terça-feira, 31 de agosto de 2010

Pane Seco

Já falei no Vestibular I da saída do Beto do Bandeirantes e sua ida para o Indac e como ele entrou, por castigo, na escola de aviação do Campo de Marte. Ele já estava aprovado em todas as provas teóricas e com o exame de saúde para vencer e como eu estava fazendo meu curso de piloto em Corumbá e gostava demais do meu professor, contratei o mesmo para dar uns duplos nele nas férias, pois senti que ele não estava muito confiante para fazer seu primeiro solo.
Voavam todos os dias pelo menos uma hora e o instrutor, o Pochoreu, o elogiou muito dizendo que ele estava pronto. Pedi que ele fizesse mais dez horas antes do solo e fui para São Paulo. Foi quando recebi um telefonema do Daniel mais ou menos assim:
- Oi pai, tudo bem? É o Dani.
- Tudo filho, como estão indo de férias?
- Tudo bem, o Beto que tá um espetáculo, voando bem pra burro. Está comigo aqui dando risada, mas tá tudo bem.
- Ah é, você já voou com ele? O que é que tá tudo bem? Ele já vez seu primeiro vôo solo?
O instrutor não podia levar mais ninguém no avião. Estava esquisita a conversa.
- Não, mas já levou seu primeiro tombo.
Falou rindo e fiquei sem entender e já meio preocupado.
- Passe ele para mim aí filho.
Beá do meu lado viu a minha preocupação e perguntou o que houve. Fiz sinal que nada com a cabeça e beiço e esperei o Beto atender.
- Fala pai, tudo bem por aqui. Pode ficar tranqüilo.
- Porra meu estou ficando nervoso com isso de todo mundo me mandar ficar tranqüilo. Que merda aconteceu por aí? Você ta aonde?
- To aqui no bar com a turma. Caí com o avião, mas sem nenhum arranhão, ou melhor, um pequeno aqui na perna que já passei mercúrio.
Nessa hora Bea já ensofrega perguntando com a cabeça o que havia. Resolvi responder rápido pois queria os detalhes e falei:
- Não foi nada. O Beto que caiu com o avião, mas tá tudo bem, repeti o Daniel, e está me contando os detalhes.
Beá quase desmaiou e eu já não sabia se atendia a ela ou o Beto. Eles com o maior cuidado para nos dar a notícias e eu com a delicadeza de um rinoceronte desgovernado. Aí falei meio brabo:
- Oh meu, tá tudo bem. Você acha que se tivesse algum problema sério eu estaria assim. Eles estão no bar comemorando que não houve nada. Se acalme aí.
Os detalhes eu fiquei sabendo pelo Pochoreu: Estavam em treinamento de toque e arremetida no aeroporto de Corumbá. O piloto tem que pousar, o que é feito com full flap e o motor em marcha lenta. Com o avião ainda correndo na pista, tira todo flap, da potência máxima no motor, dá novamente 10 graus de flap e decola. Faz novo tour e repete a operação. Eles já tinham feito vários desses toques no modelo padrão, ou seja, o avião vem descendo sem motor, com nariz para baixo e numa rampa que, mesmo se o motor parar ele chega na pista e pousa. O Pochoreu resolveu treiná-lo em pouso de pista curta onde o procedimento é diferente. Você pendura o avião no motor, ou seja, vem para pouso com o nariz para cima e regula a rampa pela potência do motor. Beto vinha fazendo tudo certinho quando o motor parou. Nesse tipo de aterrissagem você não chega à pista, pois está muito baixo. O Pochoreu conta que não deu tempo de nada e quando ele assumiu o comando, esses aviões têm comando duplo, o Beto que foi ditando os procedimentos para ele:
- Não é bom tirar os óculos? - Pochoreu jogando os mesmos para trás:
- É
- Não chegamos na estrada? (A estrada que faz Corumbá - Porto Suarez é quase continuação da pista na cabeceira 09).
- Vamos pro mato que as árvores são fininhas nesse cerradinho. Melhor que um caminhão.
Foram e posaram em cima de uma aromita. No momento do pouso o Beto ainda falou:
- Não é para abrir as portas?
O Pochoreu quase sem velocidade e com a sustentação no limite ainda concordou a abriu a dele segundos antes de colocar o chessna 140 em cima da árvore, que devia ter uns 3 metros de altura. Quando foram sair correndo com medo do avião pegar fogo que Beto se riscou ao cair da árvore. Mas ainda conseguiu lembrar o Pochoreu de desligar o magneto.
Foram andando para a estrada quando cruzaram com o carro do corpo de bombeiro e a ambulância. Por mais que sinalizassem, passaram por eles e foram socorrer não sei quem no avião.
O interessante disso tudo é que assim que me tranqüilizei, falei que ele fosse à casa da sua avó Julieta, minha mãe e desse a notícia pessoalmente. Ele foi na hora para lá e chegou brincando com ela, dizendo:
- Vovó, duvido você acreditar onde que eu estava agora.
Mamãe olhou para ele e falou:
-Você caiu com o avião, não foi?
Beto ficou sem entender e só confirmou. Tinham dado a noticia no rádio, mas como não encontraram ninguém no avião, não sabiam os nomes e muito menos o estado dos tripulantes.
Só Mamãe.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Choulian, O jeitoso

Já contei outras vezes sobre como o Choulian era desajeitado. Tinha uma inteligência totalmente fora da curva e talvez até seja esse o motivo de tanto estabanamento. Embarcamos num vôo de São Paulo para Salvador. Eu já sentado no meu lugar quando ele foi se sentar e conseguiu enganchar o bolso da calça no braço da cadeira. Assim que escutou o barulho da costura se abrindo, levantou-se rápido para examinar o estrago. Nesse momento acenderam-se as luzes para colocar o cinto e ele senta novamente cuidando o lado esquerdo para não enganchar de novo. Enganchou o direito. Chegou em Salvador com o paletó abotoado.
Fizemos a reunião e fomos almoçar com o cliente. No restaurante, comendo uma moqueca de siri mole, o garçom se aproxima para servi-lo no momento em que ele se vira para falar comigo e enfia o cotovelo nas pelotas do garçom. Por instinto o bicho se reclina e derrama o caldo da moqueca em seu paletó. Queria que o Choulian tirasse para ele mandar limpar, mas com as calças rasgadas não era possível. Resolveram dar jeito com ele no corpo dele mesmo e jogaram um ante mancha nele. Era um pó branco que nem talco e o paletó era preto. Ninguém conseguia olhar para o Choulian sem rachar de dar risada e por incrível que pareça ele não percebia o quanto estava engraçado.
Em outra viagem, íamos para o Rio e ele resolveu ir em seu Maveric. Eu estava nas mesas com os calculistas que ficavam no final de um grande salão. Estava conversando com a d. Virgínia, sua esposa, quando ele do meio do salão me grita:
- Tadeu, amanhã nós vamos no meu carro para o Rio.
O Laércio, um dos engenheiros de projeto e muito gozador fala para mim num tom de voz que todos que estavam a sua frente escutaram, mas o Chouliam as suas costas não.
- Leva o terço.
Isso servia para testarmos o nosso controle de ficar olhando para ele sem esboçar o menor sorriso.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Piracicabana

Já contei que o Guilherme se casou com uma nativa, que é como os estudantes da Esalq chamavam as mulheres naturais de Piracicaba. A Ana é uma morena muito bonita, dessas de fechar o comércio e muito inteligente, formada em administração, fluente em inglês, foi até professora. Mas de mato não entendia nada. Quando veio para Corumbá para conhecer a família, eu a levei na fazenda Angico e lá ela pagou seu primeiro mico. Um galo correu atrás de uma galinha para lhe dar uma “carcada” e ela ficou apreensiva, mas quando o mesmo alcançou a galinha ela começou a gritar para o capataz para quem tinha sido recém apresentada:
- Acode que ele vai matar ela, estão brigando.
O Dorival deu uma risadinha e falou:
- Num vai não, dona. Fica tranqüila que ela grita, mas gosta.
Aí que ela se tocou do que estava acontecendo.
Na volta ela fez o segundo escândalo. Eu no asfalto e ela me manda encostar para fotografar uns veadinhos. Assustei demais, pois apesar de ter muito pelo pantanal, é raro você ver em beira de asfalto. Quando olhei era um monte de cabritos. Não me agüentei e falei:
- Que você nunca tenha visto um galo cruzar com uma galinha até aceito, mas cabrito com veado é demais, Ana.
Ela se justificou dizendo que estava meio longe.
Não falei nada, mas todos os cabritos eram pretos.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Sobrinhos

