devolvia. Um santo.
E aí daquele que desse risada dele.

Era também faixa preta de karate e o mais alto grau de capoeira. Ganhou todas as competições que participou no Rio de Janeiro, quando ele estudava medicina. Teve que parar por causa do acidente. Ele estava com a namorada na praia e ela pediu que ele fosse pegar um sorvete para ela. Quando voltou tinha um desses cariocas marombados, 1,90 m de altura, incomodando a namoradinha. Ele do baixo de seus 1,70 m pediu gentilmente que o cavalheiro fosse ciscar em outras bandas que ali o terreiro era marcado. Quando o cara quis reclamar com um "ela é muita areia para seu caminhãozinho" ele desafiou a peça para conhecer o seu turbo. Não sabia que estava enfrentando o "não sei quem" campeão brasileiro de boxe. Mas também não faria diferença e quando o cara ficou em posição de briga o Murtinho deu-lhe um golpe, que acho que chamava "rabo de arraia". Ele explicava que ficava apoiado no calcanhar do pé esquerdo e batia com o direito, em alta velocidade, na perna do adversário que com o impacto ia pro chão. Só que o cara era bom e pulou antes de levar o golpe fazendo a perna passar direto e numa velocidade tão grande que ele começou a girar que nem um peão e foi-se enterrando na areia. Quando estava chegando a altura do saco, para proteger o mesmo, ele deu um contragolpe para parar a rotação e danificou a terceira quarta e quinta vértebra lombar. Desse dia em diante não pode mais lutar.

Todos escutavam sem demonstrar o mais leve sorriso, não sei se por respeito ao velho Dr. Murtinho, ou por medo de levar aquele poderoso rabo de arraia.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Coisas da vida

Existem poucas pessoas que tem grandes feitos no seu passado e por isso viram histórias, entretanto existem milhares de outras que participam ou participaram ativamente de sua vida, mas não se transformaram em personagens públicas, mas quando você fecha o foco sobre sua vida, você percebe que para você, elas são ou foram muito mais importantes. Santos Dumont, por exemplo, muito importante para a humanidade, mas o Zé Mauro nosso piloto, que vive com meus filhos de cima pra baixo em um monomotor, muito mais importante para mim. Alberto Sabin, médico inventor da vacina, super importante para a humanidade, Jamal Wheba que cuidou dos meus filhos e agora dos meus netos e Antonio Carlos Lopes que cuida de toda minha família, muito mais importante para mim e por aí vai. A conclusão que eu chego é que você tem que procurar ser importante para alguém, e é melhor ser muito importante para poucos do que pouco importante para muitos. Pode parecer consolo de nego que passou a vida toda sem deixar nenhum legado para a humanidade, mas na realidade é o reconhecimento da muita importância que muitas pessoas "sem importância" tiveram em minha vida.

No final do mês de julho eu estava com toda a família, filhos e netos na fazenda Piratininga, como faço todo ano, quando recebi umas das notícias mais tristes desde a morte de papai: meu primo José Alberto tinha falecido. Aquele do "Vermelha ou Preta", do "Ta vendo", do "Morcego Xipófago". Fui ao seu velório e vi a quantidade de amigos e parentes que choravam a sua partida e deu para perceber que ele foi um cara muito importante para todos que conviveram com ele. Foi uma correria eu conseguir chegar para seu velório, estava na fazenda com avião, mas sem piloto. Eu recebi a noticia via e-mail pela filha de outro primo, o Dirceu. Já eram mais de 10 horas da noite. Entrei na internet, que é o único meio de comunicação que nós temos e só achei a Regina, nossa office girl, plugada. Pedi que ela entrasse em contato telefônico com o Zé Mauro, que estava em Campo Grande nos 60 anos de sua irmã e conseguisse um piloto para vir me pegar no primeiro horário do dia seguinte. De Campo Grande ele conseguiu. Do aeroporto fui direto para o velório e cheguei em cima da hora. Apesar de toda tristeza do momento, hoje fico contente de ter conseguido chegar a tempo de me despedir do Zé Macaca.

Ainda não tinha sido a missa do trigésimo dia de seu falecimento, quando vendo Mamãe meio tristonha e as vésperas de completar seus 89 anos, junto com minha irmã Maria Lucia resolvemos fazer uma festa de aniversário para ela. Ficamos um pouco preocupados pois ela era muito ligada ao Zé Alberto e poderia não querer a festa por causa do luto. Insistimos, pois nessa idade não se pode ficar adiando coisas por mais que dias e aniversário tem data certa, mas confesso que fiquei um pouco preocupado com a turma do Zé, preocupação esta desfeita da melhor forma possível. No dia da festa estavam todos, sem exceção, presentes. Vou confessar que fiz muito esforço para não chorar quando abracei a Maria Mercedes, sua esposa. Acho que foi a maior demonstração de carinho que Mamãe recebeu nesse dia. Em segundo lugar, Poconé que me perdoe por ficar com a medalha de prata, foi ele com a esposa que vieram de Montevidéu para assistir aos 89 anos dela. São pessoas que fazem parte das nossas vidas e são muito importantes para nós.

Obrigado a vocês dois, Maria Mercedes e Poconé, e as suas famílias.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Alzirinho

O Alzirinho é advogado formado pela USP no Largo São Francisco como o Bira. É companheirão de todas as horas. Bom de papo, sabe falar e escutar. Mas como todo ser humano tem um defeito: leva tudo a muito sério e isso desde que tinha 20 anos. Sempre foi assim. Lembro-me como se fosse hoje quando há mais de 40 anos atrás eu namorava uma Corumbaense que se mudou para São Paulo e foi morar na Lapa. Eu era interno no arquidiocesano a semana inteira e só sábado ia até a casa dela para namorar. Tinha 15 para 16 anos e ia de ônibus. Ela se chamava Jussara e tinha uma Irmã, a Rosinha, por quem o Alzirinho se apaixonou. Pegávamos o ônibus juntos, eu já firme e ele na tentativa. Ele já estava na faculdade, tinha uns 5 ou 6 anos mais do que eu. Numa dessas idas que demoravam quase uma hora, ele começou a falar de futebol e resolvi dar uma gozada nele, dizendo que futebol não combinava com um quase doutor, que aquilo era coisa de plebeu e outras merdas do tipo. Foi a maior besteira, chucei onça com vara curta. O cara começou a fazer um discurso sobre o sentido da vida, felicidade, euforia, comparar um campo de futebol inocente com as arenas dos romanos e a coisa foi até quase chegarmos à casa da Jussara. Para fechar o discurso veio a pérola como desfecho. Ele falou e nunca mais esqueci:
- Tadeu, nas coisas simples estão as grandes alegrias do homem e são elas que dão colorido a vida.

Hoje concordo plenamente com ele, com a frase, pois continuo tirando sarro dele. Na última vez que veio a Corumbá fizemos um almoço para ele e Bea serviu Banana Real. Ele adorou, pegou a receita e fez tanta propaganda que não consigo mais comer banana real sem me lembrar dele. A última foi domingo passado, dia 30 de agosto, e passei essa mensagem para ele:
"Estou comendo uma banana real e me lembrando de você. Quando você vem aqui comer a minha banana novamente?
Beijos
Seu, Tadeu.
Atenção na vírgula."
Ele racha de dar risadas, tenho certeza, mas não responde.
Em outra vez íamos para Assunção em um bimotor, um Baron. Estávamos esperando o Alziro que ia com a gente e ele chega atrasado, já se justificando: "de que adianta você ter um avião particular se não puder chegar atrasado e ver que ele não decolou sem você?" Observamos o traje típico dele, calça de linho e camisa da mesma cor, bege clarinho. Alguma coisa estava errada, como se os botões da camisa estivessem em casas erradas e o meu irmão Tontonio foi tentar arrumar. Quando deu aquela puxada na camisa para fazer o aprumo que ele percebeu o motivo dela estar guenza. Tinha uma banana nanica no bolso e o peso causava o estrago. Quando perguntado sobre o motivo ele disse que não podia ficar mais do que 1 hora sem nada no estômago que passava mal e que gostava demais de bananas. Perguntamos porque ele não usava uma lancheira, que seria mais apropriado para carregar do que o bolso da camisa, quando ele respondeu sério que iria considerar a proposta. Na decolagem ele se mostrou muito nervoso e o Tontonio quis dar um lexotam para ele sem sucesso. Passamos três dias em Assunção dando risadas do Alziro e na volta aconteceu o incidente.
Ele nervoso novamente, sentado de frente para o Zé, que com o Lexotan na mão, insistia que ele tomasse dizendo que tanto nervoso que fazia mal para a pessoa. Ele dizendo que se começasse a tomar essas merdas não pararia mais. Essa conversa toda com o avião taxiando. Luis Mario no comando, eu na frente e co-piloto, Tontonio, Alziro e o Rollemberg atrás. Autorizado a decolagem pelo controle, manete toda para frente, começamos a correr na pista. Foi quando a porta do meu lado abriu e fez aquele estalo e começou a assobiar, pois o ar entrava pela borracha de vedação. Impossível fechar essa porta em vôo e Luiz Mario, que ainda não tinha saído do solo, teve que abortar a decolagem. É um procedimento simples, mas como o aeroporto estava muito movimentado, ele quis sair na primeira intersecção da pista e com isso teve que frear forte. Nesse momento o Alziro abre a boca de susto e o Zé, segurando em seu queixo, joga o lexotam goela abaixo. Junto com o efeito do remédio veio o psicológico e o homem dormiu a viagem inteira e chegando aqui foi quase carregado para casa. No dia seguinte ele não se lembrava de nada, nem da porta abrindo, nem do lexotam, só reclamava que tinha perdido a lancheira que comprou em Assunção e com duas bananas dentro. Esse é o Alziro.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Seu Marinho - parte II