Papai gostava de poesias desde Baiano com os Jogos Florais. Tinha um dicionário que ficava consultando e gostava de discutir o sentido das palavras. Numa época em que ele estava bebendo seu whiskynho em uma quantidade maior que a desejada por Mamãe, ele vivia dizendo:
- Posso ser um "ególatra", que não tem nada a haver com alcoólatra, que é diferente de narcisista.
Quando o nego fazia cara de burro ele saia explicando a diferença entre narcisismo, que é o cara que se acha lindo, e o ególatra que se ama profundamente, qualquer coisa assim. Ele com seus quase 90 anos ficava feliz com esses assuntos.
Tadeuzinho, o filho mais novo de meu irmão e o João Bosco, o mais velho, foram visitá-lo no Marinho. Papai perguntou:
- Tadeuzinho, meu filho, você sabe o que o que é narcisismo?
O João Bosco, que já conhecia a história, quis se antecipar e responder quando o Tadeu falou:
- Lógico vovô, foi o que o Hitler implantou na Alemanha.
Papai ficou sem entender em um primeiro momento, até que caiu a ficha, que ele confundiu Narcisismo com Nazismo, o que quase o enfartou de rir, pela confusão e pelo "implantou".
O João Bosco começou a gozar dele quando o mesmo retrucou:
- Pior foi você que quis tomar Coquetel Molotov.
- É, mas eu sei o que é cactos e não confundo com cágado, respondeu João Bosco. E a baixaria continuou com papai sem conseguir explicar porque ele não era narcisista.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

As Difíceis Decisões

Existem decisões que tomamos que são verdadeiras bifurcações nas estradas da vida e que nos levarão a destinos totalmente diferentes e não pequenos desvios ou atalhos. As mais difíceis são aquelas em que os dois caminhos parecem igualmente bons ou ruins.
Comecei minha vida profissional na Bardella, na área de orçamentos. O chefe do departamento tinha prometido me transferir para a engenharia depois de trabalhar alguns meses com ele e estava completando um ano e a transferência não saía. Para completar ele me promoveu à chefe de seção e como tinha um projetista com mais tempo de empresa que reclamou, ele me “despromoveu”. Juntou-se a isso tudo uma epidemia de meningite em São Paulo e eu com Laurinha completando 6 meses de idade, para tomar a primeira grande decisão na minha vida. Sair de São Paulo onde a Bardella era a única indústria que trabalhava com o tipo de equipamentos em que queria me especializar e mudar para o interior onde estavam os concorrentes.
A com que eu mais me simpatizava era a Mecânica Pesada pois era de porte maior que a Bardella e estava em Taubaté, perto de São Jose dos Campos, onde está o ITA. Deixamos um apartamento novinho todo mobiliado, no Paraíso em São Paulo e fomos nos aventurar em Taubaté. De cara tive que aceitar o mesmo salário que recebia na Bardella. Não achei casa para alugar em Taubaté e fomos para Tremembé, cidade vizinha de 5000 habitantes e a seis quilômetros de Taubaté. Lá conseguimos uma casa em que o hall de distribuição era a cozinha, todos os cômodos, inclusive o banheiro, tinha porta dando nela, e no jardim, ou melhor, onde devia ter um, foi construído um cômodo de 3x4 onde funcionava uma barbearia. Apesar de um início não muito promissor, depois de 10 anos, eu tinha feito engenharia civil na Universidade de Taubaté e mestrado em estruturas no ITA. Estava estabilizado, morava em uma casa de 450 m², tá certo que tinha uma parte financiada pela caixa econômica, era chefe do departamento de engenharia e métodos e processos da Mecânica Pesada onde tinha uns 30 projetistas e 10 engenheiros trabalhando, meus filhos estudavam na melhor escola de Taubaté e tudo ia muito bem. Tinha só um problema nisso tudo. Eu tinha começado como calculista que era o meu sonho, mas na época era só engenheiro e trabalhava como administrador de empresas. A maior parte de meu tempo era em reuniões discutindo como dividir os equipamentos entre os membros dos consórcios e cronogramas.
Em 1982, como todos os anos, viemos passar as ferias em Corumbá e acompanhei a loucura que estavam meu pai com meu irmão. Tínhamos uma exportadora com um faturamento de fazer inveja a muita empresa de grande porte e era tudo manual. Contabilidade com livro diário e razão, o controle de estoque com as famosas fichas Kardex, onde após cada venda era anotada a quantidade, e eu já especialista em computação. Um dia antes de nossa volta para Taubaté tive uma longa conversa com mamãe que pediu que eu pensasse em voltar para Corumbá para ajudar aos dois. Não me convenceu, tinha investido muito para mudar de ramo nessa altura do campeonato, com 32 anos de idade. Meus filhos, em pouco tempo estariam indo para a faculdade e em Corumbá não teriam as mesmas condições de Taubaté, mas prometi pensar.
Papai pediu que eu passasse no Marinho antes de pegar a estrada. Com minha chevrolet caravam carregada e com todos a bordo, fomos até lá para nos despedir do meu velho. Quando cheguei ele estava com uma caixa de papelão cheia dos produtos que ele vendia. Estava pegando as amostras e preparando, com todo o carinho, para nós levarmos. Quando acabou de fechar a caixa, percebi que seus olhos estavam cheios de lágrimas. Nos despedimos e nessa viagem, eu e Beá resolvemos nos preparar para voltar para Corumbá. Queríamos ficar mais pertos de nossos pais e aquele gesto dele me fez sentir isso.
Cheguei em Taubaté e procurei o Choulian e falei que, em dois anos, estaria voltando para Corumbá. Tínhamos que arrumar alguém para ficar no meu lugar e teríamos esse tempo para prepará-lo. Para minha surpresa o Chouliam me falou que sabia que esse dia chegaria e que me daria o maior apoio para que eu tivesse o mesmo sucesso lá na minha nova empreita. Aí vi o que é uma amizade sincera e não interesseira. Estava preparado para contra argumentar se ele quisesse me convencer e ele já esperava por aquilo. Nesses dois anos preparamos o Marcelo Pimenta para ficar em meu lugar e eu fiz curso de contabilidade, KT e outros mais, que foram de um valor inestimável para mim, tudo graças ao Choulian.
Nos primeiros dias de dezembro de 1984, em um fim de semana, trouxe a mudança de Taubaté para Corumbá. Tinha uma D10, cabine dupla, e um monza onde vieram mulher, quatro filhos e um cachorro doberman, o Mosh. Voltei para Taubaté e fiquei até o dia 28 de dezembro, quando coloquei tudo que tínhamos a venda e voltei definitivamente para minha Corumbá. Nunca me arrependi, nem mesmo no dia em que deixamos nossos quatro filhos em São Paulo pela primeira vez para estudarem e voltamos sozinhos para Corumbá.
Mas não foi fácil.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Éramos 5