Vovô era rigoroso na educação dos filhos e caxias no seu serviço e a parte I mostrou o quanto. Mas era um cara bem humorado, tinha ótimas amizades e ajudava a todos que vinham até ele. Quando ele desembarcou em Corumbá, por volta de 1900, quem carregou suas malas foi um carroceiro, o negro Juvenal. Foi o primeiro brasileiro com quem ele teve contato em solo Corumbaense e no final da viagem, acho que do Porto até o hotel, ele resolveu contratar o negão para trabalhar como servente da construtora que ele iria montar. Foi seu primeiro funcionário e ficou com a família até morrer e ajudou vovô em todas as suas empreitas. Acompanhou o nascimento de todos os filhos e depois dos netos de vovô. Papai o tratava de Juvenar e falava que era seu irmão preto e a pessoa mais decente que ele tinha conhecido.

Veio a falecer quando Tontônio ia fazer 6 ou 7 anos e com a festa toda pronta. Papai não quis nem saber e foi tudo para a geladeira o que podia esperar, e para o lixo o que não podia. Fez aniversario de 7 anos e oito dias, depois de passado a missa de sétimo dia do velho Juvenal. Vovô enquanto estava vivo tomou conta da sua esposa e ela recebia como se o marido estivesse vivo e depois dele papai e os irmãos continuaram até ela falecer também, isso já em 1960, quando não existiam aposentadoria nem fundo de garantia.

O velho Marinho, assim ele era tratado por todos, pertencia à maçonaria e chegou a gran mestre 33, um dos postos mais altos da instituição. Ele já estava estabelecido em Corumbá e seus negócios caminhavam muito bem. Era representante da Ford Company, correspondente do Jornal do Estado de São Paulo e tinha a agência de um banco, se não me falha a memória, o do estado de São Paulo, tudo no mesmo prédio onde funcionava a Casa Marinho de materiais de construção, localizada na esquina da Delamare com a Antonio Maria.

Corumbá era tão pequena que, com esse ponto, o slogan dele era "Ande mais e Pague menos". Para quem não conhece Corumbá, esse local está hoje a duas quadras do marco zero da cidade e a meia quadra dos principais bancos. Na praça da matriz de Corumbá tem um obelisco em granito maciço que foi feito por ele. Papai conta que vovô, já velho, quis deixar uma lembrança a Corumbá, que o tempo não estragasse. Trouxe de Portugal um cantareiro e mandou retirar o granito da pedreira do porto. A peça era tão pesada que precisou de uma junta de 16 bois para trazê-la até a praça da matriz. O destino quis testar a determinação do velho Marinho e quando o obelisco estava chegando ao seu destino, a roda da alça prima caiu em um buraco e a peça, tão arduamente trabalhada, quebrou em vários pedaços. Ele não se abalou e recomeçou tudo do zero.
Durante muito tempo os restos daquele primeiro obelisco ficaram no quintal da casa do velho Juvenal onde muitos anos depois foi construído o posto marinhos's maxi. Um segundo obelisco foi construído e colocado no centro da praça da matriz e esta lá até hoje, para o orgulho de todos os seus sucessores. Cada neto novo meu quando chega à idade em que já se interessa pelas histórias da família eu levo até lá e conto sobre o seu tataravô e todos ficam orgulhosos dele, acho que exatamente como queria o velho Marinho com o seu obelisco.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O Baio Bosta

As férias em San Martin eram inesquecíveis. Passávamos três meses antes nos programando, um mês durante desfrutando e três meses depois relembrando os acontecidos. Estávamos na idade de enfrentar os medos, de 13 para 14 anos. Tinha um cavalo que se chamava Baio Bosta.
Grande, bonito e todos queriam montá-lo, mas ele tinha fama de corredor e de não obedecer muito bem às rédeas e por isso não estava na nossa tropa. Saíamos para o campo todos os dias, às vezes com os peões para trazer algum gado ou pegar uma matula. Quando não tinha nenhum trabalho para ajudarmos, saímos a passeio. Visitávamos os vizinhos ou íamos caçar. Tínhamos espingardas de ar comprimido que, quando bem atirado, chegava a matar periquito. Mais que isso era perda de tempo.

Teve um dia que cismei de montar o Baio Bosta. Encarnei até que seu Luis mandou encilhar o cavalo para mim. Saí na comitiva que ia trazer um gado para vacinar e passei o dia todo no bicho. Pintei e bordei e mostrei quem mandava. Podia ser bom pras negas dele, mas sentiu a firmeza no meu pulso. Galopava e puxava as rédeas com vontade e a cada freada ele chegava de sentar nas patas traseiras. Completamente sob meu domínio. Quando chegamos do campo e fechamos o gado no mangueiro fomos para desencilhar a tropa. De longe vi toda a turma na porta da casa, seu Luis, D. Paulina e as filhas e resolvi me mostrar. Desafiei os companheiros para uma corrida e saímos desembestados. O Baio Bosta corria muito e muito mais que qualquer outro. Só não me avisaram que ele era de cancha, ou seja, acostumado com corridas, com um pequeno detalhe, que nessas horas ele não obedece ao comando de parar a não ser que seja o final da corrida. Quando quis parar à besta que eu entendi porque ele não estava na nossa tropa.

Puxava as rédeas, ele levantava a cabeça e corria mais ainda. Comecei a me apavorar, pois não sabia onde o Bosta ia parar. Pois ele não podia ter escolhido pior lugar e quando estava na porta da casa ele parou de repente. Só ele, pois eu continuei e sai por cima de sua cabeça e fui de peito no chão. Nunca vi tombo mais ridículo que esse em toda minha vida. Para completar, com a batida do peito no chão de areia, perdi todo o ar e não conseguia respirar, até que não sei quem me enfiou uma porrada nas costas e desencravou o pouco do ar que tinha restado. Nisso consegui dar uma puxada e na entrada o ar fez aquele barulho e dizem que quem estava num raio de 10 metros ficou no vácuo.

Quando viram que eu estava bem e não tinha quebrado nada veio o pior que foi agüentar a gozação e a descrição da cavalgada. Além disso, tive que agüentar um apelido que me pregaram e que me acompanhou por muito tempo: TADEU BOSTINHA.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Nova Avanhandava II

Continuando...
Pegamos o carro e fomos para o aeroporto de São José dos Campos. De Taubaté até lá eram 40 km que percorremos em 20 minutos. O Antonio já enjoou no carro e chegou ao aeroporto vomitando. O avião já tinha pousado e o pessoal da CESP estava todo lá. Os Eng. Lino Yasuda, chefe de engenharia, o eng. Aldo da programação e o Eng. Celso Ortiz que tinha acompanhado e aprovado todo o projeto. O clima era muito tenso, pois estávamos todos igualmente envolvidos. Nós tínhamos projetado e fabricado e eles tinham aprovado o projeto e acompanhado toda programação. Como tinha tido tempo para pensar durante viagem e já passado o susto inicial, quando me perguntaram o que eu achava que tinha acontecido, apliquei o mesmo golpe do Choulian e disse que deveria ser, com toda a certeza, alguma besteira do pessoal da montagem e saíram com essa de ter estourado a comporta da tomada d'água. O pessoal já começou a se tranqüilizar e quando o Choulian chegou parecíamos um grupo indo para o campo de futebol ver seu time jogar.

Para entender o que aconteceu na usina é preciso conhecer os princípios de funcionamento de uma hidroelétrica. Você faz uma barragem em um rio e represa a água criando uma diferença de nível e conseqüentemente uma energia potencial. Essa água, através de condutos que são chamados de adutoras, passa pelas turbinas e fazem-na girar transformando a energia potencial em cinética. Acoplado as turbinas estão os geradores que transformam a energia cinética em elétrica. Por problemas de cavitação, que é a existência de bolsas de ar no meio da água, essas turbinas tem que trabalhar afogadas, ou seja, elas ficam abaixo do nível de jusante. Para isolar esses equipamentos na hora de fazer manutenção, você tem uma comporta que fecha a entrada das adutoras, que são as comportas da tomada d'água e uma outra comporta que fica após as turbinas e, quando fechada, permite o esgotamento da água que já passou pelas turbinas e são chamadas de comportas do tubo de sucção.

Chegamos a nova avanhandava às nove horas da manha e, após esperar o Antonio vomitar mais um pouco, acho que desta vez as tripas, fomos direto para o escritório do canteiro de obras. Éramos mais esperados que ambulância com desfibrilador e todos queriam saber como inaugurariam a usina em 30 dias com esse desastre. Choulian tomou a frente e disse que precisava fazer o diagnóstico antes de dar o remédio e isso começava por ver o paciente. Fomos para o alto da barragem ver as comportas da tomada d'água. A barragem servia de estrada ligando as duas margens do rio e chegamos de carro até lá. Tinha um buraco muito fundo naquela imensa estrutura de concreto e a 40 metros abaixo da crista da barragem estava a nossa comporta. Olhando lá de cima o que se via era uma nuvem de água, como um chafariz. Depois de observar o mesmo. Choulian, com todos atrás, olhou para montante do rio e deu risadas. Quando o chefe da usina perguntou o motivo que ele queria rir também, ele só disse:
- Se tivesse estourado a comporta o lago estaria secando e você veria um vórtice sendo formado aqui. Aquele chafariz que você está vendo é um vazamento da vedação superior da comporta e que se for menor que 300 litros por metro por minuto está dentro das normas e acho que não chega a 20. Nossa parte está em ordem.
O chefe da usina, que foi o causador da confusão toda, ainda quis discutir quando o Lino pediu ao Choulian que os ajudasse a resolver o problema. Fomos até o escritório da engenharia da obra e o Choulian pediu que verificassem qual era o nível da água dentro da usina e se ela estava estabilizada e se as bombas de esgotamento estavam funcionando normal. Verificaram que era o nível de jusante e todas as bombas estavam a toda potência. Choulian mandou desligar todas e observar se o nível ia aumentar. Feito isso e como o mesmo não mudou nada depois de uma hora ele fechou o diagnóstico:
-Chamem mergulhadores que a borracha da comporta do tubo de sucção estourou. A água que está na sua usina é de jusante e não de montante e esse equipamento não é de nossa fabricação.

Não deu outra e fechamos o diagnóstico. Pediram que projetássemos nova vedação com os equipamentos que tínhamos na obra. Ficamos três dias e trabalhamos como loucos, mais de 16 horas por dia. Recebemos cuecas e camisetas com o desenho da usina estampado no peito e ficamos todos uniformizados. Quando voltamos para Taubaté, com tudo atrasado, tivemos que continuar no mesmo batente por mais dez dias para colocar tudo em ordem. Foi um susto e tanto, mas que deixou muitas saudades.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Nova avanhandava

Ano de 1978 e estávamos voltando de uma missão na usina de Emborcação. O Neiler chefe da montagem, o Miguel Vouraski do Comercial e eu da engenharia. Nosso avião pousou em São Paulo às 18 horas e ainda íamos para Taubaté. Era hora do rush e estava começando a chover. De bom só tinha que era sexta feira e teríamos o fim de semana para descansar, pois a viagem tinha sido exaustiva. O motorista da Mecânica estava nos esperando e embarcamos no carro com destino a Taubaté. Parados no trânsito, uma garoa fina caindo quando uma velhinha aborda o Neiler que estava na frente e oferece um bilhete da loteria federal. Ele ficou com pena da velha e fez uma cota para comprar todos os bilhetes dela. Concordamos em participar, mas coloquei a condição de que ele ficasse como responsável de acompanhar e de me avisar se tivéssemos ganhado, pois eu não ia lembrar e nem sabia como conferir. Foi quando ele falou:
- Deixa comigo. Corre no sábado a noite, no domingo no primeiro horário eu já te ligo para avisar que você está milionário. Combinado?

No sábado fomos a São José dos Campos visitar Mena e esqueci daquilo. Domingo, não devia ser 7 horas da manhã quando toca o telefone. Bea levanta para atender e me acorda dizendo que um tal de Neiler estava no telefone e tinha que falar urgente comigo. Levantei num pulo e com a imagem da velhinha na cabeça, já me sentindo milionário. Fomos recompensados por aquele ato de caridade. Não tinha levado isso em consideração nos cálculos de probabilidade. Estava provado que nem tudo na vida era matemática. Que lição estava tomando com essa demonstração do além. Mas... e se fosse sacanagem do Neiler? Não podia ser brincadeira, pois eu tinha um cargo mais alto que o dele, acho que ele não teria coragem de fazer uma merda dessas comigo. Tudo isso me passou pela cabeça no percurso da minha cama até a sala onde estava o telefone. Me controlei ao atender para não ir perguntando quanto tínhamos ganhado.

Quando ele começou a falar eu tive a maior mudança de humor da minha vida. Passei de engenheiro bem sucedido e milionário para presidiário que tinha, com a sua burrice, causado prejuízos imensos a sua empresa e, quiça, a seu país. Não podiam ser notícias piores para um calculista e depois do meu alô, ele já foi falando:
- Tadeu, acabei de receber um telefonema do pessoal da Cesp sobre a Usina de Nova Avanhandava. A usina está inundada. Parece que estourou as comportas da tomada d'água.

Como papai já disse a história se repete e mais uma vez comigo mesmo. Lembrei do japonês da manutenção quando disse que meu pórtico ia cair e derrubar o prédio. Agora o engenheiro de montagem estava me falando que inundei uma usina. Mais uma vez, se tivesse bosta pronta eu me cagava todo. O pesadelo de todo calculista é sua estrutura vir abaixo e estava acontecendo comigo. Lembrei do Choulian e do Japonês burro e quando consegui falar, depois daqueles gemidos característicos, falei:
- E aí, quem passou as notícias e quais as providências?
Acho que impressionei o Neiler com tanto sangue frio, isso por telefone, pois pessoalmente ele não ia ver sangue nenhum, devia estar branquinho que nem uma cera.
- O Pessoal da Cesp (era a dona da usina) e estão mandando um avião chavante de 8 lugares para o aeroporto de São Jose dos Campos, e tem 3 lugares disponíveis para nosso pessoal ir para lá. Se precisar levar mais gente teremos que fretar um. Na hora eu achei que tinha que levar o departamento de engenharia inteiro, mas com três lugares iria eu, com certeza, o Choulian e o Antonio Benedito Pereira que era o responsável por esse projeto. Eu tinha um engenheiro coordenando cada projeto.

O Choulian estava em Ubatuba, ele sempre passava os fins de semana em sua casa de praia. Liguei primeiro para o Antonio e pedi que ele fosse a Mecânica e pegasse o projeto completo do equipamento, trouxesse para minha casa e se preparasse para embarcar para Nova Avanhandava. Ele ainda quis questionar se não poderia ir de ônibus, que desse negócio de aviãozinho ele não gostava muito. Desliguei sem responder e já toquei para o Choulian e falei com D. Virginia. Apesar de ser cedo ele já esta correndo na praia, mas ela me tranqüilizou que iria encontrá-lo e ele me ligava. Fui me aprontar para a viagem, já pensando em como minha promissora carreira acabara tão cedo.

Em menos de 10 minutos o Choulian me retornou e relatei a conversa a ele e as providências que já tinha tomado. Ele me tranqüilizou dizendo:
- Deve ser mais uma burrice desse pessoal da montagem, ou o nosso ou o deles.
Vou subir daqui direto para São Jose dos Campos. Encontramo-nos lá em duas horas. Segure o avião se você chegar primeiro. Saí com o Antonio, o projeto e sem nenhuma mala. Achava que até o fim do dia estaria de volta, mas quá.