Há muito tempo atrás houve uma novela cujo nome era "Éramos Seis". Plagiei o título dela. Éramos uma turma e tanto, super amigos e muito heterogêneos.
Roberto Spadella era filho de um cabeleireiro e era meu confidente. Sua principal característica era saber ouvir.
Luis Timóteo era o bonitão e o engraçado, filho do casal mais bonito da cidade, o pai - seu Luiz - era fazendeiro e a mãe - d. Paulina - uma das dez mais elegantes, o casal de super amigos de meus pais. Qualquer coisa sem graça contada por ele era de matar de rir. Não tinha medo de falar besteiras.
Emilio, filho de sírios, como o Timóteo era muito engraçado, mas moleque de tudo e um tremendo cara de pau, vivia colocando a gente em frias com suas aprontadas. Era daqueles que no footing de domingo, com a avenida cheia de gente, todos andando e se cruzando, passava a mão em seu ombro e quando cruzava com uma mulher bonita e peituda passava a mão nela e quem levava o tapa na cara era você sem nem saber o porquê.
Ismael era primo do Timóteo e o mais centrado de todos. Companheiro para qualquer parada.
E eu, o contador de histórias.
Só o Timóteo não estudava com a gente, fazia o ginásio no Rio de Janeiro. Nós estudávamos no Salesiano, mas nas férias íamos todos para San Martim, a fazenda dele. Estávamos começando a fumar, lancaster longo sem filtros e, logicamente, escondido. O pacote de cigarro ficava dentro de um plástico e enterrado embaixo de uma árvore no pátio da fazenda. A noite o programa era assaltar a dispensa, eu, Emilio e Ismael para comer os doces que eram racionados para durar as férias todas e o Spadella e o Timóteo para tomar o whiskinho do seu Luis que ele não deixava pela idade dos dois. Tínhamos 13 anos de idade e nenhuma responsabilidade, nas férias para uns, o tempo todo para outros.
Um lance muito engraçado aconteceu quando o seu Luiz e a dona Paulina convidaram para almoçar um gaúcho que tinha acabado de comprar a fazenda vizinha. Passou meia hora nos recomendando, que qualquer piada ou gracinha pra cima do gaúcho ia nos custar caro. Queria todos de banho tomado e, reforçou, qualquer gracinha na mesa seria motivo de punição. A punição já entendíamos como sem cavalos por um dia. Chegou a peça e só de olhar as bombachas já vimos que ficaríamos sem cavalos pelo resto das férias. O cara era muito engraçado e nós não conhecíamos aquele sotaque. Estava indo tudo as mil maravilhas com um chamando a atenção do outro para não dar merda quando tudo aconteceu. O gaúcho terminou de comer e pediu a dona Paulina que chamasse a cozinheira pois ele queria cumprimentá-la.
Dona Paulina vai e chama:
- Toquinha (esse era o apelido da dona) venha até aqui.
Chega a Toquinha toda uniformizada, até com toca no cabelo. O Gaucho naquele sotaque carregado me fala:
- Dona Toquinha, vou dizer uma coisa para a senhora, foi o COZINHO mais gostoso que já comi em toda minha vida.
Foi farofa que espirou por tudo quanto é lado. O Emilio gemia de tanto segurar o riso, o Spadella soltava ranho pelo nariz e eu, Timóteo e Ismael nos metemos embaixo da mesa. Não tinha como segurar ao ver a cara da Toquinha. Ela toda assustada e fazia que não com a cabeça completamente sem fala. Seu Luiz, vermelho que nem um pimentão, não sei se de vergonha ou de vontade de rir também e Dona Paulina abestalhada. Os que estavam embaixo da mesa saíram por ali mesmo. No fim fomos perdoados mas chamados a atenção pela burrice e malícia. Tarde demais entendemos o cozinho, assim como a Toquinha, que chegou a jurar que nunca tinha visto esse gaúcho antes.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Ricardo Ravioli

Quando entrei na Escola de Engenharia Mauá, não vou negar, estava tremendamente frustrado. Tinha feito três anos de Arquidiocesano e sempre entre os três melhores alunos. 
O terceiro ano fiz junto com o Anglo Latino onde fui até monitor do Cid Gueli, professor de matemática. Tinha tudo para entrar na Poli ou no Ita, mas entrei foi no pau e nas duas. Quando passei na Mauá, cheguei a pensar em fazer o Anglo de novo e tentar novamente. Cheguei a conclusão de que se não foi daquela vez não seria nunca, pois não tinha como me preparar melhor e resolvi fazer a Mauá mesmo. Acho que foi a sorte da minha vida, pois essa frustração me fez me dedicar como nunca aos estudos. Queria compensar não estar na melhor, sendo o melhor de onde estava. Com o tempo vi que era uma excelente escola. Em todo meu curso nunca fiz um exame final. Passava direto em tudo. Tinha o respeito dos professores e dos colegas.
O Ricardo Ravioli era da turma 6000, eu era da 7000, ele era repetente no segundo ano. O conheci quando estava vendo minhas notas que eram publicadas em um mural e ele do meu lado todo garboso. Nosso primeiro papo nosso foi mais ou menos assim:
- Porra meu, tirei 9 nessa merda de cálculo. Sou bom pra cacete nisso. Segunda nota, só tem um filho da puta que tirou 10. E você tirou quanto?
- Não achei ainda.
- Como é seu nome?
- Tadeu Marinho.
- Caralho, você é o filho da puta.
Ficamos amigos e estudamos juntos a faculdade toda. Chegamos a ser até cunhados, sua irmã era lindíssima. Uma loira de olhos verdes que me pegou como professor particular de matemática. O Ricardo era bom de matemática mas para as negas dele, a Nena, esse era o apelido dela, queria o melhor e 10 é maior do que 9.
Estudávamos juntos todos os dias, às vezes na minha casa outras na dele. Gostava de ir na casa dele, independente da Nena, pois seus pais eram super simpáticos e me tratavam muito bem. Ele tinha uma presença se espírito sem igual. Ríamos o tempo todo de suas tiradas. A noiva dele, a Cita, também era linda e simpática. Acabaram se casando. Teve uma noite que ele chegou em casa com ela e uma mala, dizendo:
- Tem um quarto sobrando no seu apartamento, dá para acomodar a Cita por uns dias aqui?
- Dá, mas o que houve?
O pai dela não gostava muito dele. Não lembro o motivo, mas o colocou para fora de casa e a Cita saiu junto. Morou na minha casa por mais de um mês.
Depois de formados cada um tomou seu rumo. Eu fui exercer a profissão e ele, acho que queria só ter um diploma, foi ser comerciante. Montou uma loja de antigüidades em um shopping e perdemos o contacto. Há uns 20 anos atrás eu o encontro, sem querer, na sua loja. Foi aquela festa e enquanto estávamos conversando uma senhora muito distinta nos interrompe perguntando o preço de um conjunto de jantar composto de mesas, cadeiras e um aparador.
- U$ 4.000,00 dólares o conjunto completo, senhora.
A mulher pensa e pergunta:
- O senhor venderia a mesa com as cadeiras sem o aparador?
- Vendemos minha senhora. Aqui fazemos o que o cliente quiser.
A mulher ficou toda sorridente e perguntou quanto seria.
- U$ 4.000,00 dólares senhora
A mulher assustou grande e falou já meio invocada:
- Mas quanto custa o aparador?
- Se a senhora me levar as mesas e cadeiras esse aparador não vale mais nada. Quem vai querer comprar essa porcaria sem o resto.
Assim ele era. Não sei como sua loja vendia tanto.
A última vez que tive notícias dele foi por telefone e foi muito interessante. Tínhamos um apartamento na aclimação e estava na sacada do 18º andar, quando vi os fundos de um casa antiga com um grande galpão no quintal. Num primeiro momento não reconheci a Ravel, mas não sei o que me chamou a atenção e depois de algum tempo percebi que se tratava da fábrica de artefatos de borracha da família dele. Fiquei lembrando de todos os detalhes, pois fiz estágio lá e reconheci até a minha sala. Fiquei num estado de tristeza e nostalgia e ao mesmo tempo contente de ter reconhecido aquele prédio abandonado que tinha feito parte da minha juventude. A noite resolvemos ir a uma pizzaria e quando me sentei à mesa vi, na parede da minha frente, um daqueles pratos decorativos e escrito nele Empório Ravioli. Comentei com os demais o acontecido na parte da manhã e agora aquela coincidência. Beá levantou para ir ao toalete e quando voltou comentou que o painel de fotos do restaurante estava cheio de gente conhecida. Fui até lá e realmente, apesar de não reconhecer ninguém, os rostos me eram familiares. Perguntei ao garçom pelo dono do restaurante e ele me mostrou um casal sentado numa mesa. Fui até ele e perguntei pelo nome da família dele. Como todos na família, o Franco também era muito brincalhão e já me perguntou se eu era cobrador. Perguntei se tinha alguma coisa com os Ravioli, pois as fotos pareciam com uma família de italianos que eu tinha conhecido há muito tempo atrás. Ele confirmou e, pior, lembrou-se de mim. Foi uma festa. Era o irmão caçula do Ricardo. Tinha o Roberto, que hoje tem um restaurante famoso em São Paulo, o Empório Ravioli, a Nena e o Franco, e depois fiquei sabendo que sua pizzaria também era muito conhecida, a Pizza Bross. Ele ligou para o Ricardo e falamos por telefone. Foi o último contato que tive com ele.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O Pedido

Eu nunca fui um cara de me apaixonar fácil mas estive algumas vezes em minha vida. Não vou falar delas pois ainda é muito cedo, talvez um dia. Mas Beá foi sem dúvida a maior, a mais importante, e o mais importante a última paixão da minha vida. Começamos a namorar em 6 de setembro de 1972, vai fazer 38 anos daqui a alguns dias. Noivamos em 03 de novembro do mesmo ano e casamos em 07 de abril de 1973. Do "topo" até o "sim" foram 6 meses. Um outro SIM (Serviço de Inspeção Municipal) que tive que tirar para nossa Distribuidora de Carnes aqui em Corumbá demorou muito mais.
Quando começamos a namorar eu estudava em São Paulo e ela no Rio. Comecei a descer todo sábado para vê-la no Rio e fiquei preocupado que seus pais achassem que eu estava só querendo passar tempo, pois eu tinha essa fama. Como eu não tinha dúvidas de que tinha achado a mulher de minha vida, resolvi comprar as alianças para ficarmos noivos nas férias em Corumbá e já deixar claro que minhas intenções eram sérias. Tudo isso aconteceu em um dos finais de semana em que estávamos em Volta Redonda, na casa da Márcia. Depois de comprado os anéis, não conseguíamos ficar com eles no bolso e resolvemos antecipar o noivado. Ela estava na casa do Roberto Benévolo, primo de Dr. Pedrinho, meu sogro. Se ele era o responsável legal por ela, era a ele que teria que fazer o pedido. Foi quando recebi o maior elogio de toda a minha vida. Quando falei que gostava da Beá e queria sua autorização para ficarmos noivos ele me respondeu:
- Fico muito feliz, só ficaria mais feliz se você estivesse pedindo a mão de minha filha.
A partir desse momento o Roberto e a Julinha, sua esposa, passaram a ser pessoas muito importantes e queridas em nossas vidas. Não lembro de ter conhecido pessoa mais correta e séria do que ele. Mas tinha suas manias e não me esqueço de um leilão no Novo Horizonte, o mesmo que o Paulo Machado contou os morcegos que matou, e quase matou o Chu de rir (aqui). Mas estávamos nos preparando para a noite que teríamos que passar na fazenda onde tinha sido o leilão, e conversando falei ao Chu que deveríamos andar com uma malinha com todos os artigos de primeira necessidade para um caso desses. Ele retrucou que não existia mala que você pudesse ter para cobrir todas as possibilidades e que ninguém tinha isso.
O Roberto estava na minha frente e com uma pasta dessas de couro, daquelas que usávamos na escola na década de 60. Como eu o conhecia falei ao Chu que ia provar que ele estava errado e perguntei ao Roberto como ele iria se virar naquela noite, pois eu o estava achando muito tranqüilo.
Ele deu uma risadinha e bateu de leve na malinha dele e falou que era seu estojo de primeiros socorros para essas situações. Perguntei o que tinha na mala e ele me mostrou:
- um paletó de pijama de flanela;
- uma lanterna megalite;
- uma caixa de fósforos;
- duas velas número 5 (o número ele que me falou);
- escova de dentes e pasta, daquelas que ganhamos em vôos internacionais;
- um pacote de bolachinhas (que ele me ofereceu uma);
- um rolo pela metade, para não ocupar espaço, de papel higiênico.
- e como não poderia faltar em um kit de sobrevivência: um canivete suíço.
Olhei para o Chu e apliquei o "Tá Vendo" do Zé Alberto nele. O interessante e mais triste de tudo foi que no dia que coloquei esta história na lista para ser escrita, o Roberto veio a falecer. Nos deixou para sempre mas com seu nome escrito em nossos corações.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Meu Primeiro Carro

Eu devia ter uns 12 para 13 anos e me lembro bem demais dele. Branco com capota azul, 4 portas, parado no quintal de casa, todo sujo e empoeirado. Os bancos estavam puídos e com as molas aparecendo. O rádio era de válvulas e demorava uns 5 minutos para começar a falar. Estava parado a mais de 5 anos. Era um Ford Consul 1951, motor de quatro cilindros de 1.508cm³ e potência de 47cv.
Resolvi colocar ele para funcionar. Tinha o Armadinho e o Tuim, dois mecânicos, os melhores de Corumbá, que trabalhavam em uma oficina dentro de nossa empresa e que eram da época em que éramos representantes da Ford. A representação acabou mais a oficina continuou lá. Expliquei para eles que não tinha muito dinheiro mas que em compensação não era muito exigente, ou melhor, a única exigência minha era de que papai não ficasse sabendo até o bicho ficar pronto. Queria vê-lo andando, não interessava como. Levaram ele para a oficina rebocado. Só trabalhavam nele quando não tinham o que fazer ou quando eu ficava lá enchendo o saco. Um mês depois, eu indo lá todos os dias, ele ficou pronto. Na primeira partida o carburador estourou e queimou o capô. Se já era feio de pintura, com o preto no meio do capo ficou horrível. Mas andava, capenga mais andava. A bobina estava pifando e não tinha na praça para comprar. Tinha que enrolar um pano úmido nela e andar com uma bisnaga de água. Quando ele começava a falhar, parava, abria o capô e espirava água no pano que a envolvia. Às vezes levava-o para uma verificação e a conversa era mais ou menos assim:
- Tuim, aquele barulho que ele fazia na roda esquerda parou. Veja o que aconteceu.
O Tuim ia ver e falava:
- Ainda bem que você percebeu. Caiu o pino que travava a roda e fazia barulho porque estava com folga. Deixa aí que vou fazer um pino novo.
A grande dificuldade foi convencer papai a deixar eu usar o carro com aquela idade. Mas consegui colocá-lo comigo para dar uma volta e ele ficou com pena ao ver o sacrifício que eu tinha feito para arrumar o carrinho gastando todas as minhas economias e mesadas nele e como já dirigia bem com aquela idade acabou por concordar. Corumbá não tinha movimento nenhum. As ruas eram todas de chão batido. A única rua calçada com paralelepípedos era a frei Mariano. Ia para o colégio e meus amigos não acreditavam que com 12 anos eu já tinha meu carro.
Com 14 eu fui para São Paulo estudar interno. Quando cheguei para as férias de julho, papai foi me pegar na estação com meu Consul e quase caí duro para trás. Para me fazer uma surpresa, já sabendo que estava indo muito bem na escola, mandou reformá-lo inteirinho. Pintura nova, vermelho bombeiro, na época não tinha o vermelho Ferrari, bancos estofados novos, também vermelho, estava a coisa mais chique. O painel, toda lata pintada, também de vermelho. Era um luxo só. O carrinho estava novo. Andava uns 100km todos os dias das férias. Começava a rodar às 8 da manhã e ficava zanzando até altas horas. Todas as conversas importantes eram dentro do carro. Namorar, dentro do carro. Arte, dentro do carro. Foram as melhores férias da minha vida. Quando fiz quinze anos, ganhei um fusquinha 1200 zerinho e encostei o Consul.
Se tivesse a experiência de hoje, ele estaria guardado na minha garagem como uma relíquia, mas com a compra do fusquinha ele foi esquecido e voltou a ficar no pátio de casa até que mandaram jogar fora. Entregaram ele para uma equipe de demonstração que foi a Corumbá, eles enfileiravam vários carros e um cara pulava por cima com outro carro e batia nos que estavam no chão. Destruíram meu primeiro carro sem que eu sentisse absolutamente nada. Só hoje, depois de velho, que me dá uma tremenda tristeza e uma puta saudade daquele carrinho.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Zé Pichibeque

Antigamente toda loja comercial tinha um mural onde o proprietário fixava os cheques sem fundos que ele recebia. Ficava ali exposto para quem quisesse ver a vergonha, e assinada, do sujeito. Era o SPC, pois outros clientes e os funcionários consultavam o quadro.
Eu não sei qual o significado exato da palavra pichibeque, deve ser uma gíria e é pejorativo, pois acho que significa algo sem valor. Ele era o Zé Pichibeque, vivia dando cheques sem fundo por onde passava. Era conhecido de todos do comércio. Eu estava com papai na casa Marinho quando o balconista veio até nós para consultar o cheque. Papai pegou, olhou o valor e foi fazer a rubrica para aprovar o mesmo. Pulei da cadeira na hora e não podia falar alto porque o Zé Pichibeque estava a uns três metros da gente e aguardando. Papai não me deu atenção e quando quis falar mais alto ele foi incisivo num "cala boca menino". Quando o Zé saiu eu falei pra ele:
- Pô pai, você não quis me escutar e pegou um sem fundos aí. Só o senhor que não conhece o Zé Pichibeque.
Ele só me respondeu um "eu sei" e chamou a Diolinda, que pela cara devia chamar Diofeia, e disse:
- Vai ao banco, carimba esse borrachudo aqui e põe no quadro.
Virou pra mim e falou:
-Ficou barato pois agora ele não entra mais aqui e isso por 1Kg de pregos.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Tá Vendo