A viagem eu conto no capítulo Nova Avanhandava II.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Pacu de tia Eliney

Não lembro o motivo porque foram poucas as vezes que Mamãe viajou sem papai, mas lembro que em uma ocasião ficamos só nós dois em Corumbá. Eu estava no terceiro ou quarto ano ginasial e Mamãe deve ter ido acomodar Tontônio no internato no Arquidiocesano de São Paulo. Só eu e o velho aqui, vivíamos sendo convidados para almoçar na casa dos parentes. Num desses almoços, no Tio Julio irmão de Mamãe, a Tia Eliney sua esposa, fez um pacu ao forno. Era a coisa mais gostosa e bonita. Era um pacu muito grande e por dentro recheado de farofa e couve. Na mesa éramos 4 adultos: papai, tio Julio, tia Eliney e eu, pelo menos já comia como um, mais 4 crianças, os filhos de tio Julio, com idades de 3 a 8 anos. Podemos dizer que valiam por um adulto, então eram 5 barrigas. Tia Eliney foi destrinchando aquele peixe e nos servindo.
O bicho era tão grande que quando acabamos de comer, assim eu achava, a metade de baixo estava intacta. Quando achei que já vinha a sobremesa, papai pediu para virar o peixe, pois ele ia comer mais um pedacinho. Continuamos a conversa e só ele comendo com todo mundo, já de barriga cheia, olhando ele se deliciar com aquele pacuzão. Lá pelas tantas, Tia Eliney começou a ficar preocupada e perguntou:
- Alberto, não é por nada não, inclusive estou super feliz de ver que você gostou do meu peixe, mas você não está exagerando?
- Não Eliney, pode ficar tranqüila que não estou comendo a farofa. Eu não como muito, como devagar.
E comeu sozinho a outra metade.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Tek

Sempre que papai e mamãe viajavam e não podiam nos levar ficávamos na casa de Tia Dirce. Uma das vezes da qual me lembro muito bem, apesar de já ter se passado quase 50 anos, foi quando levaram o Tontonio para fazer a plástica da queimadura (" O dia que o mundo pegou fogo") e eu fiquei sozinho lá. Tia Dirce tinha um cachorro muito grande, não sei de que raça, mas era marrom com manchas pretas, orelhas caídas. Parecia um São Bernardo, mas de pelo curto. Imaginem um bicho bravo, o Tek, esse era seu nome, era muito mais, e ainda tinha um detalhe: ele não ia com a minha cara.
A mesa de refeições de todos os dias ficava em uma varanda ao lado da cozinha. A cobertura era uma parreira, e era a coisa mais gostosa do mundo, não só o lugar como a comida da Isaura, a portuguesa que veio acompanhando Vovó Emília e Tia Ana de Portugal para o Brasil. Ela fritava uns bifes fininhos, que vinham bem passados e era a maior delícia. Nunca mais comi um bife como o da Isaura. Mas voltando ao cachorrão, o Tek ficava na corrente e num quartinho que era uma antiga despensa, e a corrente era presa no batente da porta. Ele preso tinha uma área delimitada que era o quartinho de uns 2x3 e a area externa de um semicirculo cujo raio era o comprimento da corrente, que devia ter uns 3 metros. Quando me via começava a latir desesperadamente e ficava em pé com a corrente esticada. No começo eu morria de medo mas com o tempo foram me tranquilizando que a corrente era muito forte e não tinha o menor perigo dele escapar. Não deviam ter me deixado tão confiante. Observei qual que era o alcance dele e parava naquele ponto e achava o máximo o bicho ficar a centímetros do meu rosto. Acho que via aquilo como uma demonstração de coragem. O cachorro, que já não gostava de mim, adquiriu um ódio mortal. Todo o sacrifício de todos em fazer com que eu perdesse o medo do cachorro foi recompensado, já a raiva dele por mim aumentou ainda mais. Tomavam o maior cuidado de não soltar o Tek quando eu estava lá até que um dia..
A casa de tia Dirce tinha um corredor na porta de entrada, largo e comprido. Era o hall de distribuição da casa e ele ia até os fundos, onde ficava o Tek. Numa extremidade, a porta da rua e na outra a porta que dava para o páteo interno da casa, com um comprimento total de uns 10 m. Nesse corredor estavam as portas das salas de visita e jantar de um lado e a saída para a escada do sobrado de outro e várias cadeiras, daquelas de pano.
Estava voltando do cinema sozinho e com a chave da casa. A porta tinha mais de 3 metros de altura. Entrei e vi a porta dos fundos aberta. Resolvi entrar devagarinho sem fechar a porta da frente e ver onde estava o Tek, pois aquela porta dos fundos não era para estar aberta. Antes de vê-lo eu o ouvi. O barulho das unhas no mosaico e pelo ruído percebi que ele estava correndo muito duro. Quando apareceu aquele vulto no escuro eu vi que a velocidade era tanta que as orelhas estavam penteadas para trás. Ele vinha para me comer. Virei a cara pra trás e dei o maior dez metros rasos de minha vida, puxando as cadeiras para ficarem no caminho dele e ainda dei a sorte de na passada pela porta grudar no pega mão, ela tinha essas alças para fechar, e puxa-lá batendo a porta na cara do Tek. A velocidade dele era tão grande que, pode parecer mentira, mas escutei o barulho das unhas arrastando no chão querendo freiar e a batida da cara dele na porta. Escapei por muito pouco. Era para eu ter morrido comido por um cão de guarda. Joguei pedra na janela e acordei Emilinha que dormia no sobrado e no quarto da frente. Foi por um quase mas o pior ainda estava por vir.
Eu não me lembro se era de manhã cedo ou na siesta da tarde, mas foi o maior susto da minha infância. Estava dormindo quando senti um bafo quente no rosto. Abri um pouquinho os olhos e encontrei com os dele. O Tek estava solto e com a boca a um centímetro do meu nariz. Eu sentia o bafo quente dele e pensei: estou morto. Resolvi continuar de olhos fechados pois se ele ainda não tinha me mordido havia a possibilidade dele ir embora. Me lembro que eu tremia inteiro e veio aquela vontade terrível de ir no banheiro. Eu ia me cagar todo de medo pela segunda vez na vida. A primeira é para outra história. Fiquei quieto, tremendo e de fiofó trancado. Abria o olho devagarzinho e lá estava ele me olhando. Essa agonia foi até que alguém o chamou e por incrível que pareça, antes dele atender o chamado me deu uma lambida na cara, um beijo na boca daqueles bem molhados, e se foi.
Desse dia em diante eu parei de provoca-lo e ficamos amigos. Acho que desenvolvi aquele complexo de não sei o que, que acontece quando o cara fica dominado por alguém, como no caso de um sequestro, e acaba se apaixonando pelo seqüestrador. Me apaixonei pelo Tek.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Mamãe e o padre Gildasio

Padre Gildasio é o nosso pároco e muito amigo de Mamãe. É um excelente orador, daqueles que começam a falar e te prendem a atenção de um tanto, que depois de duas horas o escutando parece que não se passaram mais do que 15 minutos. Mas tem uma coisa: ele sabe que fala muito. Teve uma missa para coroação de Nossa Senhora e todos os bisnetos de Mamãe foram convidados a participar.
Eram meus netos Benjamim, Felipe, Tomás, Antonio Pedro, Isabella e Lara e do meu irmão Tontonio: Natalia, Piera, Chiara e João Paulo. Era criança para dar com o pau. Todas vestidas de anginho, as coisas mais lindas. Felipe com umas asas todas de penas, Benjamim com aquelas batinas brancas parecendo São Francisco. As menininhas todas pareciam ter saído de uma das pinturas de Michaelangelo da capela sistina.
Mas o padre não terminava o sermão e as crianças começaram a se impacientar. A Isabella estava com uma cestinha cheia de pétalas, que era para serem atiradas ao longo do caminho da coroação. A Paty, mãe dela, já tinha recolhido tudo do chão umas dez vezes, sendo que na primeira foram pegos uma a uma e na última já era de mãozada. O Felipinho estava depenando as asinhas e prendendo as penas na cabeca do Benjamim, que de São Francisco já estava parecendo o Touro Sentado. As menores começaram a ficar com sono e querer chorar. A Isabela tinha um laço no vestido e como o mesmo estava comprido, apertava o laço e dava uma fofada nele para não arrastar no chão e ela não queria mais o laço. A coiseira toda estava fugindo do controle e a turma do comando começou a enlouquecer. Resolvi sair de perto e sentei junto com Mamãe no fundo da igreja.
Ela me vendo nervoso pergunta o que aconteceu.
- Se esse padre não parar de falar e chamar essa criançada logo para fazer essa coroação a coisa vai ficar feia e eles vão estar mais para bater no Judas do que para coroar nossa senhora. Esse padre fala pra cacete.
Mamãe se indignou mais do que se eu tivesse falado pro padre pessoalmente e me chamou a atenção dizendo que ele poderia escutar. Eu já com as pelotas na meia por causa dos netos respondi mal para ela dizendo que daquela distância, só se Jesus que tudo vê e tudo ouve contasse para ele. Falei isso e fui apartar briga de Felipe com Tomas que estavam rolando no chão e as asas do Felipe já tinham ido pro saco.
Finalmente o padre encerrou o sermão e foi feita a coroação, e quando a minha tropa marchou pareciam ex-combatentes voltando da 2a. guerra, armafanhados é o mínimo para classificar o traje de todos.
Algumas semanas depois Mamãe fica doente e os médicos resolvem interná-la. Ia visitá-la todos os dias e num desses chega o Padre Gildasio para dar a unção dos enfermos. Estávamos todos conversando quando ele fala que as pessoas estão comentando que a sua missa esta muito demorada. Foi aí que tudo aconteceu. Mamãe sem mais nem menos começa a se desculpar dizendo que eu falei aquilo mas que era um bom homem e gostava dele. Quando escutei ela falando isso, não acreditei mas não conseguia ter a menor reação. Estava embasbacado. Eu e o padre Gildasio.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Lampião aceso 25 anos depois