Zé Alberto é personagem constante das minhas histórias porque ele é um cara muito engraçado. Puro e engraçado. Estava no meu escritório quando ele entra dizendo que tinha o melhor negócio do mundo para mim. Um fazendeiro, vou omitir o nome, tinha uma vacada espetacular e estava vendendo por R$ 80,00 enquanto o preço na praça era R$130,00. Como já conhecia o gado do sujeito falei que ele podia fechar e marcar o aparte. Aí veio o motivo do preço ser tão baixo. Tinha que pagar agora e receber o gado em 90 dias. Falei pro Zé:
- Zé, vou declinar.
- Que porra é essa, voltou a estudar latim?
- Não Zé, declinar nesse caso é abrir mão do negócio. Não faço isso. Aparto, ferro e pago. Não pode ser em ordem trocada, porque neste caso, a ordem dos fatores altera o resultado.
- Você falando latim e agora com os teoremas de matemática, vai perder o melhor negócio de sua vida. Você é muito burro. O cara é gente séria. Você está com medo do que?
- Zé, se o cara fosse sério ele pedia o valor certo das vacas. Se ele fosse sério não precisaria vender com tanta antecipação. Aí tem Zé, é fria e só não vê quem não quer. To fora e não adianta insistir.
Ele voltou ao meu escritório com a história das vacas mais umas 3 vezes e não tinha vez que ele me via e não falava que perdi o melhor negócio da minha vida. Uns 6 meses depois, fomos juntos a um leilão e quando descemos do avião o organizador do leilão foi nos receber. O Zé vira para mim e fala:
- Olha aí quem comprou aquelas vacas. Pergunte a ele como foi. Eu falo pra você que com esse seu jeito você está deixando de fazer ótimos negócios.
Antes que eu pudesse responder, ele já vira pro organizador e fala:
- Diz aí pro Tadeu das vacas. Ele esteve com esse negócio nas mãos.
O cara, para total surpresa do Zé fala:
- Porra meu, já está todo mundo sabendo? Mas quem ia imaginar que esse cara ia fazer isso. Filho da Puta, paguei 200 vacas e até agora só recebi 50.
O Zé Alberto olha pra mim e fala:
- Tá vendo.
E antes que eu pudesse falar qualquer coisa ele já saiu rápido para o leilão.
Até hoje chamo ele de "Tá vendo".

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Não recomende


Astréia é a sogra de meu irmão, é mãe de Lenir, minha cunhada. Não sei precisar a data, mas a uns 36 anos atrás, o Luis Alberto, cunhado dele, ia ficar noivo de uma paulista, a Malu. Ela vinha a Corumbá conhecer a família. Como o Tontonio falava muito palavrão, a D. Astréia caiu na besteira de recomendá-lo, dizendo que era uma moça muito bem criada, católica e que não estava acostumada com as palavras de baixo calão que ele vivia usando, e pedia que ele fizesse o favor de não falar nenhum palavrão na frente dela. Segundo o Tontonio, que me relatou o fato, ele já ficou emputecido na hora e só não mandou a sogra tomar no... porque estaria, indiretamente, dando razão a ela.
Marcaram um jantar no melhor restaurante da cidade para o dia da chegada da cunhada. O Tontonio que foi pega-los no seu carro. Ele e o cunhado na frente, a sogra, a concunhada e a Lenir atrás. Passearam pela cidade e até a chegada ao restaurante ele estava quieto e todo mundo incomodado, pois ele não abriu a boca nem para o costumeiro "muito prazer" quando foi apresentado. Quando pararam no restaurante, ele desceu, colocou o seu banco para a frente para as mulheres saírem, colocou o corpo dentro do carro e falou sua primeira frase:
-Vamos lá putada.
30 anos depois, estávamos no aeroporto esperando uma arquiteta que viria do Rio para projetar o posto 10. Ele queria fazer o posto mais lindo da cidade e se propôs a não poupar esforços ou dinheiro para fazer isso. Enquanto aguardávamos a dona ele começou a fazer suposições de como ela seria: Carioca, 35 anos, bonitona, antipática, fui ficando preocupado e caí na besteira de recomendar que ele não tomasse muita liberdade com ela pois poderia ser mal interpretado. Vi na hora que ele não gostou e achei melhor não consertar pois, normalmente as minhas emendas são piores que meus sonetos.
Recepcionamos a arquiteta que veio com sua projetista e fomos direto para o terreno onde seria construído o posto. Passamos a tarde toda trabalhando e a noite fomos levar as duas para jantar. Ele tinha acertado em quase tudo, com exceção que a dona era muito simpática. Ele foi na sua BMW nova, abriu a porta da frente para ela entrar e me colocou atrás com a projetista. Estava um perfeito gentleman. Era dezembro e estava um calor de matar. O ar condicionado do carro no máximo e o calor, fora do carro, violento. Quando abria a porta, a impressão era que você saía da geladeira e entrava no forno. Estava tudo bastante formal quando a arquiteta, sem querer, apoiou seu cotovelo no botão do vidro e o abriu. Na hora ele olhou assustado para ela e perguntou:
- Você peidou?
A mulher primeiro assustou demais com a pergunta e depois começou a rir e não parava mais. Depois disso eu nunca mais recomendei nada a ele. O bicho é louco.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Guerra de Mamona

Tia Dirce é irmã de papai, minha madrinha e tia preferida. Ela sempre foi muito ligada à Mamãe e acompanhou toda sua gravidez que foi super complicada, e quando nasci fui batizado por ela e pelo médico que fez o parto, o Dr. Eneas. Nasci coberto pela membrana que segura o liquido amniótico e a bunda primeiro. Papai sempre falava que eu era um cara de sorte porque tinha nascido empelicado e de cú pra lua. Assim que fiquei sabendo a origem do provérbio: "nasceu de fiófó pra lua".
Eu vivia na casa dela. Primeiro porque ela tinha um monte de filhos e o Dirceu era da minha idade, depois porque ela era super tranqüila e deixava a gente fazer de tudo. Esse costume começou cedo pois como vovô Marinho morou muito tempo com ela, o programa de papai era ir visitá-lo toda a noite com a família. Tio Vicente, marido dela, criava passarinhos e tinha um quintal super gostoso, cheio de arvores pra gente subir e um tanque de 2x3 onde tomávamos banho. A principal brincadeira era a guerra de mamonas. A arma era o estilingue, que na época chamávamos de funda, e a pelota era mamona verde. Além de não machucar muito deixava a impressão. Virava e mexia, o nego levava um pelotaço na testa, ficava aquele vermelhão sujo de verde, e ainda tentava negar com um "não acertou" ridículo, quase chorando de dor. Dividíamos a turma em duas, os bandidos e a polícia. Era um esconde-esconde misturado com pegador. O polícia tinha que achar o bandido e acertar o tiro, e tomar cuidado para não ser morto antes. Quem levasse um pelotaço de mamona ficava fora da brincadeira que acabava quando a polícia matasse todos os bandidos ou vice versa.
Numa dessas eu estava de bandido e resolvi me esconder dentro do tanque. Devia ter visto algum filme que o cara fazia isso. Peguei um talo de mamoeiro, afundei e fiquei respirando por aquele tubinho. 
O Zé Antônio, meu irmão, era um dos policias e resolveu sentar na beira do tanque para poder procurar melhor e com o estilingue carregado e já pronto para disparar em qualquer coisa que se movesse. Aí que vi a burrice que tinha feito. Até sair do tanque, armar o estilingue e disparar a queima roupa, eu seria atingido primeiro com certeza. Resolvi improvisar usando do elemento surpresa. Levantei do tanque gritando e com o talo do mamoeiro finquei nas suas costas gritando que era minha faca. Quando meu olhar cruzou com o dele que vi o susto que ele tinha levado. Estava branquinho pois ele nunca esperava isso e não conseguia falar. Quando ele se recuperou do susto eu apanhei de verdade, ele era mais velho e mais forte e acabou a brincadeira.
Ele nunca gostou de perder.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Isídio

Isídio está na família há mais de 20 anos. Começou quando abrimos um matadouro e ele carneava as reses. O negócio não durou muito tempo e quando fechamos ele veio trabalhar na minha casa como guarda noturno. Com o tempo ele aprendeu a fazer churrasco e ficamos chiques, passamos a ter um churrasqueiro particular, igual aquele do Lula, e o melhor da cidade. Já como guarda não podemos falar a mesma coisa. Tem duas características que não combinam com a profissão: dorminhoco e medroso. Mas é de toda confiança nossa e gosta muito de todos. Viu meus filhos crescerem e protegeu a todos, se não com sua coragem, com certeza com sua dedicação e carinho.
Isídio, o carinhoso...
Lembro-me do dia que cheguei em casa e fiquei preocupado pois eram umas 7 horas da noite e estava tudo escuro e com uma velas acesas pelo chão na entrada. Antes que pudesse pensar e entender o que estava acontecendo, de repente, não mais que de repente, aparece um vulto todo de preto, com uma capa de cetim, e com o braço segurando a capa e escondendo o rosto. Quando já ia sair correndo, ele tira a capa do rosto, e sorrindo com uns dentes falsos de vampiro, faz um comprimento se curvando a minha frente e me diz:
- Milordi, bem vindo a festa dos vampiros.
Eu já quase todo cagado, reconhecendo a peça, falei:
- Isídio, que porra é essa? Quase me borrei todo de susto.
- Seus filhos Doutor. Parece que tem uma festa aqui, um negócio de Alo in e me fizeram colocar esta capa com esses dentes e me treinaram para receber todo mundo assim. Na verdade eles mandaram eu esconder e pular em cima, mas quando vi que era o senhor fiquei com medo de levar um cacete e engolir esses dentes.
Isídio, o corajoso...
Devia ser uma três horas da manhã quando sou acordado com alguém dando porrada na janela de meu quarto. Acordei num pulo, coração a 200 e escuto a voz dele:
- Seu Tadeu, tem ladrão na sala de dona Beá.
Passo a mão no meu 38 e vou abrir a porta da cozinha para ele entrar. O escritório da fazenda era conjugado com minha casa. Compramos o vizinho e abri uma porta fazendo uma ligação direta. Tinha um hall de iluminação interna de 1,5 x 1,5 metros, onde estavam as janelas do banheiro e da sala de Beá, uma de frente para outra. Ele na frente, que só lembrou de sacar seu revólver depois que viu o meu, entrou agachado no banheiro e ficou embaixo da janela. Falou para mim que por ali dava para ver o movimento na sala de Beá. Fomos levantando juntos e antes que eu pudesse ver alguma coisa ele me puxou para baixo e fez sinal que eram dois. Resolvi levantar sozinho e já colocando o revólver engatilhado pela janela e pronto para disparar. Quando firmo o olhar eu me vejo no reflexo da janela de Beá. Ele levanta quando eu começo a dar tchau para o ladrão, primeiro um e quando ele mete a cabeça, agora dois.
Aí que ele viu que o ladrão era ele mesmo. Era o banheiro que ele usava e a janela ficava acima do vaso e na direita de quem esta urinando. Percebi então que estava tudo mijado para fora e quando ele viu que eu tinha percebido ele falou:
- Fica tranqüilo que vou limpar tudo, mas eu já estava mijando quando vi o reflexo. Não vai pensar que me mijei de medo.
Eu já puto de estar acordado naquela hora, escutando uma observação desta, não agüentei e falei:
- Nem me passou isso pela cabeça, pois você é o cara mais corajoso que já conheci. Vai tomar no cú.
Isídio, o dorminhoco...
Fui dormir preocupado com a hora pois já passava das 11 da noite e tinha que acordar às 5 para ir para a fazenda. Devia ser por volta das 3 da madrugada quando acordei com o telefonema de minha sobrinha Mercedes querendo saber o que estava acontecendo em casa pois estava cheio de polícia na porta. Como não tinha nenhum barulho falei que devia ser no vizinho. Ela insistiu que tinha alguma coisa errada e eu, já de saco cheio, peguei o 38 e fui ver o que estava acontecendo. Quando sai na porta já vi o banzé, tinha dois carros de policia, motocicleta com as luzes de advertência ligadas e uns 8 homens fardados. Voltei e guardei o 38. Eles falavam que alguém tinha pulado o muro e entrado em casa. Procurei o guarda e não achei o Isídio. Já tinha gente achando que os assaltantes podiam tê-lo matado. Comecei a chamar por ele, primeiro em um tom normal e com o tempo, aos berros. Depois de uns 3 minutos gritando ele sai de um quartinho onde guardamos as ferramentas a 2 metros de onde estávamos com a cara mais amassada do mundo. Devia estar no quinto sono, aquele mais profundo. Quando falei que viram alguém entrar em casa ele me fala, na maior cara de pau:
- Não é possível pois eu não vi nem ouvi nada.
Me seguraram para não bater nele. Como a confusão não desenrolava, um dos policiais pediu a autorização para subir no telhado, pois tudo indicava que o cara estava escondido nele. Voltei a pegar o treisoitao. Em dois minutos ele volta com o gatuno. Era ladrão de fiação e já tinha cortado o que alimentava a casa. Só não estávamos todos no escuro porque tenho duas entradas de energia. Com o ladrão ainda algemado esperando o camburão, chega um carro da enersul e restaura a ligação. Em menos de uma hora o ladrão estava preso e o dano sanado. Coisa de europeu, tirando o Isídio, é claro.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Seu Moacyr

A segunda fazenda que compramos foi Campo Salma (Salma de minha avó materna que me recriou dos 14 aos 22 anos). No século retrasado ela tinha pertencido a uns espanhóis e toda a família havia sido assassinada. Em cima dessa verdade, como sempre, criou-se a lenda. Diziam que havia um tesouro fabuloso em pedras preciosas escondido e esse tinha sido o motivo do assassinato de todos. Em volta da casa, uma tapera velha, haviam muitas escavações e falava-se que não era feita por ninguém deste mundo. Como era na beira do asfalto, solo bom, bem drenada e, principalmente porque eu não conhecia a história da assombração, comprei a fazenda.
Tinha 200ha de mata e formei com gente de fora. Depois de pronta procurei um capataz para cuidar dela. Tínhamos uma leiteria em Rancho Alegre, que ficava a 10km da cidade, mas como era pequena, só ficava as vacas em lactação. As vacas vazias e a recria seriam feitas em Campo Salma. Aí começaram a aparecer os problemas, ninguém queria ficar lá, até que apareceu o Seu Moacyr. Na entrevista, eu em dúvida se já perguntava da assombração para ele, se tinha que espanar que fosse logo, mas também não querendo propagar o mito, perguntei com quem ele iria.
- Só Deus, seu Tadeu. Só trabalho sozinho.
- E não tem medo de nada, seu Moacyr?
- Num conheci essa palavra, nem deste mundo nem do outro.
Fiquei sem entender se era força de expressão ou se ele já sabia da "coisa", mas no momento, eu precisando levar o gado para lá pois o pasto já estava passando, era tudo que precisava saber.
- Negócio fechado Seu Moacyr. Quando o senhor pode ir para lá?
- Agorinha se o senhor quiser. Minhas trainhas é pouco e está prontinha. Minha mala é um saco, meu cadeado é um nó.
Respondi que tinha que passar pelo departamento pessoal, fazer o registro, assinar carteira de trabalho, fazer exame médico admissional e que isso demorava uns dois dias. Ele respondeu:
- Comigo vai demorar mais. Vou ter que tirar carteira de identidade, carteira de trabalho e tudo isso que o senhor falou. Num tenho nada disso não senhor. - Era orelha de tudo também.
Resolvi fazer um contratinho e levá-lo para a fazenda e com o tempo ir regularizando a situação dele. Redigi, eu mesmo na hora, colocando os deveres e obrigações primeiro e os direitos em seguida, e lugar para nós dois assinarmos. Emiti em duas vias e passei uma para ele e comecei a ler. No final eu assinei minha via e ele ficou esperando.
- Alguma coisa errada seu Moacyr? Quer acrescentar algo?
- Não não, ta tudo em ordem. Estou esperando a almofadinha.
Foi meu primeiro capataz analfabeto. A assinatura era o dedão dele e a almofadinha era o estojo do carimbo. Campo Salma, começamos mal, pensei.
Mas o velho era porreta. Cuidava bem das vacas e em pouco tempo conhecia todas pelo nome. Uma vez aconteceu de uma cobra matar uma vaca e quando cheguei ele estava tão aborrecido com o fato, de um tanto, que até eu o consolei, que era assim mesmo e fazia parte do negócio. Pedi só que ele tomasse nota do número do brinco, quando ele me respondeu:
- Senhor Tadeu, de número eu só conheço o ó.
Quis corrigir que o número é o zero e não o Ó, mas não ia deixá-lo chateado em descobrir que ele não conhecia número nenhum. Mas ele mesmo arrumou a solução. Todas as vacas eram numeradas e ele tiraria a orelha junto com o brinco. O brinco para eu ver o número e a orelha para comprovar que a vaca estava morta. Estava indo tudo bem e ninguém falava dos fantasmas, até que um dia a Beá resolveu perguntar para ele se tinha visto ou ouvido alguma coisa estranha na fazenda. Para sua surpresa ele disse:
- Olha dona, tem fantasma e fazem uma bagunça que a senhora não imagina. Toda noite é uma lavação de prato e fazem uma barulheira que não me deixam dormir. Isso vai até eu gritar duro com eles, só aí que param.
Com fantasma e tudo a fazenda ia muito bem. O gado era bem cuidado, o pasto bem manejado até que resolvi contratar um tratorista para desmanchar umas leras. Ia ele e a mulher como cozinheira, pois seu Moacyr estava se alimentando só de carne seca e farinha. O Ponciano era um excelente tratorista, já a mulher... era uma merda. Certo dia seu Moacyr me chamou e disse:
- Dotor, se o senhor não mandar essa mulher embora eu vou dar com o machado na cabeça dela. Outro dia ela estava batendo no marido e fui apartar. Se eu não corro duro, ela me esfaqueia. Agora eu pergunto pro senhor se eu estou na idade de correr de mulher.
Aí resolvi perguntar dos fantasmas, pois já estava começando a acreditar que existia alguma coisa sobrenatural e com mais gente poderia comprovar, no que ele respondeu:
- Pro senhor ver como é uma peste essa dona, até os fantasmas ela pôs pra fora.
Mandei a mulher do Ponciano embora e ele foi junto. Coloquei um empreiteiro antigo meu lá, o Vivaldo, e por incrível que pareça, ele também escutava o fantasma de noite. Acho que ficavam de papo de assombração e a noite, todo mundo já com medo, viam coisas que não existiam. A prova dos nove foi o Carmindo, tratorista antigo meu e cara instruído. Esse ficou vários meses lá e nunca viu nada. Os fantasmas não deviam gostar dele também, segundo seu Moacyr.
Seu Moacyr ficou uns 5 anos comigo, até que um dia ele apareceu com uma hérnia inguinal. Encaminhei ele, meio na marra, ao Dr. Domingos que já o mandou com a guia de internação para a cirurgia. Não tinha outro jeito e era de urgência, pois se estrangulasse ia complicar tudo. Seu Moacyr pediu as contas e dispensa do aviso prévio. Disse que não operava de jeito nenhum e tomou seu rumo.
A última notícia que tive dele foi há uns 10 anos atrás, que estava conduzindo cavalos por esse pantanal. Tenho quase certeza de que ele ainda está vivo e convivendo com sua hérnia. Tive vários outros capatazes em Campo Salma e nunca mais apareceu qualquer coisa estranha por lá. Acho que os fantasmas foram juntos com meu amigo, seu Moacyr.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A Prova de Contabilidade