Semana passada me lembrei muito de meu velho. Ele falava sempre que as histórias se repetem e várias vezes meus filhos me procuraram da mesma forma que eu, há muito tempo atrás, procurei por ele. Mas desta vez a história se repetiu comigo.
Temos uma distribuidora de carnes na cidade, a Sabor10, e toda semana compramos 4 a 5 caminhões de vacas da Ema, nossas empresa de pecuária e o sistema fiscal é o mais absurdo possível. O vendedor tem que ir no IAGRO, que é o órgão estadual de controle sanitário e tirar uma tal de GTA, guia de transporte animal, que só é emitida depois da verificação que existe o gado na fazenda e o mesmo foi vacinado na última campanha. Com essa GTA, o vendedor tem que ir numa agência fazendária ou em um posto fiscal, pagar o ICMS na hora e outras taxas mais e tirar a nota. Entrega esses documentos todos ao caminhoneiro que vai até a fazenda pegar o gado para levá-lo ao frigorífico para abate e no trajeto pára novamente no mesmo posto fiscal e devolve tudo para o cara que emitiu, e isso depois de ficar em uma fila por no mínimo 1 hora, com o caminhão carregado e o gado se debatendo e se machucando. Isso tudo nos dias de hoje, com pagamento pela internet até de compras no exterior, TED's e o escambau, com redes gigantescas onde sua declaração de imposto de renda, ITR e outros são feitos todos on line. Para fazer toda essa tramitação, a gerente tem a minha procuração e apesar de todo trabalho sempre funcionou bem, até o dia em que eu fui tirar a nota.
Estava com a GTA e o cheque em branco da EMA assinada por Bea, minha esposa e gerente financeira, mas sem nenhum documento pessoal. Cheguei no posto e só encontrei nego de Campo Grande e pela primeira vez na vida trompei com um japonês não muito inteligente. Quando entreguei a GTA e o cheque da empresa ele resolveu pedir meus documentos. Falei que estava sem e ele disse que não poderia emitir a nota. Como escrevi há pouco tempo a história do Lampião Aceso, que me aconteceu há 25 anos atrás, eu não acreditei. Estava acontecendo de novo. Quando eu quis me apresentar, começou o dialogo mas sem cabimento da minha vida e foi exatamente assim:
- Meu senhor, eu sou Tadeu Marinho, proprietário das duas empresas, a vendedora e a compradora.
- Então, preciso de seu documento para comprovar isso. É para sua segurança.
Corri até o carro e achei uma notificação do IPHAN e os documentos do carro, esse fica no porta luvas pois constantemente tem um filho filando ele. Mostrei primeiro o documento do carro. O japonês olhou e disse:
- Isso mostra que o carro é do Tadeu Marinho não que o senhor é Tadeu Marinho.
Mostrei a notificação do IPHAN que ele olhou e disse:
- Isso mostra que o Tadeu Marinho esta ferrado com o IPHAN e vai ter que parar a obra mas não que o senhor é o Tadeu Marinho.
- Mas estou com o cheque assinado da empresa em branco.
Aí veio a pérola:
- O senhor pode ter achado esse cheque.
Estourou as pelotas, não agüentei e disse:
- Mas que lógica é essa sua. Achei o cheque junto com a GTA e tive a brilhante ideia de vir até aqui, preenchê-lo com o valor de 800 reais entregá-lo ao senhor e pegar uma nota fiscal de 21 cabeças de gado. Isso tudo em um carro roubado ou, no mínimo, emprestado do Tadeu Marinho. Nunca vi capacidade de dedução igual a essa sua. Você devia trabalhar no FBI e não aqui. Faz o favor de chamar seu chefe que acho impossível ele não ser mais esperto que você. Veio uma senhora e ele já foi falando:
- O cidadão aqui quer que eu tire nota fiscal e não tem nenhum documento.
Antes que a mulher se manisfestasse eu disse:
- Estou com um cheque em branco da empresa assinado, com um carro do Tadeu Marinho, com uma notificação do IPHAN para Tadeu Marinho. Ou vocês tiram a nota ou chamem a policia para me prender por falsificação de cheque e roubo de carro. Eu não vou reagir e espero ela chegar. Aí a mulher falou:
- Como chama a pessoa que vem sempre aqui tirar nota?
- Morgana Viapiana. Tem uma procuração assinada por mim.
- Ok, para mim basta, eu conheço ela.
Nisso, na maior coincidência, encosta o caminhão da ema, com o logotipo dela estampado na porta. O motorista desce e me comprimenta:
- Bom dia sr. Tadeu, tudo bem?
Eu viro pro japonês e falo:
- É meu cúmplice e roubou o caminhão da empresa. Vocês querem é me gozar.
O japonês não agüentou e começou a dar risadas. Depois de meia hora me liberaram com a porra da nota.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Pura

Estava com 11 para 12 anos e muito chateado. Mamãe tinha mandado a Elizabeth embora só porque estávamos "namorando" atrás do guarda roupa. Mamãe sempre foi uma estraga prazeres. Estava numa tristeza só quando entrou a substituta. Era uma boliviana e chamava Pura. Uma máquina que dava de 10 a zero na Betinha. Papai quando viu a Pura, do jeito que ele a olhou, achei que não ia dar certo e ele ia dar com os burros n'agua e falar pra Mamãe tirar os guarda-roupas do canto das paredes. Mas a parada ali era indigesta e na primeira brincadeira de querer ensinar ela a passar pano no chão, já contou pra Mamae e me ferrei. Castigo e quase levei uns tapas. Não ia ser fácil mas eu queria, mais do que inaugurar o monumento, vê-la pelada. Foi quando tive a ideia.
Papai construiu nossa casa em 1949 e, como todas da época, tem as dependências de empregada nos fundos, a edícula. O banheiro não tinha laje e era coberto com telhas de barro. Para facilitar, a edícula era construída germinada com o muro de uns 2,5 m de altura que era um degrau para o telhado. Tinha só um problema. Tirando uma telha, a claridade entraria pelo vão e denunciaria a presença do espião tarado lá em cima, problema resolvido com uma lona preta onde eu cobriria a cabeça e o buraco e poderia ficar desfrutando da Pura peladinha. Quando foi chegando a hora já fiquei prestando atenção na lona e quando vi que ela ia para o banho, corri na frente. Subi no telhado, tirei a telha, deitei e me cobri com a lona que pegava toda a cabeça e um pedaço do ombro. Quieto que nem guri cagado, nem respirava, qualquer barulho iria denunciar a minha presença. Mesmo que ela olhasse para cima não veria nada pois tinha só uma fresta na telha e escurecida pela lona. Agora já barulho ia ferrar tudo. A primeira vez foi ótimo e foi coisa de cinema e foi a primeira mulher que vi totalmente pelada e ao vivo. Gostei muito. Passou a ser programa diário o banho da Pura. Mas o ser humano não se satisfaz de desfrutar sozinho o prazer proporcionado pelas grandes ideias e na primeira vez que o Tontonio me falou "como é boa essa Pura", já respondi que ele nem imaginava o quanto e contei do telhado. Só faltou o bicho sujar a menina para adianntar a hora do banho.
Arrumei um companheiro para sondar junto e aí foi o desastre. Na primeira vez dele, ao invés de arrumar uma outra lona e ir em um buraco novo, ficamos os dois na mesma telha e sob a mesma lona. Na hora H ele não saia do buraco e eu fui ficando desesperado e começamos, cabeça a cabeça, a disputar o mesmo buraco. Nisso me quebra uma telha e quase pega a cabeça da Pura. Rolo formado, a mulher saiu enrolada na toalha e foi direto até Mamãe dizendo que tinha gente sondando ela tomar banho. Não tinha como negar pois a camisa branca estava com aquele limo do tenhado e ela, por nos conhecer e também por absoluta falta de opção, viu que só podia ter sido nós. Perguntou e não conseguimos negar pois, pra piorar, fomos educados a, doa o quanto for, não mentir. Entramos na porrada mas não desisti. Continuei sondando a Pura mas era muito mais difícil.
A garagem tinha uma porta que dava na sala da edícula e eu buraqueva por ali. Era mais difícil pois o campo de visão era só o da fechadura, mas não falei mais para o Tontonio até que, não sei como, ele descobriu e contou para Mamãe. Entrei no cacete de novo e sem entender porque ele tinha me entregado até que comecei a perceber as trocas de sorriso entre ele e a Pura. Até hoje eu não sei o que aconteceu entre os dois e ele ainda fala que não se lembra muito bem dela, como se fosse possível esquecer da Pura. Deve ter promessa aí, daquelas de "Só dou se você jurar que não conta pra ninguém" e tenho que reconhecer que o meu irmão não é de quebrar juramento.
E eu... continuei virgem.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