Papai era contador o que antigamente era chamado de guarda livros. Ele estudou no Rio e se formou como um dos melhores alunos de sua turma. Entretanto, segundo ele, quase não passou no exame final por causa de um dos professores da banca do exame oral. Além da prova escrita tinha também a oral. Eram vários professores e cada um que fazia as argüições e ele respondia com todos os outros escutando. Lá pelas tantas, um dos examinadores dos quais eu não lembro o nome, pede a ele que leia um verso do Raimundo Correa. Ele pigarreia para limpar a garganta, e começar a ler o verso. Coloca toda a empolgação possível, deixando o tom de voz mais grave e começa:
"Vai-se a primeira pomba despertada ...
Vai-se outra mais ... mais outra ... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada ...
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais..."
Colocou a alma naquela declamação. Que prova mais fácil ainda mais para ele que já tinha sido orador. Quando terminou de declamar foi até aplaudido pelos demais membros da banca, achava mesmo que tinha escutado uns gritos de BRAVO, BRAVO, quando o examinador fala:
- Muito bem seu Alberto. Cheguei a ficar arrepiado ao ver tanta emoção na sua oração. Tenho certeza que o Raimundo Correia nunca foi tão bem declamado. Agora me diga o seguinte: O que ele quis transmitir com essa poesia?
Papai disse que nessa hora ele achou que fosse desmaiar. Leu com muita emoção mas sem nenhuma atenção. Não fazia a menor idéia de para onde iam aquelas "pombas despertadas". Resolveu responder a altura e disse:
- Ilustríssimo professor, posso responder a sua pergunta, desde que Vossa Senhoria responda a uma minha, primeiramente. Pode ser?
- Posso seu Alberto, mas devo lembrar que o senhor é que esta sendo examinado. Mas fale o que precisas saber para responder a minha pergunta?
- Preciso saber Excelência, se o senhor já viu alguma vez, em toda a sua vida, uma carta comercial escrita em versos?
Tirou zero, e só passou porque em todas as outras questões, assim como na parte escrita, tirou 10.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Últimos Dias