História para os netos III

10 de agosto de 2010, 20:00 hs.
Tenho até amanhã às 10:00 da manhã, para inventar uma história e contar na escola a convite do terceiro neto, o Antonio Pedro. Não sei mais o que inventar. Tudo que penso é politicamente incorreto. Antigamente a gente podia matar onça, índios e o que quizesse pois era tudo permitido. Que saudades dos tempos do John Waine, quando ele passava bala em tudo, do Gary Cooper, naquele filme cercado por mais de 1000 indios e ele sozinho dava cabo de todos. Agora, se o cara para se defender, der um pau em alguém, tem que prestar bastante atenção primeiro. Se ele estiver de rosa, ou tiver cara de bugre ou pele meio escurinha, você pode ser processado por discriminção, mesmo que tenha apanhado do sujeito. Tá foda. Mas lembrei de uma do Faísca e Fumaça.
“Tinha ido a Ponta Pora, lá era muito bom para fazer compras de produtos importados e estava com toda a família. As crianças podiam escolher um brinquedo cada um, o Daniel veio com um walk-talk e Guilherme com um morcegão de plástico na mão. Era todo preto, com uns olhos vermelhos e com aqueles dentões aparecendo. Era muito bem feito e devia ter uns dois palmos de envergadura, de uma ponta a outra da asa. O radinho eu entendi ele escolherem para comprar, mas o morcego? Me pediram tanto para comprar aquela coisa feia e eu, besta sem entender o porque da paixão pelo morcegão, acabei comprando. O plano já estava dentro da cabeça daqueles dois pestinhas e só descobri porque o tio Cauto deu um flagrante neles.
A vó Odilza morava em um sobrado com uma árvore bem na frente, na calçada. O que os praguinhas fizeram? Colocaram um fio de náilon passando pela arvore e indo até a sacada do sobrado. Na ponta eles amarraram o morcego e quando puxavam o fio o morcego subia, largava o fio o morcego descia, e tudo isso balançando as asas. Toda vez que aparecia alguém, do outro lado da rua, com o walk-talk, um avisava o outro para se preparar. Quando a vítima esta bem embaixo da árvore, o de cima soltava o morcego na cabeça da vítima e quando o coitado quase se borrava nas calças de susto, eles rachavam de dar risadas. A brincadeira foi até pegarem uma velhinha brava que descobriu a bricadeira e isso na hora que o tio deles estava chegando. Foi aquela bronca e escondi o morcego, mas no dia seguinte, nova reclamação. Não sei onde arrumaram uma aranha e assustaram um velhinho de um tanto que ele até fez xixi nas calças. Aí não teve jeito e ficaram de castigo uma semana sem ir na casa da avó. Igual a essa tem um monte e da próxima vez eu conto outra.”
Encerrei a terceira história. Ainda faltam Benjamim, Isabella e Lara. Haja imaginação.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Zé Mauro

O pantanal mato-grossense é a maior planície alagável do mundo. Ao fundar qualquer fazenda aqui, uma das primeiras coisas a ser construída é a pista de pouso. Você vai precisar dela para os acessos durante a cheia e também os de emergência. Praticamente toda fazenda tem uma, e operam-se nos mais diferentes tipos, curtas, com cabeceiras altas, pesadas de areia, irregulares, com lombadas ou depressão no meio e por aí vai. A segurança está em se ter uma boa aeronave e um bom piloto. Nosso primeiro avião foi o PT-DMI, era um sky lane 182, de 4 lugares igual ao de "Cadê Corumbá?", que em 1968 me deixou sem gasolina. Era um avião velho que reformamos inteiro, célula e motor. Resolvemos trocá-lo por um maior e compramos o PT-OVX, um monomotor, cessna também, mas de 6 lugares e semi novo, que importamos dos EUA. É a aeronave para o pantanal, trem fixo, asa alta, 300 cv de potencia, razão de planeio igual a de avião pequeno, uma Brastemp, para nós aqui não existe avião melhor. Quando um bi motor tem uma pane em dos motores, com o outro você vai embora. O problema desses bi motores é que eles precisam de muito mais pista e por terem trem retrátil precisam que o piso seja bom, o que não é o caso da maioria das fazendas.

Zé Mauro é nosso piloto e costuma dizer que melhor que nosso avião só helicóptero, mas que sendo mono motor, já esta em pane desde a decolagem. Parou não tem mais jeito e a única alternativa é terra. E nesse momento a sua vida esta nas mãos do comandante. Se o nego for bom você tem muitas chances pois esse nosso pantanal tem muitas pistas naturais. Ser bom é ter braço, ou seja, total controle sobre a máquina, conhecimento que é saber exatamente onde você está a todo o momento e conhecer todas as pistas próximas e sangue frio que é para não se apavorar na hora H. Zé Mauro reúne todas essas qualidades e com sobra.

Bom de braço ele mostra a cada pouso, é só manteiguinha, como dizemos aqui, e você nem sente a hora em que as rodas tocam a pista. Conhecimento deste pantanal também tem de sobra. Fomos ferrar um gado que eu tinha comprado na fazenda Tapera, vizinha a uma que arrendávamos, e o proprietário, que também é piloto, quando o viu fez a maior festa e me contou este caso. Ele estava vindo de Campo Grande para a Tapera e se perdeu no caminho e como já estava escurecendo chamou pelo rádio do avião algum colega que estivesse voando pela área e me detalhou o dialogo mais estranho que procuro transcrever abaixo:
- Vamos ver algum companheiro de freqüência é o Pt-XYZ. Estou perdido de Campo Grande para fazenda Tapera precisando de ajuda.
- Positivo companheiro. Me informe sua posição.
- Negativo companheiro, aí está o problema. Nem imagino onde estou. Já dei tanta volta que estou completamente perdido.
- Okapa companheiro. Me informe algo que você esteja vendo sob a aeronave. Está sobrevoando o que?
- Hã, positivo. Estou sobre uma fazenda de telhado de zinco, mangueiro quadrado e que tem um carneador bem longe do disco. Mas não tem pista.
- Positivo companheiro. Me confirme se tem um chiqueiro perto da casa com telha de barro.
- Positivo, positivo, positivo! Isso mesmo hein companheiro.
- Pois bem. Rume norte, faça uma curva a direita e alinhe o chiqueiro com a casa. Voe 15 minutos e bom pouso. Já cheguei ao meu destino, mas vou fazer um sobrevôo até você ver a sua fazenda. Me confirme assim que você avistá-la.

Diz o Nilton, acho que era esse o nome dele, que quando confirmou agradecendo todo feliz da vida, fazendo os maiores elogios naquela felicidade de quem foi tirado de uma baita fria, já não teve resposta e pensou: ou esse cara é muito modesto e não quis responder, ou é tão bom e tinha tanta certeza do que falou que já pousou e nem aguardou a confirmação. Como ficou demais impressionado com tudo que aconteceu e no momento do nervosismo nem perguntou pelo nome do seu anjo da guarda, resolveu vir a Corumbá assuntar e ver quem era seu salvador. Chegando aqui e encontrando alguns pilotos no aeroporto, contou o ocorrido e disse que queria achar o piloto para agradecê-lo e não sabia como. Na hora todos concordaram que só podia ser o Zé Mauro. Depois disso se tornaram grandes amigos.

Sangue frio ele demonstrou quando era piloto do Aníbal Zacarias e estava voltando para Corumbá com toda a sua família. Esposa, três filhos e babá. Era um cessna 210 com trem escamoteável e no pouso o trem não desceu. Experimentou o comando manual, fez várias descidas de alta razão com subidas repentinas para ver se o trem baixava e nada. Quando foi para o pouso sem o trem, ele reparou que o pessoal do aeroporto tinha roçado o gramado do lado direito da pista. Resolveu acelerar o pouso antes que roçassem o lado esquerdo também e tirassem o capim que ia amortizar o pouso. Nem riscou o avião.

Além de bom piloto o Zé Mauro é um dos caras mais engraçados que já conheci. É matuto legítimo e não tem vergonha disso, pelo contrário tem muito orgulho. Meus filhos quando chegaram formados por aqui, em dois tempos estavam falando como ele. Sentam pra comer e falam "vamos unhar", que é pegar com as mãos. Ele tem as historias mais engraçadas e já falei a ele que dava para um livro que seria best seler. Uma das que ele me contou e gostei muito, foi de uma vez que não sei quem estava com o caminhão quebrado no pantanal e ele foi socorrer o tipo. Quando não deram conta do conserto pois faltava um platinado, ele propôs voltarem todos no avião. Na hora do embarque, o caminhoneiro falou:
- Oh, seu Zé, esse negócio não tem perigo não? Eu nunca voei de aeroplano.
O Ze já estranhou demais o aeroplano e procurou tranqüilizá-lo:
- Fica tranqüilo que é melhor que seu caminhão. A única diferença é que caminhão tem motorista e avião, e não aeroplano, tem comandante.
Foi a besteira...
- Diz aí COMANDANTE (carregou no comandante), esse negócio aí que voa tem "pratinado"?
- Tem seu fulano, dois.
- Pois então vocês vão tudo tomar no cu sozinhos pois não entro nessa merda nem picado de cobra.
E não entrou no aeroplano.

Outra boa contada por ele e a do casal de roceiros, seus amigos, que estava tirando mandioca na rocinha deles, quando o marido abaixado, levou um bote de uma boca de sapo que quase o pegou no nariz.
O matuto caiu para traz e gritou:
- Muié, uma boca de sapo quase deu um bote no meu nariz. Quase me caguei todo de susto.
A mulher vira pra ele e fala na maior:
- Isso é “procê” aprende mi escuitá e não vir pra roça sem bota.

Mas a maior qualidade do Zé Mauro é sua honestidade e dedicação. Devemos muito a ele, ao Márcio, ao Chu e a alguns outros de quem ainda vou falar nessas memórias, que juntos deixaram seus nomes gravados na história da Ema.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Faísca e Fumaça

Os gêmeos puxaram a genética de vovô Marinho quanto ao prognatismo mandibular, ou seja, eram queixudos. Quando atingiram os 18 anos o dentista que os acompanhava, o Dr. Vogel, encaminhou-os para um médico de São José dos Campos, que era o bam bam bam da época nesse tipo de cirurgia de redução mandibular, Dr. Antenor Araujo.
Quando chegamos lá, o médico os examinou e marcou a cirurgia dos dois para o mesmo dia, e seria feita em um pequeno hospital onde só se fazia isso, de modo a diminuir as chances de infecção hospitalar e outros problemas decorrentes de você misturar nego sadio com doentes. Na data fomos os quatro para São José, Bea, os queixudos e eu. Ficariam dois ou três dias internados e receberiam alta. Terminada a cirurgia que vimos a complicação do negócio. Estavam tremendamente inchados e com os maxilares amarrados, o superior no inferior. Pareciam dois sapos. Não conseguiam falar e só abriam a boca não mais que um centímetro por onde entrava o canudo da alimentação.
As enfermeiras, entravam em um quarto para levar a comida, e quando entravam no outro pediam desculpas achando que estavam no mesmo quarto. Já no segundo dia ficavam na mesma cama e fazendo a maior bagunça. O médico proibia de ficarem juntos e eles concordavam na hora. O bicho virava as costas e o Guilherme já ia pro quarto do Daniel ou vice versa. Numa das refeições, quando veio a mesma sopa pela terceira vez o Guilherme falou:
- “Um hem otra cosa pa humer”?
A enfermeira ficou olhando com aquela cara de "não entendi nada" quando o Daniel esclareceu:
- “eie ta fergunsando se um hem otra cosa pa humer”?
O Guilherme virou pro Daniel e falou:
- “Se eia um mintende, purque ia intender oce?
Quando não era isso era um olhando a cara do outro e dizendo:
-Ara, cumo oce ta eio!
Aqueles ferros teriam que ficar por 30 dias e fiquei tão traumatizado com eles que deixei Laura com um alicate de cortar aço e que ela deveria usar, caso tivessem ânsia de vomito. Mas tudo correu muito bem. Eles que já eram tremendos boa pinta, ficaram ainda mais. Nada de pai coruja. As meninas que o digam. Guilherme com 1 ano de formado a Ana o fisgou. Também uma piracicabana de fechar qualquer comércio. Hoje tem dois filhos, Benjamim e Felipe, danados, que estão fazendo com que ele pague uma parte do que aprontou conosco. O Daniel resistiu mais tempo e como dizia papai, aproveitou mais. Mas caiu na rede e esse foi o único que casou com nativa nossa mesmo. Tão nativa que chega a ser quase parente. Seus bisavós maternos eram primos irmãos. Na época do namoro consultei o Dr. Marcio que é veterinário e especialista em genética e me garantiu que as chances de qualquer problema por consangüinidade era desprezível. Após a aprovação do especialista, relaxamos, e hoje eles tem um casal de filhos, o Antonio Pedro e a Lara, perfeitos e lindos.
Tem hora que penso que realmente sou um cara abençoado, como uma vez me falou um vizinho, ou que esse negócio de nascer empelicado e de rabo pra lua dá muita sorte mesmo, como dizia meu velho. Pois corria o risco de não poder ter filhos, tive quatro e já estou com 9 netos, e com todas as fábricas funcionando ainda. E outra coisa importante é os que faturam são sete e as que gastam são duas, e tudo equilibrado, pois as duas são de filhos diferentes. Tá tudo perfeito. Tenho que fazer como Mamãe fala e agradecer a Deus todos os dias mas vivo esquecendo.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

DNP

Passei dos 5 até os 32 anos estudando sem parar. Fiz engenharia Mecânica na Mauá, civil na Unitau e mestrado em estruturas no ITA. Com 32 anos resolvi pendurar todos os diplomas na parede e voltar para Corumbá e tinha dois anos para me preparar para isso. Fui estudar contabilidade e programação pois apesar de ser especialista em cálculos sempre tive grandes programadores trabalhando comigo. Primeiro o George Pion, um francês porreta e depois o Marcelo Pimenta, um goiano muito gente fina. Com isso eu não entendia muito da linguagem. Como em Corumbá não teria isso, um tinha mandado vir da França e outro foi pego dentro do ITA, procurei me especializar.
Como estava nascendo a indústria dos micros, mergulhei de cabeça neles. Comecei com o Basic e depois fui para o DBase. Programava tudo. Com isso consegui que a nossa empresa fosse toda informatizada em uma época que computador era o estado de japonês que levou um soco. Papai emitia as notas em um CP500 e a impressora, além de imprimir as notas, impressionava os bolivianos. Papai brincava que era o espírito que as datilografava. Vendo isso penso como as coisas evoluíram muito rápido ou o tempo passou muito ligeiro. Quando terminei meu curso de engenharia em 1972, não existia calculadora eletrônica e usávamos régua de calculo. Meu primeiro computador pessoal era de cartão magnético e pesava uns 10 kg. Para fazer uns cálculos muito simples, tínhamos que utilizar de 3 a 4 cartões. Quando apareceu os grandes computadores, os dados eram introduzidos através de cartões perfurados e não existia teclado. Hoje tenho um notebook mil vezes mais potente que máquinas que utilizavam uma sala inteira e que pesam menos de um quilo.
A parte de software também evoluiu muito rapidamente e a pessoa para se manter atualizada não poderia fazer outra coisa, com isso fui ficando ultrapassado. Na EMA a minha rede não era para multiusuário. As coisas novas foram aparecendo e eu não fui dando conta de acompanhá-las. Em 2003 construímos o posto 10, informatizado ao máximo, com bombas eletrônicas que passam todas as informações de cada abastecida para o computador. Sistema de controle de nível de combustível e ausência de água nos tanques com alarmes de aviso. Com toda essa informatização tivemos que contratar um especialista em computação e demos a maior sorte. Contratamos um especialista de São Paulo para montar a nossa rede que trouxe um companheiro para auxiliá-lo. Eram dois nerds, desses que respiram informática o dia todo e sabem de tudo, o Adalberto e o Alessandro. Quando acabou o serviço do posto e vi que eles trabalhavam super bem resolvi mudar a minha rede da EMA. Fizemos como eles mandaram, colocamos dois servidores com disco duro de backup nos dois, backup em CD para o caso de incêndio, coisa de empresa grande. Quando terminou o serviço não deixamos mais o Alessandro voltar. Ele mudou com toda a família para cá e está conosco até hoje. Não tem problema que ele não resolva, e o mais importante, com prazer. É outro como o Dr. Marcio, faz a obrigação com devoção.
Mas no período de instalação aconteceu um fato muito engraçado. O Alessandro é pastor evangélico e o meu irmão Tontonio é o maior boca suja que eu conheço. Nunca vi gostar de falar besteira como ele. Teve um dia que o Alessandro me aparece com uma camiseta com as iniciais DNP gravadas no peito. O Tontonio estava em um de seu dias inspirados e contando sobre seus dias de Lins, quando ele estudava engenharia, quando comia todo mundo, isso falado com todas as palavras e não só as meias. Falava e ria. Lá pelas tantas ele percebeu a camisa do homem e resolveu tirar sarro perguntando se o DNP era "dash not price", que era a maneira de se falar que a mercadoria era isenta de taxas. O Alessandro respondeu:
- DNP é Diga Não ao Pecado.
- Que porra é essa? - Ele ainda pergunta como se não bastasse tudo que ele já tinha falado
- Sou pastor e esse é o nosso slogan.
O Zé rememorou todos os "pecados" que tinha acabado de "confessar", resolveu dar uma consertada e falou:
- Puta cara, nem imaginava, se não maneirava. Me perdoe, ok?
Alessandro muito sério fala apontando o dedo indicador para o céu.
- Peça perdão para Ele. Ele que tem que te perdoar. Peça muuuiiito perdão.
Impossível não rir da cara do Tontonio, que completou:
- Vocês tão de putaria comigo, né? Você não é pastor porra nenhuma.
E o pior que o cara era ou melhor, é, e dos bons, super caxias. Mas já conhece o Tontonio e já acostumou com as besteiras que ele fala. Mas acho que não foi fácil.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Yasu