Já contei no "A Origem" como faço para escrever aqui no blog usando meu celular nos momentos ociosos. Quando alguém ou algum fato me traz recordações passadas que acho interessante, registro em um lugar para escrever no futuro. Uma das que está a muito tempo nessa fila de espera e sempre me falta a coragem para escrever foram os últimos dias de meu pai. Mas como tenho que registrar tudo e essa é a história de número 100, resolvi encará-la. Sei que vai ser penoso mas são fatos muito importantes para meus filhos e netos.
Foi no dia 07 de setembro de 2006, uma quinta feira. Recebi um telefonema do Dorivaldo, motorista de papai, pedindo que eu fosse correndo na exportadora Marinho, que papai tinha caído e parecia ser coisa séria. Corri para lá e quando cheguei ele já estava deitado no sofá das visitas que havia em sua sala. Tinha quebrado a perna na altura da cabeça do fêmur. Não precisava ser médico para fazer esse diagnóstico, o seu pé ficava completamente torcido para fora fazendo uma rotação de joelho impossível. Ele mesmo falava, que não sabia como, mas tinha quebrado a perna. Passava a mão pelos cabelos, como sempre fazia quando estava nervoso, e falava que não sairia dessa, que isso não podia ter acontecido. Ele estava inconsolável e por mais que pensássemos no pior, ainda assim, não conseguiríamos imaginar o que tínhamos pela frente.
Chamamos a ambulância do corpo de bombeiros e o levamos para o hospital. Ligamos para nosso médico, Dr. Antonio Carlos Lopes de São Paulo, e ele nos mandou remove-lo com UTI aérea para lá. Não tinha o que fazer em Corumbá, a solução era cirúrgica e com 93 anos era de alto risco. No avião só podia ir um acompanhante e mamãe não dava conta. Para complicar, não chegava nenhum vôo comercial em Corumbá, todos iam só até Campo Grande. Essa trecho tinha que ser de carro e mamãe só viajava comigo dirigindo. Estava dado o nó. Conseguimos embarcar papai no mesmo dia. Era para eu ir com ele, mas na hora do embarque, meu primo Alaer, vendo o meu estado falou:
- Deixa que eu o acompanho. Sou médico e posso ser mais útil do que você. Santo Alaer. Falei com papai e como Maria Lucia estava em São Paulo, mamãe com Lenir iam no próximo vôo comercial, ele topou. Alaer embarcou com a roupa do corpo. Nunca vou me esquecer disso.
No dia seguinte, pela manhã saí com Lenir e Mamãe para Campo Grande. Embarquei as duas e voltei para Corumbá. Chegando aqui tivemos notícias animadoras. Papai estava em perfeita saúde e pronto para operar. Ia colocar uma cabeça de fêmur nova e ia ficar melhor do que antes. A cirurgia seria no dia seguinte. Estávamos apreensivos mas confiantes. A cirurgia correu as mil maravilhas. Ele passou 24 horas na UTI de praxe e como reclamava muito a falta de Mamãe, mandaram ele pro quarto. Operou no sábado, dia 10, e no dia 12 estava sentado no quarto lendo jornal. Em uma posição que ele não ficava a anos. Minha cunhada Lenir tirou uma foto dele nessa posição e nos enviou para nos acalmar. A noite liguei para ela para ter as últimas notícias e foi aí que começou nosso martírio. Pelo telefone eu conseguia escutar a respiração dele que era um ronco terrível. Ela me falou que não sabia o que tinha acontecido e ele ia para a UTI. Foi entubado e só conseguia respirar dessa maneira. Parece que ele teve um pequeno derrame e a única parte afetada foi a epiglote. Com isso não conseguiam desentubar ele.
Eu e o Tontonio pegamos o primeiro avião e fomos para São Paulo. A situação era crítica. Já tinham tentado tirar o tubo duas vezes, mas tinham que voltar. O pior é que a epiglote parou de funcionar em uma posição intermediária, nem toda fechada, nem aberta. Então qualquer líquido que ele tentava engolir ia para o pulmão. Não falava, não conseguia comer e não respirava se não estivesse entubado, e tudo isso completamente consciente.
Acabou tendo que fazer uma traqueotomia, e daquelas chatas, pois além do furo no pescoço, tinha que ter um tubinho que entrava pelo buraco e entre ele e a traquéia tinha uma câmara de ar para não deixar nada entrar pela boca para o pulmão. Tínhamos que verificar constantemente a pressão dessa boinha pois se estivesse murcha podia passar o líquido e se tivesse com muita pressão podia machucar a traquéia. Ele se alimentava por uma sonda colocada no nariz. Não tinha jeito. A perna estava bem e uma porcaria de uma valvulinha de merda estava ferrando com meu pai. Constantemente tinha que fazer aspirações no pulmão e era uma das coisas que ele menos gostava.
Depois de dois meses internados, a situação se estabilizou nessa posição. Recebeu alta do Einstein e veio para Corumbá de UTI aérea. Primeiro foi para o hospital de Corumbá para se recuperar da viagem. Como a UTI não tinha o aspirador, ele chegou aqui em um estado crítico de novo. Os médicos acharam que ele tinha pego uma pneumonia que tomou os pulmões completamente. Após a primeira limpeza verificaram que era líquido. O médico da UTI aérea bobeou mas com a variação da pressão ele não calibrou a bóia da traqueotomia e entrou líquido no pulmão.
Montamos uma enfermaria em seu quarto. Sua cama foi emprestada pelo hospital de Corumbá. Por coincidência, ou talvez devido a isso, era a mesma comprada para o meu sogro e depois doado ao hospital. O colchão era todo cheio de bolas interligadas entre si aos pares e alternados. Tinha uma bomba que inflava um lote e o outro ficava murcho. Depois de alguns minutos alternava, ou seja, os inflados murchavam e os murchos inflavam. Isso fazia com que os pontos de apoio do corpo mudassem e evitava as escaras. Três vezes por dia ia uma fisioterapeuta, a Sandrinha, muito delicada e dedicada, fazer a aspiração, mas a coisa era realmente terrível. Enfiava um caninho pelo furo da traqueotomia e através de uma bomba de vácuo fazia toda a aspiração do líquido acumulado no pulmão. Nesse momento a sensação que nos dava era de que ele estava afogando, pois junto com o líquido saía todo o ar.
Mas ele era muito valente. Quando estava bem pedia aos enfermeiros que me chamassem para passear de carro. A primeira vez que isso aconteceu levei um puta susto. Estava trabalhando, quando o Jo, um de seus enfermeiros, me pediu que desse uma passada que papai queria alguma coisa que eles não estavam entendendo. Quando cheguei, quase cai duro. O velho estava de bermuda jeans, boné combinando, papete e óculos escuros. Estava a Sandrinha e dois enfermeiros. Foi eu e ele na frente e os três atrás junto com o tubo de oxigênio. Para colocar ele no carro foi a maior dificuldade. Devia ser uma quatro horas da tarde e ficamos passeando, como nos velhos tempos. Quando perguntava se ele queria ir para casa ele balançava a cabeça que não. Passamos no Marinho, onde ele trabalhava, na casa dos irmãos, na casa onde ele tinha nascido. Fizemos um tour completo pela cidade. Voltamos já de noite e aí que percebemos que na entrada do carro tínhamos machucado ele e a camisa estava ensangüentada. Ele fez sinal de que não era nada e que era para escondermos de Mamãe. Esses passeios se repetiram muitas vezes. Bastava ele estar melhor para passearmos e era a minha prioridade. Podia estar fazendo o que fosse, o telefone da turma era para dizer que ele estava pronto, e lá íamos nós.
Com o tempo a sonda nasal começou a machucar e ele teve que se submeter a uma gastrostomia. Fizeram outro buraco, agora na barriga dele e o alimento entrava por ali. Levávamos ele de um lado para outro e ele nem perguntava o que estávamos fazendo. Não sei se por excesso de confiança na gente ou se ele estava começando a se entregar. Ele dependia dos enfermeiros para tudo. Comia pela sonda, não conseguia falar, não saia da cama, só carregado, usava fraldas direto. E quem conheceu papai imaginava o que tudo aquilo significava para ele. Lembro-me um dia em que ele me chamou em seu quarto para eu vê-lo se vestir. Tinha saído do banho e abriu a cômoda onde ficavam suas cuecas. Junto existia dois barbantes com jacarezinhos amarrados nas pontas. Ele pegou a cueca, prendeu os dois jacarés, um de cada lado, e foi soltando o barbante até a cueca chegar no chão. Entrou dentro dela e puxou o barbante subindo a cueca. Isso para não depender de ninguém para de vestir. Quando lembrava disso e via os enfermeiros limpando a sua bunda, me dava uma agonia sem igual. Mas ele era valente e nunca reclamou. Nesse sofrimento ele foi até o fim.
No seu último dia, quando deu 22:00 e fui me despedir de mamãe, ela pediu que eu ficasse com ela. Gelei. As coisas não estavam bem mas já tinha acontecido de sair chorando de casa e no dia seguinte ele amanhecer melhor. Mas Mamãe pedir para eu não ir era a primeira vez. Quando foi 5 horas da manhã do dia 15 de março de 2007 ele nos deixou. Sereno olhando para mim e para ela. Quando o médico, Dr. Luis que passou a noite toda conosco o escutou e falou que o coração estava muito fraquinho eu sabia que ele já tinha ido. Fui falar para Mamãe que precisávamos ser fortes pois ele não demorava muito. Ela me olhou e percebi que ela já sabia também que ele já tinha ido.
Hoje eu sinto muitas saudades dele mas o orgulho que tenho de ser seu filho é muito maior.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A Fria

Essa tenho que contar com muito cuidado. Envolve coisas importantes e delicadas. Foi quase a minha primeira vez. Ela se chamava Elizabeth. Posso citar o nome porque é bastante comum. Devia ser começo dos anos 60 e estava com 10 para 11 anos. É, no interior essas coisas começam mais cedo. Ela era a faxineira lá de casa. Branca, 15 para 16 anos, bonitinha, cinturinha fina, os melões já amadurecidos. Uma vez escutei papai fazendo algum comentário com Mamãe, que esse tipo de empregada devia ser evitado onde tinha rapaz entrando na adolescência com níveis de testosterona muito altos, se referindo ao Tontonio, que estava com 13 para 14 anos. Só que ninguém sabia mas eu estava no páreo também. Começamos a perseguição. Ela limpando o chão, passava e começava com um esbarrãozinho, seguido com umas pegadinhas. Ameaçava de contar para Mamãe e como não contava, eu achava que estava gostando. Fiz a primeira proposta:
- Ajudo a limpar o quarto se deixar eu pegar nos melões.
Negócio fechado, aprendi a passar pano e até enceradeira. A cada dia a coisa ia ficando mais quente. Por cima da roupa, por baixo e por aí ia. O quase grande dia foi quando a convenci de nos escondermos atrás do guarda roupa do meu quarto. Para facilitar a limpeza, minha mãe era psica com limpezas, ele ficava de canto, e como era grande, entre as duas paredes, catetos de um triângulo retângulo, e o guarda roupas de hipotenusa, sobrava uma área muito interessante e escondida. Convenci, depois de uma cantada ensofrega, a Betinha, assim a chamava nessas horas de tensão (o n é para enganar os menores de idade), a ir comigo para lá. Estávamos na maior das alegrias naquele esconderijo, meio desnudos, faltando só as últimas peças de cada um, eu já doidão, querendo subir no guarda roupa, quando aconteceu.
Vi primeiro uma sombra pela entrada do nosso esconderijo e logo em seguida a cabeça. Ela escondida atrás de mim que estava só de cuequinha. Saí do estado de choque com o grito de mamãe:
- Seu moleque, o que vocês estão fazendo aí? Desce e me espera na varanda com seu pai. Elizabeth, sua vagabunda, vista essa roupa e suma da minha frente. Vou contar tudo para sua mãe.
Vesti o mais rápido que podia, não tinha muito também e fui pra varanda. Papai que tinha escutado os gritos de mamãe, perguntou:
- Que aconteceu lá em cima?
- Mamãe zangou de eu estar ajudando a Elizabeth limpar o chão atrás do guarda roupas.
- Hein!! É você e não o José Antonio que esta atropelando a menina. Você já tem idade pra isso rapazinho?
Respondi meio orgulhoso:
- Ia ver, mas Mamãe chegou antes e vai sobrar pra você.
Aí eu comecei a admirar meu pai mais ainda quando ele disse:
- Vai pra casa de sua tia Dirce. Eu seguro a barra por aqui.
- Da Elizabeth também? - Perguntei.
Ele não respondeu mas posso jurar que vi um brilhozinho sacana em seus olhos.