Foi no meu primeiro emprego como Engenheiro. Trabalhava no setor de orçamentos e como a maior parte dos componentes dos equipamentos que orçávamos era mecânico, não tínhamos nenhum engenheiro elétrico trabalhando com a gente. Aprendíamos o básico e quando precisávamos de algo mais complicado íamos até a engenharia de projetos e consultávamos os eletricistas de lá.
Tinha um japonês que era o chefe da área e muito bom, de engenharia elétrica, porque de português não falava quase nada. Tinha sido importado do Japão a menos de um ano e tínhamos a maior dificuldade de entendê-lo. Acho que ele não sabia falar nem japonês, porque os que iam conversar com ele ficavam alternando em várias línguas. Comigo ele não falava nada e escutava em português.
Teve uma vez que o pessoal dele projetou uma alavanca, que é uma peça mecânica, e não estava legal o tamanho e o esforço necessário para acioná-la e fui falar com ele. Após mostrar os desenhos e fazer todos os sinais que o cara tinha que ser muito forte para poder acioná-la, ele entendeu e chamou o projetista responsável, um paraguaio legítimo, chamado Juan. Quando mostrou o desenho o paraguaio falou:
- Si, senhor Yasu, o que tiene mi ayavanca?
O japonês revira os olhos e fala com seu melhor sotaque nipônico:
- ruan (não rruan), não fala ayavanca. Repita (não rrepita) comigo: aravanca (carregando no ara).
O Juan olha pra mim sabendo que o japonês não entende nada de português e fala:
- Ingeniero, num tiene un hogar para mi em su departamiento. Mi pelotas van explodir con este tipo.
Quase me matou de rir. Esse cara, junto com Massaru e o Thomas, foram os poucos amigos que deixei na Bardella.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O lobista

Antes de contar essa história tenho que falar da relação existente entre meu Irmão e sócio na empresa de agropecuária e a fazenda. Apesar dele ter sido o motivo de nossa entrada nesse ramo de negócio, ele não entende e não gosta de nada relacionado ao campo. Vive me dizendo que, da fazenda, ele gosta do bife e a melhor hora é quando da tchau pra turma e entra no avião para vir embora.
A primeira fazenda que compramos foi em 1985 e ele, com 38 anos, por causa do stress colocou uma ponte mamaria. O médico nosso achou de recomendar que comprássemos uma chácara para ele se distrair, respirar ar puro e pintar cercas. Ele gostou da idéia e compramos o Rancho Alegre. Tinha uma casinha de madeira e fica num planalto a beira da divisa com o pantanal. A primeira vez que levei-o lá para aprovar a compra da fazenda já fez a primeira exigência, que em casa de madeira ele não dormia de jeito nenhum. Construímos uma de alvenaria, dois quartos com varanda na frente, cozinha americana conjugada com a sala, coisa chique mesmo. Compramos umas vacas leiteiras para ajudar nas despesas da fazenda e levei-o novamente para visitar e marcar de ir passar o fim de semana lá. Quando falei em dormir lá ele se arrepiou todo. Sem ar condicionado e luz elétrica, nem que a vaca tussa. Puxei energia da fazenda vizinha e colocamos o ar condicionado. Quando estava tudo pronto o convidei para dar uma volta de carro, e não falei nada.
Queria fazer surpresa mostrando a fazenda pronta, com energia, ar condicionado, a leitearia funcionando as mil maravilhas tirando uns 200 litros de leite por dia e já auto-suficiente. Quando tomamos o rumo ele já começou a reclamar que não estava vestido adequadamente para ir à fazenda, realmente estava de camisa polo, calça jeans e tênis branco. Chegando lá, fomos direto para a leitearia. Fui andando e pisando nas bostas secas das vacas com ele desviando de todas, quando percebeu que eu pisava nas mesmas e nada acontecia resolveu fazer igual e a primeira que pegou foi uma frescal que abraçou seu tênis branco que era daquele que tinha tecido furadinho junto com o couro. Já aborreceu grande. Esse é seu handcup com fazendas. Literalmente não entende de bosta nenhuma. Esclarecido essa parte, voltemos à história principal.
Era final do século, dezembro de 1999 e eu preocupado com o bug do milênio quando o meu irmão me liga dizendo que ele estava com um baita pepino na mão. Quando perguntei se era com o bug ele respondeu:
- Quem tem bugue é você. E não vai falar que eu não avisei para você não comprar essa porcaria. Falei para você que carro novo brasileiro já é difícil ser bom, imagine esses rebuilts de bugue.
Nem consegui explicar que o bug a que me referia era o do milênio quando ele já completou dizendo que tínhamos que acompanhar o vice presidente de uma companhia que representávamos, pois o mesmo estava procurando uma fazenda no pantanal para o seu chefe passar as férias.
A função dele era verificar as condições de conforto, segurança e comunicação pois o tipo não podia ficar isolado mais que 24 horas. Quando ele me falou isso eu já vi que era fria mesmo e que não tínhamos lugar que atendia a essas condições. Aí ele me falou que tínhamos que acompanhar o tipo para que ele visse pessoalmente isso e não pensasse que estávamos com má vontade, e por incrível que pareça se propôs a ir junto. Vi, por aí, que o assunto era sério mesmo.
Na data marcada ele, Zé Mauro e eu estávamos no aeroporto, com nosso avião já abastecido, esperando o vice presidente desembarcar do avião da Tam e embarcar imediatamente no nosso com destino a Santa Anatália.
Ele tinha um único dia para essa missão. Fretamos mais um avião para levar os demais membros da comitiva e, na conversa do aeroporto, já imaginei o que seria a nossa aventura. O tipo já perguntou se íamos de jato e o porque de dois aviões. Quando falei que era um monomotor e que a pista era de grama, quase que ele encerrou ali a visita. Quando apresentaram o Zé Mauro com sua camisa fora das calças e seu chapéu de palha, como nosso piloto, o homem ficou branquinho. O Zé Mauro que não tem papas na língua já me solta um:
- Empresta uma bota sua para ele pois com esse sapato de bispo ele não vai longe.
Quando olhei pro pé do homem, torcendo para ele não ter escutado a observação do Zé, vi aqueles sapatos de sola de couro com uns penduricalhos no lugar do cadarço, brilhando que dava para pentear cabelo no reflexo dele. Aí fui prestar atenção no resto da roupa. Calça de barra, camisa de mangas compridas, gola fechada e engomada, cinto combinando com o sapato, pronto para ir a uma ópera, mas nunca para o pantanal. Tive que me segurar para não rir do "sapato de bispo" do Zé.
Chegamos em Santa Anatalia e estava o Cauto com uma toyota bandeirantes nos esperando. Mostramos as instalações para o chefe, destaque para os banheiros com umas pererecas, e saímos para um passeio pelos campos. Por via das dúvidas levamos revólveres para pegar um porco, se aparecesse algum no nosso caminho. Para impressionar o Tontonio fez questão de colocar um nas mãos do vice, pois ele estava querendo fazer o seu lobby. Saímos, com eu e Tontonio escoltando o vice na carroceria da toyota. Um de cada lado do artista. A fazenda estava linda, aqueles campos verdes e com vários animais, veados campeiros, capivaras, quatis e muitos outros, com o Tontonio mostrando e eu falando os nomes dos animais. Lá pelas tantas passa uma ema correndo na frente do carro e o diálogo foi surrealista:
- Zé Antonio, que ave é essa? , pergunta o Vice.
- Peru, responde o Zé. Quando escutei isso quase desci da toyota andando.
- Peru, Tadeu?
Não podia desmenti-lo e respondi:
- Passou muito rápido, mas me pareceu uma ema.
- Tem Peru selvagem aqui?
Antes que pudesse falar a verdade e dizer que nunca tinha visto um na minha vida, o Tontonio respondeu:
- Pra dar com o pau.
A sorte, para encerrar esse assunto, foi o aparecimento de um pé de cabaça, que o Zé mandou o Cauto parar para fazer um tiro ao alvo. A cabaça devia ter uns 20 cm de diâmetro e estava a uns 40 metros. O Tontonio mandou o vice atirar. O homem deu seis tiros e passaram muito longe. Aí me mandaram atirar. Foi um só, bem no centro e explodiu a cabaça, o que deixou o vice tremendamente impressionado. Ele nunca tinha visto um tiro assim. Nem eu. Puta cagada.
Nem preciso dizer que a fazenda não foi aprovada porque não cumpria nenhum dos itens obrigatórios, apesar de ter todos os outros convenientes, e que o meu irmão conseguiu fazer o lobbyzinho dele deixando todo mundo contente com o seu empenho.